Talvez por recear tanto a efemeridade das coisas, sou um gajo que gosta de efemérides. E hoje quero assinalar que passa um ano desta coisa ao fim do qual devo reconhecer que o propósito inicial do Tiago Cavaco prevaleceu sobre o meu, coisa que não se deve estranhar. Quero eu dizer que isto tem servido mais para evidenciar as diferenças entre o catolicismo e os vários protestantismos do que para valorizar aquilo que inegavelmente nos une. Serve então este blog muito mais ao luso-protestantismo, que sobrevive e resiste à fatal diluição pela sua afirmação identitária, do que ao nosso catolicismo que, amorosamente segundo nós e capciosamente segunto vocês, continua agora e sempre a abrir os seus longos braços. Mas se é assim que tem de ser, então que assim seja. Continuemos pois a levantar bem alto os estandartes da nossas diferenças até que uma qualquer Vestefália vos outorgue pelo menos a Paróquia de Moscavide. Que daqui a uns anos possamos todos vir aqui dizer o mesmo que disse S.Paulo: combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé.
Manos, assaltam-me mais dúvidas... Então, os que não ouviram falar de Jesus, ou a quem Ele não foi devidamente apresentado, não se podem salvar? Ou os que conhecendo-O e desejando ser cristãos, morreram sem culpa própria, antes de poderem receber o Baptismo (ou a Extema Unção no caso católico)?
E se não se salvam, como pode ser isso justo e compatível com a imagem de Deus do Novo Testamento, um Deus Pai e universalmente Bom? Em que consiste então, na prática, o universal desígnio de salvação de Cristo? cbs
"Assim como há um zelo mau de amargura, que afasta de Deus e leva ao inferno, assim também há um zelo bom, que aparta dos vícios e conduz a Deus e à vida eterna."
Da regra de São Bento.
Faço uma pausa para reflexão pessoal e despeço-me até finais de Janeiro (ausento-me do país por um mês também).
"I suppose that there is a distinction to be made between some things which are truly virtuous and others which only seem to be so, through a partial and imperfect view of things: that some actions and dispositions appear beautiful if considered partially and superficially.
There is a general and particulary beauty. By a particulary beauty I mean that by which a thing appears beautiful when considered only with regard to its connexion with, and tendency to, some particulary things within a limited sphere. And general beauty is that by which a thing appears beautiful when viewed most perfectly, comprehensively and universally. The former may be without and against the latter.
It is abundantly plain by the Holy Scriptures that virtue most essentially consists in love. True virtue consists in love to being in general: no exercise of love, or kind affection, to any one particular being , that is but a small part of this whole, has any thing of the nature of true virtue. But, that true virtue consists in a disposition towards being in general; though from such a disposition may arise exercises of love to particular beings. But my meaning is that no affections towards particular persons or beings are the nature of true virtue, but such as arise from a generally benevolent temper or from that habit or frame of mind wherein consists a disposition to love being in general". Jonathan Edwards
Tiago Oliveira
P.S. - Desculpem-me, mas não tenho coragem para traduzir este texto.
Manos, tenho uma dúvida lancinante... Poderá haver Santos - no sentido de dádiva de si próprio, abertura à Verdade - não cristãos? Um humano extemamente bondoso, que se sacrifique pelo próximo, apesar de não ser cristão, até não tendo confissão religiosa, poderá santificar-se, poderá salvar-se? Alguém me acode? cbs
CornelisMonsma, “Be holy, because I am holy” Peter 1: 15 -16
“Quantos cristãos não renunciam a conservar no coração o desejo de santidade? (…) É uma última traição para com Deus e para com o Mundo. Os santos participam, em todo o tempo, na obra redentora de Jesus para com ao Mundo. A sua relação pessoal com o Mundo é paradoxal e misteriosa. O Mundo é para eles antes de mais, uma ocasião de se separarem do Mundo, a fim de inteiramente se entregarem pelo amor ao Amor. Procuremos imaginar o que se passa na alma de um santo no momento crucial em que toma a sua decisão irrevogável. Pensemos em Francisco de Assis quando se despoja das suas vestes e aparece nu diante do seu bispo, ou em Bento Labre quando resolve tornar-se mendigo piolhoso e vagabundo pelas estradas fora.
Na origem de tal acto houve qualquer coisa de tão profundo na alma que não sabemos exprimi-la – digamos que é uma simples recusa, a recusa total, estável e supremamente activa, de aceitar as coisas como são; não se trata de saber se as coisas, a Natureza e a figura do Mundo são ou não boas na essência – sim, são-no, o Ser é bom na medida em que existe, e a Graça aperfeiçoa a Natureza, não a destrói – mas estas verdades nada têm que ver com o acto interior de ruptura que estamos a considerar. Esse acto tem a ver com um facto, um facto existencial: as coisas tal como são, não são toleráveis. Na realidade da existência, o Mundo está inquinado de mentira, de injustiça, de maldade, de amargura e miséria, uma vez que a Criação foi corrompida pelo pecado a tal ponto que no fundo da sua alma, o santo recusa aceitá-la como ela é. O Mal – entendido como o poder do pecado e o sofrimento universal que acarreta – é de tal ordem que a única coisa que temos à mão para lhe opor, radicalmente, e que inebria o santo de liberdade, de exultação e amor, é dar, abandonar tudo o que é bom, o que é agradável e permitido, a doçura do Mundo e até o próprio “eu”, para ficar-mos livres e estar com Deus, despojados, entregues ao poder da cruz e finalmente, morrer pelos que amamos. Há aqui um relâmpago de intuição e de querer acima de toda a moralidade humana.
Desde que uma alma é tocada, mesmo de passagem, por essa asa ardente, torna-se estranha a tudo. Pode amar as coisas mas nunca mais repousará sobre elas. O santo é o único a pisar o lagar, e entre os povos não há ninguém como ele.” In Jacques Maritain, Le paysan de la Garone, un vieux laic s’interroge à proposdu temps présent, Ed. Desclée de Brouwer, Paris 1965 cbs
o problema está todo na "teologia de Lutero" em vez da "teologia de Jesus Cristo" e da "teologia dos apóstolos". É mesmo uma das razões porque sou católico, para fugir a essa feira de vaidades que foi a Reforma (ainda que usem os bonitos subterfúrgios de "somos todos santos em Cristo Jesus" que serve mais para nivelar por baixo e para ser dispensado de ter a humildade de reconhecer os bons exemplos). E heráldica por heráldica prefiro esta:
Primeiras três letras de IHΣOYΣ (Jesus) ou "Iesus Homini Salvator" (Jesus Salvador da Humanidade) ou "Iesum Habemus Socium" (à letra "Com Jesus temos sociedade" ou "A Jesus temos como companheiro").
Por baixo do trigrama as três unhas (em muitas imagens cravadas num coração) significando os três votos da Companhia de Jesus (pobreza, obediência e castidade). Por cima, a cruz. Circundando-o, o sol incandescente e abrasador da Palavra.
"Na oração solitária, tão determinada estava a minha vontade que o nome de Jesus se gravasse em mim, tão alentado me sentia, e tão grande confirmação me parecia receber para o que me esperava, que lágrimas e soluços irromperam intensamente.
Enquanto preparava o altar e os paramentos vi representar-se-me o nome de Jesus e senti grande Amor, confirmação e uma crescente vontade de O seguir."
Diário Espiritual de Santo Inácio de Loyola Fevereiro 23, 24 de 1544
Tiago, eu diria que, como em outras circunstâncias da vida, a comunhão cristã não é para quem quer, é para quem pode. Há experiências marcantes das quais não podemos abrir mão sob pena de estarmos a “reduzir Deus ao nosso próprio juízo racional” ou a tentar “domesticar” o Espírito. Acima de tudo, não me parece que a comunhão possa funcionar a interruptor, ligar-se e desligar-se ao sabor de acordos pontuais. Quando ela acontece, então devemos dar glória a Deus. Mas que seja o Espírito a fazer com que ela aconteça (como bem dizes no teu mini-manifesto).
Celebremos a Reforma! Esta deveria ser a grande semana do protestantismo em Portugal.
Lembrei-me de algo visual: A Rosa do Lutero. Este selo ou brasão de Lutero sintetiza a sua doutrina de uma forma simples e completa. O próprio reformador supervisionou a sua criação e explicou o seu significado da seguinte maneira: " (…) O meu selo é um símbolo da minha teologia.Primeiro, deve haver uma cruz preta dentro de um coração - o qual retém a sua cor natural - para que eu seja lembrado que a fé no Crucificado nos salva. Pois quem crê de coração será justificado (Romanos 10.10). Embora seja uma cruz preta, que mortifica e que também deve causar dor, ela deixa o coração em sua cor natural. Ela não corrompe a natureza, isto, ela não mata, mas mantém vivo. "O justo viverá por fé" (Romanos 1.17), pela fé no Crucificado.
Tal coração deve estar no meio de uma rosa branca, para mostrar que a fé dá alegria, conforto e paz. Em outras palavras, ela coloca o crente em uma rosa branca, de alegria, pois esta fé não dá paz e alegria como o mundo d (João 14.27). É por isso que a rosadeve serbranca, e não vermelha, pois o branco é a cor dos espíritos e dos anjos (conforme Mateus 28.3; João 20.12).
Tal rosa deve estar numa área de azul celeste, simbolizando que tal alegria em espírito e fé é o começo da futura alegria celestial, que já começa, mas é obtida em esperança, pois ainda não é revelada.
Ao redor dessa área está um círculo dourado, simbolizando que tal bênção no céu dura para sempre; é sem fim. Tal bênção vai além de toda a alegria e bens, assim como o ouro é o melhor metal, o mais valioso e precioso. Este é o meu compendium theoligae [o sumário da teologia]..."
Carta de Lutero a Lazarus Spengler, 8 de julho de 1530. A Beguina
"... Não se reforma a Igreja senão sofrendo por ela, não se reforma a Igreja visível senão sofrendo pela Igreja invisível. Não se reforma os vícios da Igreja senão sendo pródigo no exemplo das suas virtudes mais heróicas. É possível que S. Francisco de Assis não estivesse menos revoltado que Lutero com o deboche e a simonia dos prelados. É mesmo certo que sofreu mais cruelmente, pois a sua natureza era bem diferente da do monge de Weimar. Mas não desafiou a iniquidade, não tentou fazer-lhe frente, antes mergulhou na pobreza, enredando-se nela com os seus o mais que pôde, como numa fonte de toda a remissão, de toda a pureza. Em vez de tentar arrancar à Igreja os bens mal adquiridos, cumulou-a de tesouros invisíveis, e sob a doce mão desse mendicante a pilha de ouro e de luxúria pôs-se a florir como uma sebe em Abril...
A Igreja não precisa de reformadores, mas de santos. Martin Luther era o reformador nato. Existem reformadores cujo destino trágico nos parece explicável, Lamennais por exemplo. Compreende-se muito bem que aquela corda exageradamente tensa tenha estalado sob uma nota demasiado alta. Um antigo confidente de Pio XI contou-me que esse papa tinha uma espécie de devoção à memória do pobre Féli. Sem dúvida ele teria tido a mesma compaixão por Lutero, pois este papa e aquele monge, ambos inflexíveis, são semelhantes em demasiados aspectos para que não fossem capazes de ter compaixão um pelo outro. Oh! Não é que Lamennais me pareça não merecer mais que uma compaixão um pouco desdenhosa. Se apenas tivesse dependido desse pequeno bretão enfermo, com a sua lógica pungente, ao mesmo tempo implacável e terna, a sua eloquência naïve e sublime, por vezes um pouco pueril e que faz lembrar um bom dever escolar mas escrito com todo o sangue de um coração de homem, o imenso desastre da Igreja com o mundo operário teria provavelmente podido ser evitado.
Quando esse homem magro, sombrio e enclausurado, devorado pela doença, lançava do seu banco na Câmara, na sua voz cavernosa de agonizante, o grito profético: «Desgraçados dos pobres!», anunciava igualmente Estaline, Hitler, Mussolini ou Franco, homens dos monopólios e dos cartéis e mostrava as grandes valas comuns abertas. Não! Não se tratava certamente de um homem sem meios e sem defesa, tinha somente nascido demasiado nervoso, demasiado sensível, com uma vaidade de mulher ou de poeta, feito para o desespero como um belo vaso para o líquido do qual se deve encher, encheu-se ele de desespero até à borda. Mas ele, Luther, Martin Luther, fora sobretudo feito para a alegria, a rude alegria do trabalho operário, do trabalho quotidiano, do fardo colocado sobre o ombro, ou aliviado com um golpe de rins. Sim, era um homem que não tinha nada de belo vaso, mas sobretudo um pichel de camponês, um desses pichéis de grosseira faiança, cor de mel, nos quais se vai derramar do tonel não importa o quê, cidra, cerveja ou aguardente."
Pois bem, esse homem forte não aguentou mais tempo que o outro, apaixonou-se também, vimo-lo tomar o freio nos dentes, como um cavalo de trabalho que meteu a sua grande pata num ninho de vespas, começando a escoicear às quatro patas, barriga por terra, e quando parou – não por fadiga, é verdade, mas para ver onde estava metido, recuperar o fôlego, cheirar as feridas – a velha Igreja ficara já para trás de si, bem longe a uma distancia imensa, incalculável, separada dele para toda a eternidade, ó raiva, ó estupor, ó lancinante infortúnio!
… Sempre acreditei – sem pretender forçar ninguém a acompanhar-me – que os grandes heresiarcas que arrasaram a Igreja poderiam igualmente ter sido a sua glória, tivessem eles sido escolhidos, separados, marcados por um destino extraordinário, uma maravilhosa aventura. Logicamente sou pois forçado a admitir também que receberam graças sem preço, que as dissiparam, as lançaram ao vento, perdendo em vãs disputas riquezas espirituais imensas, incalculáveis, que talvez tivessem sido suficientes para saciar durante séculos a cristandade inocente… Somos perfeitamente livres de imaginar que, se esse pequeno judeu chamado Saul não tivesse uma tarde rolado na poeira da estrada de Damasco, jorrando vergonha, remorsos, amor e lágrimas pelo seu rosto, teria acabado a vida numa qualquer obscura sinagoga de aldeia. Mas somos igualmente livres de pensar que ele poderia ter sido o herético de todos os heréticos, só por si mais temível que Nestorius, Arius e Lutero todos juntos, porque ele era como o próprio fogo, que aquece ou devora, purifica ou destrói. É verdade que a prova que perdeu o monge de Erfurth poderia igualmente tê-lo salvo, era a sua perda ou a sua glória. E quando lemos certas páginas da sua correspondência – mas qual o católico que leu alguma vez a correspondência de Lutero? Um bom aluno da Companhia de Jesus pensaria certamente em ir regalar-se com graçolas endereçadas a Catarina de Bor, sobre esse despadrado libidinoso – parece-nos perceber que ele não ignorava nada do dilema fatal que dominava a sua vida e que mais do que uma vez, infelizmente! Pelo menos no seu tempo de juventude, tentou obedecer à doce voz que lhe falava ao coração, que o impelia afectuosamente a ficar humilde e dócil no cumprimento da sua missão, como uma pequena pedra nas mãos do Altíssimo, apanhada ontem, largada amanhã. Que dizia essa voz? Meu Deus, será talvez demasiado ousado perguntá-lo, não importa!
“Meu filho Martin, sem dúvida murmurava ela no silêncio da alma, pus em ti esse amargor, acautela-te! É Comigo, por Mim, em Mim que tu sofres com o miserável estado da Minha Igreja, mas que não te prevaleça essa dor diante de Mim. Outros, que Me amam mil vezes mais do que tu és capaz de Me amar, não a sentem no mesmo grau, ou mal a experimentam. Isso que revolta a tua consciência, apresenta-se-lhes como um sonho, um sonho mau, de que eles se afastam quando querem, porque vivem noutro mundo. Mas a ti, marquei fortemente o teu lugar neste mundo, fiz-te de uma matéria sólida e pesada, um homem carnal. Lançar-te-ei contra outros homens tão carnais como como tu, feitos da mesma matéria, para que sintam a força dos teus golpes, porque é através de ti, se Me fores fiel, que decidi quebrar o seu orgulho e fazer justiça ao meu povo, a quem colocaram as almas em leilão. Mas não te enganes, irmão Martin: essa tarefa não é nem a maior, nem a mais elevada, é apenas à tua medida, só isso. Dei-te saúde, força, uma eloquência popular e um génio da controvérsia quase igual ao do meu filho Agostinho. Não são essas, fixa bem, as armas preferidas dos nossos santos, elas servir-te-ão apenas para desobstruir, arrancar, desenraizar os troncos apodrecidos.
Oh! Meu filho Martin! Aquilo que te dei não é nada ao pé daquilo que te reservo se não te escapares das Minhas mãos! Pensa no Meu apóstolo Paulo, que tanto amas. Era, ele também, um homem carnal, violento, temerário e racional. E como Me foi necessário amolecer e abrandar a sua alma: lembra-te do que Eu disse dele, num sonho, a esse Ananias, de Damasco. O pobre Ananias não mostrava pressa nenhuma de ir em busca de Saul, para ele era um pouco como ir meter-se na boca do lobo: “Senhor, eu sei os males que ele fez sofrer aos Vossos santos, e agora recebeu dos príncipes dos sacerdotes o poder de prender todos os que invocarem o Teu nome…”
Respondi então: “Vai, pois ele é um instrumento que escolhi, mostrar-lhe-ei o quanto terá de sofrer por Mim – quanta oporteat eum pró nomine meo pati…” Pró nomine pati… Hoje, quando lêem isto, não pensam naturalmente senão na felicidade do martírio de Paulo, oferecendo a sua cabeça ao verdugo. Irmão Martin, crês bem que ele a deu de boa vontade, não só para cumprir a Minha vontade, mas também porque tinha já sofrido muito, porque estava cansado de viver e sofrer. Há homens, irmão Martin, aos quais concedi que sofressem com sabedoria, tranquilamente, sem necessitarem de se debaterem, como nas mãos do barbeiro. Mas este, foi feito para espernear sob o aguilhão – durum est tibi contra stimulum calcitare. Não houve aguilhão de que ele não tenha experimentado a ponta, sem exceptuar o da carne, e quando finalmente lhe permiti morrer ele já nem força tinha para espernear, parecia-se com um desses velhos lobos solitários, crivados de golpes, banhados no próprio sangue, que a cada nova ofensa da lança não podem mais que virar lentamente para o ferro um olhar já vítreo, mas inflexível.
Oh! Após tantos séculos, vós tendes dessa época longínqua uma ideia tão estranha!... Desde o princípio que a Minha Igreja foi o que ainda é, e será até ao fim dos dias, o escândalo dos espíritos fortes, a decepção dos espíritos fracos, a provação e o consolo das almas profundas, que não procuram senão a Mim.
Sim, irmão Martin, quem Me procura encontra-Me, mas é preciso que Me encontre, e Eu escondo-me melhor do que se pensa, ou que alguns dos meus sacerdotes vos pretendem fazer crer – Para os que não se aproximam de Mim com humildade, Sou ainda mais difícil de descobrir do que aquele menino, atrás de magos e pastores, naquele pequeno estábulo de Belém.
Porque é verdade que me construíram palácios, com galerias e claustros sem conto, magnificamente iluminados dia e noite, povoados de guardas e sentinelas. Mas para aí Me encontrar, como na velha estrada da Judeia enterrada sob a neve, o mais sagaz não precisa senão de Me pedir simplesmente o necessário: uma estrela e um coração puro…”
Georges Bernanos
In Albert Béguin, "Écrivains de Toujours", Éditions du Seuil 1954
Já tinha dito que admiro este gajo? Este sim Tiago, era um gajo porreiro
Since Your Majesty and your lordships desire a simple reply, I will answer. Unless I am convinced by Scripture and by plain Reason - and not by Popes and Councils who have so often contradicted themselves - my conscience is captive to the Word of God. To go against conscience is neither right nor safe. I cannot and I will not recant. Here I stand I can do no other God help me
Pedro, esperar que a comunhão da fé seja feita à base de "uma experiência e emoção, no Espírito, semelhante à minha" não é só um empobrecimento. É a pior domesticação do Espírito possível. Uma coisa é não papar as grupes ecuménicas (count me in). Outra é reduzir Deus ao nosso próprio juízo racional (don't count me in). Tanta coisa contra a Revolução Francesa para acabar nisto? Fazia-te bem vires conhecer os baptistas e evangélicos da tua geração das urbes para te amolecer o orgulho denominacional.
Antonius, a prova que és mais anglófilo que francófono e que faz sentido essa oposição é que escreves "plantar couves há 100 anos atrás" quando em bom português deverias escrever "plantar couves há 100 anos". Há pouquíssimas razões para ser lusófilo. Padre António Vieira e mais quem? E sim, a França, como a Alemanha são países do Diabo. E é óbvio que o protestantismo dá países mais evoluídos (será preciso argumentar?). Isso não tem é de ser considerado sempre uma vantagem.
... On ne réforme l’Église qu’en souffrant pour elle, on ne réforme l’Église visible qu’en souffrant pour l’Église invisible. On ne réforme les vices de l’Église qu’en prodiguant l’exemple de ses vertus les plus héroïques. Il est possible que saint François d’Assise n’ait pas été moins révolté que Luther par la débauche et la simonie des prélats. Il este même certain qu’il en a plus cruellement souffert, car sa nature était bien différente de celle du moine de Weimar. Mais il n’a pas défié l’iniquité, il n’a pas tenté de lui faire front, il s’est jeté dans la pauvreté, il s’y est enfoncé le plus avant qu’il a pu, avec les siens, comme dans la source de toute rémission, de toute pureté. Au lieu d’essayer d’arracher à l’Église les biens mal acquis, il l’a comblée de trésors invisibles, et sous la douce main de ce mendiant le tas d’or et de luxure s’est mis à fleurir comme une haie d’avril...
L’Église n’a pas besoin de réformateurs, mais de saints. Martin Luther était le réformateur né. Il y a des réformateurs dont le destin tragique nous paraît explicable, Lamennais par exemple. On comprend trés bien que cette corde exagérément tendue se soit brisée sur une note trop haute. Un ancient familier de Pie XI m’a rapporté que ce pape avait une sorte de devotion à la mémoire du pauvre Féli. Sans doute n’aurait-il pas montré la même compassion pour Luther, car ce pape et ce moine inflexibles se ressemblent par trop de points pour avoir jamais eté capables de se prendre l’un l’autre en pitié. Oh! Ce n’est pas que Lamennais ne me paraisse mériter rien d’autre qu’une compassion um peu dédaigneuse. S’il n’eût dépendu que de ce petit Breton infirme, avec as logique poignante, à la fois implacable et tendre, son éloquence naïve et sublime, parfois un peu niaise, et qui fait penser à un beau devoir d’écolier mais écrit avec tout le sang d’un coeur d’homme, l’immense désastre de l’Église avec le monde ouvrier aurait probablement pu être évité. Quand cet homme maigre, noir et voûté, dévoré par la maladie, jetait de son banc à la Chambre, de sa voix caverneuse d’agonisant, le cri prophétique: «Malheur aux pauvres!», il annonçait aussi bien Staline, Hitler, Mussolini ou Franco, que les hommes des monopoles et des trusts, il montrait les grands charniers ouverts. Non! Ce n’était certes pas là un homme sans moyens et sans defense, il était seulement né trop nerveux, trop sensible, avec une vanité de femme ou de poète, il était fait pour le désespoir comme un beau vase pour le liquide qui doit le remplir, il s’est rempli de désespoir jusqu’au bord. Mais lui, Luther, Martin Luther, il était plutôt fait pour la joie, la rude joie du travail ouvrier, du travail quotidien, du fardeau mis sur l’épaule, ou déchargé d’un coup de reins. Oui, c’était un home qui n’avait rien d’un beau vase, mais plûtout un pichet de paysan, un de ces pichets de grossière faïence, couleur de miel, dans lesquels on va tirer au tonneau n’importe quoi, du cidre, de la bière, de l’eau-de-vie. Eh bien, cet home fort n’a pas tenu plus longtemps que l’autre, il s’est afollé lui aussi, on l’a vu prendre le mors aux dents, à la manière d’un cheval de labour qui a mis son gros pied dans um mid de guêpes, il est parti en ruant gauchement des quatre sabots, ventre à terre, et lorsqu’il s’est arête - non pas fatigue, certes, mais pour voir où il était, reprendre son soufflé, flairer ses plaies – la vieille Église était déjà bien loin derrière lui, à une distance immense, incalculable, séparée de lui par toute une éternité, ô rage, ô stupeur, ô déchirante infortune!
… J’ai toujours cru – sans pretender forcer personne à le croire avec moi – que les grands hérésiarques qui ont ravagé l’Église auraient pu aussi bien en devenir la gloire, qu’ils avaient été choisis, séparés, marqués pour un destin extraordinaire, une merveilleuse aventure. Je suis donc logiquement force de croire aussi qu’ils avaient reçu des grâces sans prix, qu’ils les ont dissipés, qu’ils ont jeté au vent, perdu en vaines disputes, des richesses spirituelles immenses, incalculables, qui eussent peutêtre suffi à rassasier pendant des siècles l’innocent chrétienté… On est parfaitment libre d’imaginer que si ce petit Juif nommé Saül n’avait pas roulé un soir, dans la poussière de la route de Damas, son visage ruisselant de honte, de remords, d’amour et de larmes, il aurait finis a vie dans quelque obscure synagogue de village. Mais on est libre également de rêver qu’il eût été l’hérésiarque des hérésiarques, plus redoutable à lui seul que Nestorius, Arius et Luther tout ensemble, cari l était comme le feu même, qui réchauffe ou dévore, purifie ou détruit. Certes, l’épreuve qui a perdu le moine d’Erfurth aurait pu elle aussi le sauver, elle était sa perte ou as gloire. Et lorsqu’on lit certaines pages de sa correspondance – mais quel catholique a jamais lu la correspondande de Luther? Un bom élève des RR. PP. Jésuites croirait sûrement s’y régaler de graudrioles adressées à Catherine de Bor par ce défroqué libidineux – on croit comprendre qu’il n’ignorait rien du dilemme fatal qui dominait as vie et que plues d’une fois, hélas! Au moins au temps de as jeunesse, il a été tenté d’obeir à la douce voix qui parlait à son coeur, le pressait amoureusement de rester humble et docile dans l’accomplissement de sa tâche, comme une petite pierre dans la main du Très-Haut, ramassée hier, rejetée demain. Que disait cette voix? Mon Dieu, il est peut-être trop hardi de se le demander, n’importe!
«Mon fils Martin, murmurait-elle sans doute dans le silence de l’âme, j’ai mis en toi cette amertume, prends garde! C’est avec moi, par moi, en moi que tu souffres du misérable état de mon Église, ne va pas te prévaloir de cette souffrance devant moi. D’autres, qui m’aiment mille fois plus que tu n’es encore capable de m’aimer, ne l’éprouvent pas au même degré, ou l’éprouvent à peine. Ce qui révolte ta conscience leur apparaît seulement comme un rêve, un mauvais rêve, dont ils se détournent quand ils veulent, parce qu’ils vivent dans un autre monde. Mais toi, j’ai marquee fortement ta place dans celui-ci, je t’ai fait d’une matière solide et pesante, un homme charnel. Je te jetterai contre d’autres hommens aussi charnels que toi, faits de la même matière, afin qu’ils sentent la force de tes coups, car c’est par toi que, si tu m’es fidèle, j’ai résolu de briser leur orgueil et de venger mon peuple, dont ils mettent les âmes à l’encan. Ne t’y trompe cependant pas, frère Martin: cette tâche n’est ni la plus grande ni la plus haute, elle est à ta mesure, voilà tout. Je t’ai donné la santé, la force, une eloquence populaire et un genie de la controverse presque égal à celui de mon fils Augustin. Ce ne sont pas là, sache-le bien, les armes préférées de nos saints, elles te serviront seulement à déblayer, arracher, déraciner les souches pourries. Oh! Mon fils Martin! Ce que je t’ai donné n’est rien auprès de ce que je te réserve si tu ne t’échappes pas de mes mains! Pense à mon apôtre Paul, que tu aimes tant. C’était, lui aussi, un homme charnel, violent, téméraire et raisonneur. Comme il m’a fallu déraidir et assouplir son âme: souviens-toi de ce que j’ai dit de lui, dans un songe, à cet Ananie, de Damas. Le pauvre Ananie ne se montrait pas très pressé d’aller trouver Saül, c’était un peu pour lui comme se jeter dans la geule du loup: «Seigneur, je sais quels maux il a fait subir à vos saints, et maintenant il a reçu des Princes des Prêtres le pouvoir d’enchaîner tous ceux qui invoquent votre nom...» J’ai répondu alors: «Va, cari l est un instrument que je me suis choisi, je lui montretai combien il lui faudra souffrir pour moi – quanta oporteat eum pro nomine meo pati...» Pro nomine meo pati... Lorsque vous lisez cela aujourd’hui, vous ne pensez naturellement qu’au bienheureux martyre de Paul, offrant as tête au bourreau. Frère Martin, crois bien qu’il l’a donée de bon coeur, non seulement pour accomplir ma volonté, mais parce qu’il avait beaucoup souffert, qu’il était bien las de vivre et de souffrir. Il y a des hommes, frère Martin, auxquels j’ai accordé de souffrir bien sagement, bien tranquillement, sans se débattre, comme entre les mains du barbier. Mais celui-là, il était fait pour regimber sous l’aiguillon – durum est tibi contra stimulum calcitrare. Il n’y a pas d’aiguillon dont il n’ai éprouvé la pointe, sans excepter celui de la chair, et lorsque je lui ai enfim permis de mourir, il n’avait même plus la force de regimber, il était pareil à un de ces vieux loups solitaires, percés de coups, baignés dans leur sang, qui à chaque nouvelle insulte de l’épieu ne peuvent plus que tourner lentement vers le fer un regard déjà vitreux, mais inflexible. Oh! Après tant de siècles, vous vous faites, vous autres, de cette époque lointaine, une idée bien singulière!... Dès le commencement, mon Église a été ce qu’elle est encore, ce qu’elle sera jusqu’au dernier jour, le scandale des esprits forts, la deception des esprits faibles, l’épreuve et la consolation des âmes intérieures, qui n’y cherchent que moi. Oui, frére Martin, qui m’y cherche m’y trouve, mais il faut m’y trouver, et j’y suis mieux caché qu’on le pense, ou que certains de mes prêtres prétendent vous le faire croire – plus difficile encore à découvrir que dans la petite étable de Bethléem, pour ceux qui ne vont pas humblement vers moi, derrière les Mages et les Bergers. Car c’est vrai qu’on m’a construit des palais, avec des galeries et des péristyles sans nombre, magnifiquemente éclairés jour et nuit, peuplés de gardes et de sentinelles, mais pour me trouver lá, comme sur la vieille route de Judée ensevelie sous la neige, le plus malin n’a encore qu’à me demander ce qui lui est seulement nécessair: une étoile et un coeur pur...»
Quando me perguntavas há tempos Tiago se tinha antecedentes religiosos na família e te respondi negativamente, não fui totalmente honesto. É certo que nenhum dos meus pais é um fervoroso cristão (um é ateu, outro redescobriu o catolicismo há pouco tempo) mas o meu avô materno era um católico engagé e "esclarecido", da Acção Católica, signatário da carta do bispo do Porto a Salazar. Proveniente de meios rurais miseráveis, licenciou-se em Clássicas em Coimbra à custa das explicações que ministrava, restando dessa mescla de origens improvável uma praxis patriarcal em tudo o que era mais íntimo e familiar mas uma visão e discurso do mais "avançado" progressismo católico, cheio de erudição e ideias modernas. Serve este historial para quê? Bom, tendo ele morrido há uns meses procedeu-se à devida divisão dos despojos, dos quais um subtancial quinhão da sua biblioteca foi parar aqui ao vosso amigo. Entre preciosidades em russo, grego ou latim encontrava-se uma vasta colecção dos clássicos franceses e particularmente, as obras mais que completas de um escritor que ele sempre teve na mais alta estima.
Georges Bernanos
Filho dilecto da Igreja francesa, veterano da I Guerra Mundial (na frente da Flandres onde a carnificina foi monstruosa), monárquico e católico conservador mas forte opositor dos regimes ditactoriais que assolaram a Europa (incluindo o regime de Vichy) tendo por isso sido obrigado ao exílio na América do Sul (sendo mais tarde convidado por De Gaulle a regressar), poucos homens teriam uma visão mais desassombrada da Igreja que este jornalista/escritor gaulês. O seu opus magnum o Journal d'un Curé de Campaigne é um tratado sobre a vivência mais profunda da Igreja rural, de uma imensa humanidade, de uma humanidade tíbia e cheia de ennui, que por isso mesmo necessita de Cristo. Escreve este grande autor numa das suas cartas:
Pois Pedro, essa de contar as espingardas dos convertidos que já foram ex-qualquer outra coisa é prática. Mas não de fiar. Vai por mim: o Século XXI português vai dar-te evangélicos a converter-se ao catolicismo. Sem ser preciso de enquadrar esse movimento em termos espirituais ou escatológicos. Basta-nos a mais primitiva sociologia para antevê-lo. Acredita que o Trento na Língua live tem pouco a ver com extreme makeovers.
Na pregação do ex-padre (vinte e cinco anos de sacerdócio), agora pastor baptista, encontro temas recorrentes neste blog: a certeza, e a alegria, da salvação eterna, que ele não tinha quando padre; a descoberta da clareza do Evangelho bíblico, depois de removidas camadas de tradição e filosofia humana. Empolgante, o Trento na Língua ao vivo.
Caríssima Beguina, a “Senhora” que referes, tal como o Seu Filho, não fogem ao lastro mitológico que vem da noite do tempo. Todos recordamos o mito da grande deusa Terra mãe… e o resto. Mas Beguina, acaso o Cristianismo tem de ficar cativo da religiosidade primeva? Acaso te levam esses mitos a que o Deus dos Judeus não passe de um gémeo de Zoroastro? ou o decálogo de Moisés uma cópia alterada dos códigos cuneiformes? e será que estamos para sempre cativos do naturalismo céltico? Que haverá de errado se a Igreja de Roma propuser – para além da piedade devida à Tradição – uma definição de fé maduramente reflectida? Porque a lógica de Fé, que está na base da sagração de Maria pela Igreja Católica, parece muito simples e forte:
“Se o pecado, em qualquer modalidade, é situação de inimizade ou afastamento de Deus, a co-redentora da Humanidade e mãe de Deus, Aquela de Quem Jesus recebeu toda a Sua humanidade, tão intimamente unida à pessoa de Jesus, em momento algum da Sua existência pode ter estado em contacto com o pecado. O privilégio único, mas compreensível, cuja intenção é dotar Jesus de uma mãe à altura da Sua dignidade e santidade, não significa no entanto que Maria fosse, por si mesma, justa, não necessitada de redenção: Ela é simplesmente a primeira redimida por Seu Filho. Aquilo que acontece em nós, depois do nascimento, a aplicação dos méritos redentores de Cristo (habitualmente pelo Baptismo) nela é simultâneo à Sua própria concepção: Maria foi redimida desde o primeiro instante da Sua existência. Deus em atenção ao Seu Filho e a nós, preservou-A do pecado e da queda, antes de A deixar cair… Esta imunidade de todo o pecado, sem nada tirar à Sua liberdade, torna Maria totalmente transparente a Deus, acolhedora do Seu amor e transforma-a num imenso manancial de Graça, desde o início inteiramente consagrada a Deus.” Retirado de António Vaz Pinto, Revelação e Fé, Ed. A. O. Braga (A imaculada conceição de Maria, pág. 469) cbs
a rush and a push and the land that we stand on is ours
«Deus disse: "Eu vos dou todas as ervas que dão semente, que estão sobre toda a superfície da terra, e todas as árvores que dão frutos que dão semente: isso será o vosso alimento"» (Génesis 1, 29).
1. Anteontem, no seguimento de uma conversa político-etílico-filosófica, surgiu em mesa trentina a idosa questão da colectivização dos bens de produção. Eu, conservador de esquerda (uma espécie de neo-estalinista), defendo ainda que, sem prejuízo de uma regulamentação de ordem prática em relação a alguns bens privados, a maioria dos bens de produção que permitem a criação de riqueza (como se diz agora) deve ser pertença de todos. Em particular os recursos naturais. Os bens de produção - materiais ou imateriais - deveriam ao serviço da comunidade, através das instituições colectivas - o Estado. Por uma razão bíblica: quando Deus criou a Terra, a terra nela presente, com todos os seus recursos, atribuiu a sua gestão a todo o género humano, para sua guarda e usufruto. O mesmo se diga caso se queira prescindir da hipótese de Deus. Originalmente, num tempo remoto e comum, não havia propriedade privada. Mesmo o conceito mental era estranho aos nossos antepassados. Se nos reportarmos a um qualquer tempo inicial, encontraremos a repartição da propriedade comum como uma ruptura violenta no modelo comunitário de uso e partilha da terra.
2. O Catecismo da Igreja Católica (certamente também considerado por muitos como mais uma obra ideológica ultrapassada, que não se compadece com os tempos modernos, uma manifestação do desajuste da Igreja à contemporaneidade) refere expressamente que o direito à propriedade privada não vem abolir a doação original da Terra ao conjunto da humanidade (2402-6). E a Constituição Gaudium et Spesrecorda que «Deus destinou a terra com tudo o que ela contém para uso de todos os homens e povos; de modo que os bens criados devem chegar equitativamente às mãos de todos, segundo a justiça, secundada pela caridade» e adverte que «quem usa desses bens não deve considerar as coisas exteriores, que legitimamente possui, só como próprias, mas também comuns, no sentido que possam beneficiar não só a si mas também aos outros» (69 § 1).
3. Pergunto-me muitas vezes, qual conservador do registo histórico predial, onde nos levaria a pesquisa do trato sucessivo de um pedaço de terra que hoje serve para suporte à reserva ecológica nacional, para cultivo na agricultura mais pobre da Europa, ou se destina ao loteamento e à construção de um empreendimento em condomínio fechado, consoante a arbitrária vontade dos desenhadores de planos municipais. E por que estranha razão admitimos sem pensar (nem pestanejar) que um filho de um proprietário nasce proprietário e um filho de um pobre nasce pobre? Eu sei que, como dizem os liberais (ricos), a pobreza é um conceito relativo. Mas se somos todos iguais, se nos reconhecemos todos irmãos, porque filhos do mesmo Pai, por que motivo subvertemos a herança que era de todos? Quem mexeu no nosso queijo?
Fátima é Isis, é Diana, é a senhora de Avalon, é a mãe terra que brota dentro de cada religiosidade enquanto o povo busca o lado femenino do divino. Podemos estrebuchar e complicar, mas sempre o povo buscará uma senhora dentro dos masculinos religiosos.
Raposa antiga e matreira, sabe a Católica Instituição que se não canalizar este impulso para o seu seio universal, ela transbordará para fora. Finja-se algum distanciamento, construam-se dogmáticas aceitáveis, evoque-se o chavão: Foi Fátima que se impôs à Igreja, mas tenha-se o cuidado de neste tempo de multi, pluri e variedade canalizar ad intra todo esta visceral religiosidade das entranhas. A Beguina
Para mim o pecado da condescendência não figura nos 10 mandamentos só porque Moisés, confesso gago, teria dificuldades na repetição do palavroso “Não condescenderás”. Somos pecaminosamente estúpidos quando condescendemos com coisas boas, pecaminosamente cúmplices quando o fazemos com coisas más – estúpidos e cúmplices em ambos os casos. Se o mal está feito vamos quê, dourar a pílula do dia seguinte? Jesus não foi condescente com a mulher no poço, não foi condescendente com a mulher que ia ser apedrejada (quem afirmar a pés juntos que se tratava de Maria Madalena que leve com a primeira pedra), não foi condescendente com Pedro, nem com Judas nem com a esperteza saloia dos fariseus, nem com as personagens das suas parábolas, nem com os párias que andou a curar, nem com capeta que andou a rondá-lo. Tampouco quando nos ensinou sobre o Amor (ou caridade - you say potatoe) nos disse para sermos condescendentes com os que roubam para comer ou com as que traem os maridos que não ajudam em casa. O que me está a irritar hoje até se centra numa única questão de adultério. Admirar-se uma traição porque os amantes são sinceros na sua paixão: Irrita! E o que é a idolatria senão uma rasteira infidelidade de prostíbulo? Dar umas escapadelas de Deus e ir ter com “a outra” profissionalmente disponível, ou, pior, deixar Deus e ir constituir família com “a outra”. Vamos condescender com infidelidades de prostíbulo só porque são sinceras e sentidas? Admirá-las? Maria não é uma “gaja porreira mas detestável”. Pelo que sei, Maria foi sempre porreira nunca detestável. Já a Maria co-redentora que andou a passear pelo concelho de Ourém, não sei porque não fomos formalmente apresentados. Tenho que dar-lhe crédito por ter tornado Fátima no local de peregrinação dos que acreditam em aparições de alguém famoso falecido, ou seja, uma espécie de Graceland à portuguesa. Concursos de sósias da Senhora não serão má ideia para todos aqueles que admitem a possibilidade de uma aparição da irmã Lúcia, único juri credenciado. Portugal afinal é um país de cavalheiros: acredita-se que Jesus vai voltar um dia, mas, alto lá, primeiro as senhoras. E que visita tão caracteristicamente feminina que foi, ou não se descoseu ela logo de 3 segredos? Talvez seja isso. Talvez os 3 infantes pastores se tenham apercebido da sufocante falocracia na freguesia de Fátima do princípio do séc. XX levando-os a urdir um plano que alterasse clerical e socialmente a face misógina da região e quiçá do país. (a condescendência irrita não irrita?) Suponho ser hora de trazerem para a minha mordacidade uma mordaça. Claro que sou desfavorável ao achincalho sumário de crenças que pessoas têm para si como sagradas. Mas, antes que me sente no sofá e boceje de tanto ímpeto indulgente, prefiro ser o cáustico de serviço. Porque não acredito na sacralização da ignorância e, sobretudo, porque sou liminarmente contra a bonomia para com a ignorância sacralizada. Jesus que já criticava os cegos condutores de cegos, não me parece que morra de amores pelos que, avistando cegos em peregrinação pedestre, decidem fazer-lhes escolta. Condescenderia com eles como fez com os vendilhões do templo. Com pontapés ou assim qualquer coisa.
Pois é mano, só essa tua tirada mais a menção aqui ao Trento no Público Digital, já te valeu bem mais um 13 de Outubro fatimida. Mas a salvação da tua alma recomenda que não se te deixe a última palavra. Então lá vai. Em primeiro lugar é bom recordar que neste país consagrado à Virgem Mãe, a condição de se ser católico é para nós menos definidora ou estruturante ou o que lhe quiseres chamar, do que a condição de se ser evangélico. Coisa bem prática para todos os que anotámos que Ele nos disse ser leve o Seu jugo. Quero com isto dizer que aquilo que eu escrevi ou melhor, pois tu já me vais conhecendo mais do que me conviria, tudo aquilo que está subjacente ao que eu escrevi tem muito mais a ver com a minha condição de cagão, aí sim cosmopolita, do que com o meu catolicismo. Portanto não se generalize aos católicos aquilo que descreves ad hominem. Mas digo mais: se acertaste genericamente na vaidade da compaixão, no calculismo da modéstia e na condescendência moral que para minha desgraça me definem razoavelmente bem, já no caso particular daquele meu post aí erraste o alvo. Pois, falando do povo que ruma a Fátima, eu não estava a ser compassivo nem condescendente. Eu estava a pasmar e, sobretudo, a invejar a sinceridade duma Fé.
E isso porquê? Porque por estes dias eu receio muito mais pela sinceridade da minha Fé do que pela correcção da minha doutrina. Tu não?
Faz tempo, percebi que não tenho outro apoio senão a Fé e o senso comum. É facto que andei na Catequese e até tirei a Comunhão Solene, mas o meu conhecimento do Livro é sumário, e não quero ousar citações que se interpretam a si próprias, como diz o Nuno. Deixo a Bíblia aos meus camaradas em Cristo, que tento acompanhar, mas agarrando-me à minha quota-parte do senso comum, ou seja, da “sofrida ignorância popular”.
Assim como assim, sempre me atrevo a dar nota Tiago, da mágoa que sinto quando vocês falam de Maria, “uma gaja porreira…mas detestável"; quando definem o nosso amor por Ela como um exemplo pagão. Eu sei, ou julgo saber, que Deus não necessita de intermédios. Sei, ou julgo saber, que não há ajuda nesta Terra, ou no Céu, que possa substituir-me para eu chegar ao Pai. Mas também sei – eu e tu – que para além do dado imediato, que é a consciência humana do Amor Divino, revelado em Cristo, para além disso, quase tudo é "mito". Toda a História é feita de "mito", pois nunca a descrição, por mais honesta, será fiel à experiência vivida. E quem consegue viver na pele e no contexto daqueles que já viveram, se tantas vezes nem nós próprios da nossa vida temos consciência? No entanto, para caminhar, somos obrigados a balizar o tempo, pelos acontecimentos de referência, e por comportamentos humanos nesse fluir em que duramos. Os que designamos por Heróis, são esses os "mitos" que nos dão o Norte da vida. Na Fé, os Heróis são Santos, as vidas são exemplos. E a vida de Maria é o maior que temos, não pelo sangue, mas pela humildade, pela virtude e pelo Amor. Maria e a Santíssima Trindade mereciam mais do que a maravilha construída, muito mais do que o Luzeiro de Fé da “santa” ignorância popular anual. Merecem o amor e afecto de todos, de todos nós Católicos, Cristãos e humanos.
Quanto à obra de arquitectura, apesar de agradavelmente contra-reformadora – até um apontamento da “talha dourada” adorna aquele altar, em magistral casamento de Modernismo e Barroco com laivos de Bizâncio – digo-te que, apesar de tudo, não passa de espaço e pedra. E o templo não é apenas isso, um templo é o Espírito presente, conforme Cristo disse “Aonde se reunirem dois ou três em meu nome, aí estarei entre vós” (digo de cor, nem busco a citação, lol). E nesse domínio espiritual, não no material, é tão belo (e contra-reformador) o Templo da Santíssima Trindade, como é belo (e reformador) o Templo Baptista de S. Domingos de Benfica; decerto que o Pai se sente em casa nos dois, sem distinguir, e se o fizer preferirá a modéstia e a humildade. Como Maria, em Fátima, há noventa anos. cbs
Mail enviado ao Público, escrito numa madrugada sonolenta:
É claro que um crítico de cinema não tem de dominar todos os assuntos que os filmes abordam, em especial quando se trata de documentários. Mas, parafraseando uma frase de origem incerta, quem sabe só de cinema não sabe de cinema. Vem isto a propósito do texto de Jorge Mourinha intitulado "Campos opostos", incluído no Ípsilon de 12/10/2007, onde o mesmo fala em «na crescente influência política dos católicos evangélicos fundamentalistas». Ainda pensei que teria sido fruto de uma apressada tradução do programa ou press-release do DocLisboa. Mas, mais à frente, o crítico repete a expressão: «num retrato fiel do empenhamento activista e social do catolicismo evangélico fundamentalista». Será que Jorge Mourinha nunca ouviu falar nos cristãos evangélicos (fundamentalistas ou não), herdeiros da tradição protestante, e que tanta expressão têm nos EUA? E - pior - não tem conhecimento de uma instituição milenar chamada Igreja Católica? O que será isso de "catolicismo evangélico" e quem serão os "católicos evangélicos"? A expressão é tão rigorosa como falar-se de um muçulmano budista ou de um defesa direito no basquetebol. Carlos Cunha
Da trágica luxúria da humildade bem-pensante católica
Se o "esclarecimento" de um católico cosmopolita não lhe permite a participação plena numa devoção "grotesca" valha-lhe a vaidade da compaixão com a sofrida ignorância popular. Sai por cima a calculista modéstia de quem prefere o conforto do erro ao exame da fé. Não é preciso ser protestante para detestar Fátima. Basta não ter paciência para o paganismo e evitar o pecado da condescendência com direito a retroactivos morais.
No directo de Fátima o locutor fala do Pai Nosso, "a oração que o próprio Jesus nos deixou". Como quem diz, vejam lá que o Messias chegou mesmo a falar alguma coisita.
então niguém fala aqui em Fátima que faz amanhã 90 anos?
Pois isso parece-me mal. Por isso vou repescar material duma discussão que tive há uns anos, na leva de Maio, precisamente com o Pedro Leal:
Reparem naquela senhora de 57 anos que vem de S.Pedro do Sul. É gorda essa senhora e tem umas varizes monstruosas e uns pés disformes que lhe transbordam dos sapatos cambados. E é ignorante, coitada, nem a 4ªclasse tem. O marido morreu-lhe em França, há 15 anos, nem chegou ela a perceber de quê. Deixou-lhe apenas a casita, por acabar, a pensão que recebe, dois filhos que já se piraram e um outro que, pobrezito, fica todo o dia a babar-se numa cadeira de rodas que já nem roda. E deixou-lhe também dois sogros que já nem se levantam da cama se é que aquilo se pode chamar cama. A senhora, coitada, já nem pensa nem chora, só reza à Santíssima Nossa Senhora das Dores, amiga e protectora dos que sofrem e que a espera em Fátima neste mês que é Dela. Reza também aos beatos Francisco e Jacinta que morreram tão novinhos, coitaditos, mas foram ter com a Nossa Senhora e o Menino. E a senhora anda e anda pela estrada fora com outras senhoras iguais a ela. Anda e reza e canta ladaínhas foleiras e pueris. E tudo isto para que os dois filhos, aqueles ingratos que se foram embora, deem finalmente notícias e para que o mais novo, coitadinho, fique mais compostinho e que os outros dois tomem conta dele e dela quando tiver de ser e para que os velhotes possam depressa ir ter com Deus. E, se puder ser, para que não lhe doam tanto as pernas e que consiga finalmente a consulta no médico por causa daquela maldita dor no peito que lhe vem à noitinha. E para que vá havendo sempre pão à mesa para os quatro lá de casa. A boa senhora, desta vez, leva também uma encomenda para a Virgem Maria Auxiliadora feita pela vizinha da rua de baixo que, coitada, já nem sabe como se há-de haver com os quatro filhos, todos eles metidos naquela coisa da droga e que nem a deixam saír de casa e lhe batem e a roubam. E é por todas estas intenções que a senhora se vai para Fátima, este ano como nos anteriores, para que Nossa Senhora, que foi mãe de Deus lhe diga a Ele para a ajudar a ela que tanto precisa, e louvado seja o Senhor, nosso Pai e Filho e Espírito Santo amen.
Pois eu cá nunca fui peregrinar a Fátima. Porque a mim, Fátima nada acrescenta à minha esclarecida Fé. A mim, Fátima e o seu kitsch e os seus vendilhões de insignificâncias beatas, ofendem o meu sentido estético e a pureza da minha espiritualidade. Mas nunca me fiz à estrada sobretudo porque para mim nunca houve necessidade. Por isso não me atrevo a olhar com dureza os milhares de peregrinos que vão ali negociar Graças de Deus em troca do seu sofrimento (Pedro dixit). Toda aquela gente faz uma coisa com que não me identifico mas sobretudo uma coisa que eu não seria capaz de fazer. Aquilo é gente que sofre e que é imensamente digna no seu sofrimento em vez de ser orgulhosa, como eu o sou. A sua Fé pode ser pouco esclarecida, um pouco grotesca até, mas é uma enorme Fé no Deus em que acreditamos. E estou certo que Ele se compraz naquela gente, reconhece a sua grandeza e se apieda das suas dores. josé
(Tinha o recorte guardado, à espera de um momento apropriado)
O que lá vai, lá vai…
“Temos diversos episódios na nossa história que falam de queima pública de bíblias e sovas a pessoas que visitavam a Igreja Baptista. Houve até proibição de empregar evangélicos e os católicos eram impedidos pelo Padre de fazer compras em lojas propriedade de evangélicos.” *
“A PIDE perseguia também os membros da igreja, alguns chegaram mesmo a ser presos, principalmente pela publicação de alguma literatura que era produzida em Leiria e depois expedida para vários pontos do país e mesmo para as ilhas. Havia uma perseguição extremamente forte.”*
… mas o caminho ainda não chegou ao fim.
“Apesar da Constituição da República Portuguesa afirmar a igualdade perante o Credo, diz-nos a experiência que a Concordata vale mais que a Constituição, pois o tratamento não é o mesmo.” *
“Por exemplo, as visitas que fazemos ao hospital de Leiria são visitas normais, como se fosse um familiar ou amigo da pessoa, tenho de esperar o momento que chegue uma senha. Ao contrário o sacerdote católico, que é capelão do hospital, tem o seu próprio escritório no hospital e move-se livremente no hospital, visitando indiscriminadamente todos.” *
* Do depoimento do Pastor António Gonçalves, da Igreja Baptista de Leiria, no suplemento d’O Primeiro de Janeiro, de 26 de Maio de 2007
de ecumenismo, mas aqui o caríssimo Moisés Espírito Santo (de nome solidamente bíblico) discorda. Isto da nova igreja em Fátima insistir nessas coisas da Santíssima Trindade é tão retrógrado. E promover a devoção a Maria num dos maiores locais de peregrinação marianos é tão demodé, cá para mim devia marimbar nos milhares de fíeis que lá vão por esse motivo e chamá-los a todos ignorantes e hereges abolindo essas coisas animistas, porque o Moisés, esse grande líder de Israel, é um homem cheio do Espírito Santo e o Grande Timoneiro dos amanhãs que cantam de ecumenismo.
Entretanto os Lefébristas desesperados por pegar por algum lado, ajuízam que a estética ortodoxa é inevitavelmente cismática. Também acho, sou 100% a favor que se decore a igreja com a rica estatuária do mais fino quilate e acabamento que se vende pelas ruas de Fátima, de feições tão delicadas e que remetem de forma tão eloquente à devoção. Estimulava a economia nacional e o meu pendor iconoclasta. Talvez me passasse para protestante. Teria ganho o ecumenismo.
Agora ando sem tempo para dar uma achega às pertinentes questões que o tim levanta (e a resposta da knit não me satisfaz de todo) mas deixo-vos com um homem que embora não seja católico integrou desde cedo a necessária disposição de espírito mortificante necessária para levar a bom porto o santo matrimónio:
onde é que a Igreja se pode meter? orientando a liberdade
Diz o Samuel num comentário aí atrás:
"muito mais imoral é o facto de a igreja (qualquer uma) continuar a arrogar-se o direito de se meter na vida privada das pessoas, que diga-se de passagem, vão ouvindo com muita atenção e depois fazem rigorosamente o que lhes apetece".
este excerto contém duas passagens importantes
a primeira: "muito mais imoral é o facto de a igreja (qualquer uma) continuar a arrogar-se o direito de se meter na vida privada das pessoas"
Estava habituado à versão restritiva laica nos termos da qual a religião era do domínio privado de cada um e não devia interferir na esfera pública. Fico agora surpreendido por verificar que a igreja também não se deve meter na esfera privada.
a segunda "pessoas, que diga-se de passagem, vão ouvindo com muita atenção e depois fazem rigorosamente o que lhes apetece"
é verdade, a Igreja Católica defende esta posição.
O ecumenismo é mau porque ao que o Espírito Santo quer sobrepõe uma vontade humana prévia de comunhão. A interconfessionalidade (ou o Ecumenismo da Porrada que este blogue promove) é boa porque junta cristãos sem os empurrar para concórdias e volta e meia a comunhão acontece mesmo. E é o Espírito que a possibilita, não nenhuma agenda ideológica. Um abraço aos católicos desta praça que estiveram comigo no Sábado passado.
Hoje, numa igreja, vejo anunciada uma "conferência para casais católicos".
O tema: como conseguir uma taxa de eficácia contraceptiva através do "método natural" igual à taxa de eficácia da pílula contraceptiva. Seguia-se o nome de distintos médicos ginecologistas católicos que iam ensinar a matéria aos crentes desejosos de "contracepcionar sem pecar".
Não sei qual é a opinião dos distintos colegas protestantes deste blogue sobre matérias tão esotéricas.
Mas, quando vi o dito anúncio, lembrei-me de um post que o Antonius escreveu aqui há uns dias, relativamente ao qual, na altura, por entender que havia outras prioridades mais importantes, não reagi.
Mas não foi só por isso que não reagi a esses temas que ele propôs. É também porque esses "temas fracturantes" são muito difíceis. Prefiro, por isso, começar com um "tema fracturante" bem mais fácil (para mim) e, relativamente ao qual, já tenho algumas ideias relativamente formadas (contrariamente aos temas propostos pelo Antonius no referido post).
Passo a avançá-las. A pílula simplesmente contraceptiva (isto é, não estou a falar da abortiva) ou o preservativo ou o método natural são, de um ponto de vista moral, absolutamente idênticos (tenho reservas quanto à pílula, mas simplesmente por razões de saúde - física, mas também, e sobretudo, psíquica - do consumidor).
De um ponto de vista moral, o que pode ou não ser um pecado é querer ter relações sexuais sem querer ter filhos. Agora não compreendo como pode ser um pecado utlizar uma tecnologia em vez de utilizar uma outra.
elogio da tonsura ou a realpolitik ao serviço de Deus (1)
Na muito interessante discussão que está a acontecer aqui em baixo surgiu, pela voz habitual do Pedro Leal, a alusão a um tema que lhe é muito caro a ele e a muitos protestantes: a separação entre Igreja e Estado. O Antonius, o Nuno, deram umas achegas importantes e para mim originais mas eu queria também acrescentar umas coisas minhas. Como em tudo o resto, nós Cristãos procuramos perceber e sobretudo julgar a nossa Igreja pelo «bias» da escala de tempo humana. Quero eu dizer que nos preocupa aquilo que vemos acontecer no nosso tempo de vida: desde os antepassados que ainda chegámos a conhecer até, no máximo, aos nossos bisnetos. Acontece que a Igreja, no seu sentido mais lato, não funciona, não pensa, não decide, não age senão numa escala de tempo antropológica, para não dizer geológica. Convém nunca esquecer que à Igreja foi prometida a eternidade, nem mais nem menos. E por isso a sua perenidade é talvez a sua maior e mais tremenda obrigação perante Deus e perante a Humanidade. Digo Humanidade e não homens individuais.
Quem se interessa um pouco pelas organizações humanas perceberá aquilo que eu quero dizer: a obrigação de perenidade para uma organização é um desafio tremendo, impossível, pois elas são consubstanciais ao Homem e padecem de toda a nossa finitude. É por isso que não é nada estúpido aquele argumento, tão criticado, de que a misteriosa longevidade da Igreja Católica é mais um argumento de prova da Religião Cristã. Todos os cristão lhe deveriam estar gratos por isso e, a mim, é algo que consola a minha fé. A Igreja, que surgiu na História depois de incontáveis milhões de homens que morreram antes da vinda de Cristo, tem que se preocupar com todos os incontáveis milhões que vieram e virão depois. Com todos eles, mais do que com cada um deles. Por isso para a Igreja um período negro de praí 400 anos pode ter sido chato mas de forma nenhuma foi irremediável. E mais ainda: pode ter sido necessário.
O Antonius fala aí em baixo dum tema que muito me interessou há uns anos: a emergência e brutal repressão da heresia cátara e que vem bem a propósito. O catarismo, herdeiro do maniqueísmo e do gnosticismo cristão, surgiu e prosperou em terras da Occitânia como reacção contra os feíssimos pecados do clero católico e como afirmação de identidade nacional contra o emergente hegemonismo francês. E aqui, como em tantos outros casos, a Igreja e o Estado, nas pessoas do Papa Honório II e o rei Filipe Augusto de França, vendo aquele um mortal perigo para o Catolicismo e este uma oportunidade única de restaurar e desfeudalizar o reino de França, aliaram-se os dois numa brutal cruzada contra os cátaros (em que um santo varão terá dito este naco de piedade cristã: «matem-nos a todos, Deus saberá distinguir os seus») e lá deram cabo daqueles pobres diabos. Foi horrível, foi uma nódoa indelével na autoridade moral da Igreja cuja cicatriz ainda dói, foi sim senhor, é um daqueles erros de que a Igreja de hoje se vem penitenciando tão justamente. Mas o facto é que o lamentável estado em que a Igreja tinha na altura caído, tornava altamente provável que uma seita como os cátaros com os seu sacerdotes puríssimos chamados perfeitos, com o seu rito do consolamentum para todos, teve nesse tempo fortíssimas hipóteses de varrer o Cristianismo daquela zona da Europa. E se atentarmos melhor para a sua doutrina ou aquilo que dela se sabe, vê-se a perigosíssima e insidiosíssima ameaça que ela constituía para a integridade da mensagem de Cristo, a ponto de que se tivesse vingadotalvez hoje já não houvesse Cristianismo. Mas quem tinha autoridade na Terra para decidir isto? É o que se vem discutindo. E foi bem decidido? A minha opinião, do confortável lugar em que me sento e na estrita perspectiva em que estou a falar, é que sim senhor foi bem decidido. Sobretudo considerando que a Igreja Católica, tendo percebido a degradação doutrinal e ética em que tinha caído, se reinventou. As ordens mendicantes e pregadoras de que o Antonius falou são bom exemplo disso. Bom, isto está a ficar grande e ainda não disse tudo. Resumamos pois: eis aí em cima um belo exemplo de cumplicidade entre a Igreja e o Estado, misturando-se os pios propósitos com os frios cálculos políticos, num genocídio horrendo. Não tenho dúvidas de que os papas e reis, os monges e soldados que nele participaram, ardem hoje no fogo que não se extingue. Mas nessa ocasião lixada, como em muitas outras, a perenidade da Igreja foi assegurada. Por isso, meus irmãos em Cristo, não digam tanto mal desses clérigos tenebrosos, desses papas venais. Eles condenaram-se a eles próprios em prol da nossa salvação! Podem começar já a chamar-me nomes mas, pelo menos, vão antes à wikipedia. E fiquem sabendo que voltarei ao assunto. Até logo.
O Timóteo Cavaco (ex-blogger deste estabelecimento e Secretário-Geral da Sociedade Bíblica de Portugal) e o Pedro Mexia (poeta, blogger e melhor intelectual da nossa geração) vão falar sobre a Providência na Igreja Baptista de S. Domingos de Benfica (à entrada do Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa) às 19h. São todos bem-vindos. É uma espécie de Trento na Língua live.
'Há anos atrás chamavam-me profeta. E eu dizia: 'Não, não sou profeta algum', e eles: 'És, sim, és um profeta'. (...) Costumavam a convencer-me de que eu era um profeta. Mas agora, apareço-lhes, e digo: 'Jesus Cristo é a Resposta'. E eles: 'Bob Dylan não é nenhum profeta'.
Hoje, julgo eu, todos os que escrevem neste blog concordam com o Bispo Manuel Clemente. Mas há quatro séculos não era bem assim. Os baptistas, entre outros, já sustentavam a actual posição, mas a Igreja de Roma proclamava o contrário do que hoje defende. Cabe então perguntar: quem agia correctamente no século XVII? O baptista que, do estudo da Bíblia, declarava a doutrina da separação entre as igrejas e o Estado ou o católico que delegava a decisão na hierarquia da sua igreja?