quinta-feira, outubro 25, 2007
Heranças I
Quando me perguntavas há tempos Tiago se tinha antecedentes religiosos na família e te respondi negativamente, não fui totalmente honesto. É certo que nenhum dos meus pais é um fervoroso cristão (um é ateu, outro redescobriu o catolicismo há pouco tempo) mas o meu avô materno era um católico engagé e "esclarecido", da Acção Católica, signatário da carta do bispo do Porto a Salazar. Proveniente de meios rurais miseráveis, licenciou-se em Clássicas em Coimbra à custa das explicações que ministrava, restando dessa mescla de origens improvável uma praxis patriarcal em tudo o que era mais íntimo e familiar mas uma visão e discurso do mais "avançado" progressismo católico, cheio de erudição e ideias modernas. Serve este historial para quê? Bom, tendo ele morrido há uns meses procedeu-se à devida divisão dos despojos, dos quais um subtancial quinhão da sua biblioteca foi parar aqui ao vosso amigo. Entre preciosidades em russo, grego ou latim encontrava-se uma vasta colecção dos clássicos franceses e particularmente, as obras mais que completas de um escritor que ele sempre teve na mais alta estima.

Georges Bernanos

Filho dilecto da Igreja francesa, veterano da I Guerra Mundial (na frente da Flandres onde a carnificina foi monstruosa), monárquico e católico conservador mas forte opositor dos regimes ditactoriais que assolaram a Europa (incluindo o regime de Vichy) tendo por isso sido obrigado ao exílio na América do Sul (sendo mais tarde convidado por De Gaulle a regressar), poucos homens teriam uma visão mais desassombrada da Igreja que este jornalista/escritor gaulês. O seu opus magnum o Journal d'un Curé de Campaigne é um tratado sobre a vivência mais profunda da Igreja rural, de uma imensa humanidade, de uma humanidade tíbia e cheia de ennui, que por isso mesmo necessita de Cristo. Escreve este grande autor numa das suas cartas:

Antonius Block
posted by @ 1:14 da tarde  
9 Comments:
  • At 25 de outubro de 2007 às 17:00, Blogger josé said…

    Antonius, se é nossa obrigação conhecer esse grande Bernanos, já nem todos lhe conhecem a fronha. Mete-lhe aí uma referência debaixo da fotografia.
    O texto que meteste a seguir é absolutamente fantástico e muito adequado aos nossos irmãos transviados. Ser francófono é um dos meus defeitos que mais me chateia pois decorre da minha provecta idade. Hoje não tenho tempo mas, se achares bem, amanhã ao fim da tarde posso traduzir os trechos mais sumarentos.
    Já agora, de onde é que o tiraste?

     
  • At 25 de outubro de 2007 às 17:55, Blogger cbs said…

    e já agora também merecia um link como por exemplo este http://www.evene.fr/celebre/biographie/georges-bernanos-357.php

     
  • At 25 de outubro de 2007 às 18:02, Blogger Luís Sá said…

    will do.

    O texto é retirado do "Bernanos par lui-même" de um tal Albert Béguin da colecção "Écrivains de Toujours" das Éditions du Seuil (1954). Era uma colecção que pretendia reconstituir a vida de diversos autores com base apenas nos escritos deixados. Tem portanto uma dose abundante de textos epistolares e coisas quejandas. Aquele é apenas mais um, escrito no Brasil enquanto do exílio.

     
  • At 25 de outubro de 2007 às 18:07, Blogger Luís Sá said…

    "quando do seu exílio" estará mais correcto :x

     
  • At 25 de outubro de 2007 às 18:26, Blogger Luís Sá said…

    quanto à tua francofilia josé, parece-me ser uma das maiores falhas na cultura do nosso tempo o quase esquecimento a que foram votados os grandes autores franceses (então no catolicismo não há mesmo hipótese... um Chesterton, um Newman ou um Rahner são bons mas não se comparam à vivência mais profunda, mais popular, mais visceral de uma França que foi durante muito tempo o bastião do catolicismo "esclarecido").

    Mesmo na literatura ou na filosfia(e na ciência também) existe actualmente uma enorme displicência para com os franceses. Na literatura isso é sobejamente conhecido, na filosofia menos mas um Bergson toda a gente conhece (como confirmaria ali o nosso cbs), mas na ciência chega a níveis absurdos de lugar-comum. Põe-se os alemães nos píncaros da ciência, quando os franceses estiveram na vanguarda da ciência moderna em todos os domínios (veja-se Poincaré, Carnot, Becquerel, Cauchy, Ampère, Poisson, Gay-Lussac...).

    Não sou anglofilo nem francofilo. Acho ambas as tendências absurdas nos dias de hoje, se é que alguma vez fizeram sentido. Quanto muito sou lusofilo :P

     
  • At 25 de outubro de 2007 às 18:33, Blogger Luís Sá said…

    Mas lembrar o que os franceses fizeram estraga o esquema a muito anglo-saxónico, e sobretudo estraga aquela ideia muito querida aos nossos amigos evangélicos de que os protestantes dão supostamente nações mais evoluídas ou mais "cientifícas"... É que nem sequer na Alemanha isso é verdade, onde a região mais desenvolvida é de maioria católica (para não falar da áustria e da itália). Os suecos e finlandeses andavam a plantar couves há 100 anos atrás Bom mas isto é outra história e pouco interesse tem para um diálogo de jeito entre confissões.

     
  • At 25 de outubro de 2007 às 18:40, Blogger josé said…

    atenção que eu sou francófono e de maneira nenhuma francófilo. eu aprendi a odiar os gajos na sua prória língua...;

     
  • At 25 de outubro de 2007 às 18:43, Blogger Luís Sá said…

    ah tresli!

    Bahh!

     
  • At 25 de outubro de 2007 às 19:58, Blogger cbs said…

    Agradeço-te as tuas palavras Antonius.
    Não me considero "ófilo" de coisa nenhuma, mas tenho uma enorme admiração pela França e a sorte de a poder ler.
    Lamento o mesmo não se passar com o alemão (ler, porque respeito também a cultura alemã) pois creio que à semelhança da França, seria um mundo novo que se me abriria.

    Mas para ser sincero, sempre me pareceu exagerada a importancia dada à filosofia alemã, contrastando com algum menosprezo pela francesa.

    Depois há a politica (nunca saio daqui meus caros :) e aí a França gerou tudo, o melhor e o pior, incluindo os extremos mais assustadores; desde o terror jacobino numa ponta à "France Blanche" na outra, esta ligada ao Catolicismo ultra-conservador.
    Um dia antigo em Notre Dame, creio que no fim da tarde, tive umemrgulho em algo não dá para esquecer. A missa em latim, a gente velha, assistindo, e por fim uma mulher vestida de branco (lembrava o culto de jeune d'Arc) arengando uma palestra ultra reaccionária sobre as "gloires de la France etérnel".
    Não esperava e impressionou.
    Há quem diga que o fascismo nasceu por ali, com Maurras, muito antes da Italia ver o ver marchar sobre Roma; e Vichy não desmentiu a hipótese.

     
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