sexta-feira, outubro 19, 2007
a rush and a push and the land that we stand on is ours
«Deus disse: "Eu vos dou todas as ervas que dão semente, que estão sobre toda a superfície da terra, e todas as árvores que dão frutos que dão semente: isso será o vosso alimento"» (Génesis 1, 29).

1. Anteontem, no seguimento de uma conversa político-etílico-filosófica, surgiu em mesa trentina a idosa questão da colectivização dos bens de produção. Eu, conservador de esquerda (uma espécie de neo-estalinista), defendo ainda que, sem prejuízo de uma regulamentação de ordem prática em relação a alguns bens privados, a maioria dos bens de produção que permitem a criação de riqueza (como se diz agora) deve ser pertença de todos. Em particular os recursos naturais. Os bens de produção - materiais ou imateriais - deveriam ao serviço da comunidade, através das instituições colectivas - o Estado. Por uma razão bíblica: quando Deus criou a Terra, a terra nela presente, com todos os seus recursos, atribuiu a sua gestão a todo o género humano, para sua guarda e usufruto.
O mesmo se diga caso se queira prescindir da hipótese de Deus. Originalmente, num tempo remoto e comum, não havia propriedade privada. Mesmo o conceito mental era estranho aos nossos antepassados. Se nos reportarmos a um qualquer tempo inicial, encontraremos a repartição da propriedade comum como uma ruptura violenta no modelo comunitário de uso e partilha da terra.

2. O Catecismo da Igreja Católica (certamente também considerado por muitos como mais uma obra ideológica ultrapassada, que não se compadece com os tempos modernos, uma manifestação do desajuste da Igreja à contemporaneidade) refere expressamente que o direito à propriedade privada não vem abolir a doação original da Terra ao conjunto da humanidade (2402-6). E a Constituição Gaudium et Spes recorda que «Deus destinou a terra com tudo o que ela contém para uso de todos os homens e povos; de modo que os bens criados devem chegar equitativamente às mãos de todos, segundo a justiça, secundada pela caridade» e adverte que «quem usa desses bens não deve considerar as coisas exteriores, que legitimamente possui, só como próprias, mas também comuns, no sentido que possam beneficiar não só a si mas também aos outros» (69 § 1).

3. Pergunto-me muitas vezes, qual conservador do registo histórico predial, onde nos levaria a pesquisa do trato sucessivo de um pedaço de terra que hoje serve para suporte à reserva ecológica nacional, para cultivo na agricultura mais pobre da Europa, ou se destina ao loteamento e à construção de um empreendimento em condomínio fechado, consoante a arbitrária vontade dos desenhadores de planos municipais.
E por que estranha razão admitimos sem pensar (nem pestanejar) que um filho de um proprietário nasce proprietário e um filho de um pobre nasce pobre? Eu sei que, como dizem os liberais (ricos), a pobreza é um conceito relativo. Mas se somos todos iguais, se nos reconhecemos todos irmãos, porque filhos do mesmo Pai, por que motivo subvertemos a herança que era de todos? Quem mexeu no nosso queijo?

Carlos Cunha
posted by @ 12:07 da manhã  
1 Comments:
  • At 19 de outubro de 2007 às 12:57, Blogger cbs said…

    "a idosa questão da colectivização dos bens de produção"

    Carlos, um belo texto.
    Com o enjoo que o capitalismo à solta (desde o fim da ameaça comunista) me anda a dar, e se eu não tivesse visto as experiencias do século passado, creio que te daria alguma razão.

    Mas, mesmo assim,fico-me na minha:
    a) A famigerada "colectivização" dos meios de produção é a forma mais rápida de os entregar a um punhado de habilidosos, vide qualquer país virado comunista.
    b)O verdadeiro problema social da economia está na redistribuição da riqueza produzida
    b)A produção de riqueza (e sem produção não há nada para distribuir)desenvolve-se muito melhor competição; os bichos humanos movem-se muiot mais por si mesmos do que pelos próximos. É um dado...

    Nada disto contradiz o princípio cristão do "Bem Comum" e a necessidade de existir uma função social nos individuos, nas empresas e no sistema económico. No fim das contas o bem de todos é a finalidade ultima de qualquer sociedade.

    Isto é tudo bastante "lapaliciano", como sabes, mas talvez explique porque é que divergindo, também nos aproximamos...

     
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