Quando o Saber se tornou Física (Descartes, 1637), mecanicista, aqueles que afastam a evidencia Transcendental, pensaram no homem como máquina. Quando, em seguida, o Saber se tornou Bios (Claude Bernard, 1870), orgânico, adquirindo células, bactérias, aqueles que afastam a evidencia, tornaram o homem num monte de tecido animado. Agora, na era da Informação, o humano passou a “software”, um mero código genético. O Saber vai mudando de opinião, mas os sábios da Razão (os cientistas) continuam sempre a ter credibilidade.
Credibilidade que, muitas vezes, não é dada aos sábios da Intuição (os profetas). Porquê? Henri Bergson dizia: “Se alguns homens acreditarem tê-Lo descoberto, dirão a outros homens; e estes irão escutá-los, como escutaram Stanley ou Livingstone, descreverem as longínquas nascentes de um rio (o Nilo) que ninguém vira, no lado de lá do equador.” Deus, se existe, não tem que ser provado, tem que ser descoberto. cbs
Antes de me dedicar a rebater o Nuno como prometido com todo o ardor que a sua argumentação merece (e não me esqueço que tal promessa remonta à questão dos santos), confesso que ando ultimamente pouco atreito a discussões doutrinais. Deve ser do São João da Cruz. Ou isso, ou a minha indigência intelectual é maior do que eu suspeito e não tenho a hombridade de o assumir. De qualquer forma, deixo-vos o excerto de uma carta de uma escritora católica inserida no mais protestante dos meios, o da América profunda. Cada vez me parece mais que a Verdade está mais na Literatura e pouco nas minhas tíbias apologias doutrinais, talvez pelo apelo telúrico às emoções que esta contém, e que a verdadeira religião também.
I was once, five or six years ago, taken by some friends to have dinner with Mary McCarthy and her husband, Mr. Broadwater. (She just wrote that book, "A Charmed Life.") She departed the Church at the age of 15 and is a Big Intellectual. We went at eight and at one, I hadn't opened my mouth once, there being nothing for me in such company to say. . . . Having me there was like having a dog present who had been trained to say a few words but overcome with inadequacy had forgotten them.
Well, toward morning the conversation turned on the Eucharist, which I, being the Catholic, was obviously supposed to defend. Mrs. Broadwater said when she was a child and received the host, she thought of it as the Holy Ghost, He being the most portable person of the Trinity; now she thought of it as a symbol and implied that it was a pretty good one. I then said, in a very shaky voice, Well, if it's a symbol, to hell with it.
That was all the defense I was capable of but I realize now that this is all I will ever be able to say about it, outside of a story, except that it is the center of existence for me; all the rest of life is expendable.
Na minha carne sinto a presença, fugidia mas plena, de um “nada” que absurdamente existe.
Quando quero dizê-lo, prende-se-me na garganta, quando tento focá-lo, esbate-se;
Mas se me abstenho, se abro a alma, esse “absurdo” transcendente invade como um dado imediato da consciência.
É preciso nada querer para poder “crer”.
Posso enganar-me, claro que posso…
E como sustentar a negação da transcendência?
Como Russell, racionalizando aquilo que é irracional?
Ele próprio dizia que a ideia de existir um princípio do tempo é irracional.
“There is no reason to suppose that the world had a beginning at all” afirmou Russell naquele dia de Março em Battersea.
Em 1927 a ideia de um começo era irracional, mas em 2007 já poucos duvidam do “início do Tempo” (de “um” tempo, pelo menos).
Só uma posição agnóstica (não negacionista), parece racionalmente sustentável.
Afirmar-se-á “ateu” quem se obrigou a uma reflexão profunda sobre Deus – reflexão que é prenhe de religiosidade – e de seguida escolheu afastar-se.
Senão é-se tão ingénuo quanto um fanatismo “beato”.
Não quero convencer nem enganar ninguém, e muito menos a mim mesmo, mas se algo me entra pelos olhos da alma dentro, porquê negá-lo?
cbs
PS: esta confissão pode ser extemporânea num blog onde todos já passaram deste ponto. Mas é assim que falo com um ateu. E foi, de facto, o meu ponto de partida para a Fé.
God almighty, I´m free at last! (although men try to enslave me)
O grito que ressoa por todo o canon Bíblico é: Sejam livres!
Ser livres do espírito da época, ser livre do egoísmo, ser livre para poder compreender o outro! Não concebo um Deus que nos insta a que sejamos livres para depois nos aprisionar à sua vontade.
A criação dá ao homem o sopro de liberdade de ser a imagem de Deus. A um bando de escravos no Egipto, Deus propõe uma sociedade radicalmente distinta: uma sociedade onde a divindade não subjuga e amedronta, onde não pede sacrifícios apaziguadores dos maus fígados divinos. Yhvh é o Deus que proíbe a usura, a escravidão por toda a vida e que devolve a cada homem, rico ou pobre a dignidade.
Yhvh é o Deus que perdoa ao povo e o traz do exílio, a única coisa que pede é que o escutem, que entrem numa relação de intimidade afectiva com ele e que vivam uma vida de justiça social.
Tendencialmente o espírito humano faz do canon bíblico uma amálgama de regras, um acervo de narrativas punitivas e discursos de maldição - É mais seguro legislações e casuística do que o desassossego da liberdade. Deus oferece-nos asas para voarmos, mas o homem desde sempre quer escravizar o outro homem, que seja fisicamente, quer instruindo-o para que ele não se sinta livre.
O canon não é um amontoado de dogmas, mas sim de narrativas do devenir natural da vida da humanidade, na qual e através da qual Deus se revela.
Jesus veio pregar a liberdade do homem frente a hermenêuticas castrantes do canon. “A lei foi feita para o homem e não o homem para a lei!” Jesus veio proclamar que o Reino de Deus é um reino de liberdade, alegria, justiça e paz. Paulo anuncia que já não há mais diferença entre escravo ou livre, entre judeu e grego, entre homem e mulher.
A mensagem do evangelho é aceitar, escolher, decidir. Só mais tarde a instituição igreja, achou por bem aprisionar o homem às suas leis e opiniões. Ter uma igreja de carneirada acéfala e determinista é muito mais fácil do que ter uma igreja de genter forte, independente e criadora.
Beguina
P. S. sei que devo algumas "cândidas e inocentes" respostas aos meus confrades, mas o tempo foge, sorry.
Porque não só de neocons vivem os EUA (força para a greve de amanhã!)
Música: Woody Guthrie - Jesus Christ
Letra
Jesus Christ was a man that traveled through the land Hard-working man and brave He said to the rich, "Give your goods to the poor," So they laid Jesus Christ in His grave
Yes Jesus was a man, a carpenter by hand His followers true and brave One dirty coward called Judas Iscariot Has laid poor Jesus in His Grave
He went to the preacher, He went to the sheriff Told them all the same "Sell all of your jewelry and give it to the poor," So they laid Jesus Christ in His grave.
When Jesus come to town, the working folks around Believed what he did say The bankers and the preachers, they nailed Him on the cross, And they laid Jesus Christ in his grave.
Now the working people followed him around Singing and shouted gay, But the cops and soldiers nailed Him in the air, And they lay Jesus Christ in his grave.
Well the people held their breath when they heard about his death Everybody wondered why It was the landlord and the soldiers that he hired That nailed Jesus Christ in the sky.
This song was written in New York City Of rich men and preachers and and slave If Jesus was to preach what He preached in Galilee, They would lay Jesus Christ in His grave.
Foto:Woody Guthrie com a sua famosa guitarra, em cujo autocolante se pode ler "This Machine Kills Fascists"
A greve é moralmente legítima quando se apresenta como recurso inevitável, senão mesmo necessário, em vista dum benefício proporcionado (Catecismo da Igreja Católica, nº 2435).
Olvido de lo criado, memoria del Criador, atención a lo interior y estarse amando al Amado.
San Juan de la Cruz
Escrito cerca de 20 anos depois da última sessão do Concílio de Trento, por um católico nascido três anos antes da sua 1º sessão em 1545. Com grande probabilidade, desconhecia de todo a realidade protestante.
1. O trabalho é um castigo, uma pena infligida ao Homem como consequência da quebra da aliança original com Deus: «Deus disse ao homem: Já que deste ouvidos à tua mulher e comeste da árvore cujo fruto Eu te tinha proibido comer, maldita seja a terra por tua causa. Enquanto viveres, dela te alimentarás com fadiga. A terra produzir-te-á espinhos e ervas daninhas, e comerás a erva dos campos. Comerás o teu pão com o suor do teu rosto, até que voltes para a terra, pois dela foste tirado. Tu és pó, e ao pó voltarás» (Génesis 3:17-19).
A doutrina cristã sobre esta ferida aberta na condição humana coloca o acento tónico na ética do trabalho, no bonum arduum que exprime e aumenta a dignidade do homem e que «faculta ao homem tornar-se bom como homem» (S. Tomás de Aquino, Summa Theologica) .
João Paulo II, no que parece ser uma irónica apreciação sobre esta realidade, foi ainda mais longe: «no trabalho humano, o cristão encontra uma pequena parcela da cruz de Cristo e aceita-a com o mesmo espírito de redenção com que Cristo aceitou por nós a Sua Cruz». E mais: «suportando o que há de penoso no trabalho em união com Cristo crucificado por nós, o homem colabora, de algum modo, com o Filho de Deus na redenção da humanidade» (Laborem Exercens, 27).
Nesta Encíclica a Igreja alerta contra aqueles que usam o trabalho contra o homem ("o trabalho liberta", lia-se à entrada do campo de concentração nazi de Auschwitz), mesmo se sob a capa moderna da separação e contraposição entre o capital e o trabalho, tratando-as como duas realidades distintas, tão do agrado do pensamento neo-liberal, a que João Paulo II apelidou de "economicismo" (Laborem Exercens, 13).
2. Em rigor, é aqui que se deve recentrar a questão do trabalho: nas vítimas da coerção social que representa o moderno sistema de produção de bens e venda de serviços. Com a excepção das actividades ligadas à criação, da produção artística, literária, de reflexão, etc., e eventualmente alguma actividade científica, a grande parte do trabalho da maior parte dos assalariados consiste no desempenho de tarefas monótonas e desinteressantes, separadas da vida, das relações sociais, culturais, religiosas, culturais que cada um de nós optaria em viver fora do contexto laboral.
Recorde-se que o vocábulo latino laborare significa qualquer coisa como "cambalear sob uma carga pesada" e, regra geral, referia-se ao trabalho escravo. A palavra trabalho deriva também do latim tripalium, que designa um jugo utilizado para torturar e castigar escravos. Etimologicamente refere-se à actividade daqueles que perderam a liberdade. Em suma, trabalhar é um sinónimo de um tormento social infeliz.
Como forma de encobrir esta evidência, muitos autores e responsáveis pela gestão dos "recursos humanos" (e esta expressão já é reveladora da ideologia subjacente) dedicam-se ao estudo minucioso dos factores de motivação, da simulação de competências, da promoção de sentidos vários para o conteúdo dos trabalhos. Para tal, socorrem-se de todas as pequenas misérias humanas, às quais somos sensíveis: o dinheiro, a segurança, o prestígio, a afectividade, a “realização”, enfim, toda uma panóplia de coisas e sentimentos que visam melhorar a auto-estima de cada um. Basta ler o execrável best-seller de Spencer Johnson, «Quem mexeu no meu queijo?», para o perceber.
3. Mas, com a anunciada crise do trabalho, como consequência do economicismo de que falava João Paulo II – e que se traduz no desemprego duradouro de cada vez mais indivíduos, face ao cada vez mais reduzido número de trabalhadores necessários para executar as mesmas actividades nas empresas, a par do constante desenvolvimento tecnológico, do abandono de terrenos de cultivo e unidades industriais e do crescente aumento dos excluídos do sistema capitalista de produção económica – como superar a maldição de Deus sobre a fadiga em que o trabalho se traduz?
É que o dogma sacrificial do trabalho, como princípio social, de participação na construção colectiva da sociedade, ou a idolatria do trabalho tão do agrado dos capitalistas e seus servos, bem como dos sindicalistas tradicionais, ou mesmo a santidade do trabalho enquanto colaboração na redenção da humanidade, como o apresenta a Igreja, vê corrompido o seu objecto. A antiga condenação do homem ao trabalho penoso perde o seu significado, em função das transformações sociais e políticas à escala global. Hoje, como se lê no «Manifesto Contra o Trabalho», do Grupo Krisis (Ed. Antígona), o «comerás o teu pão com o suor do teu rosto» transfigura-se num «não comerás, porque o teu suor é supérfluo e invendável».
4. E eis que nos chegam os libertadores. A corja de mercadores de grandes superfícies quer libertar-nos dessa opressão que é o facto de não podermos exercer o nosso primordial direito fundamental de consumir mercearias nos seus armazéns aos domingos à tarde.
O antiquado conceito de que "a minha liberdade acaba onde começa a liberdade dos outros" (noção errónea, porquanto as liberdades ampliam-se mutuamente, em vez de se restringirem; pensemos na liberdade de associação ou de reunião, por exemplo; podem é colidir com outros direitos, mas isso é outra conversa) tem aqui a sua expressão mais dialética possível: lá se vai a liberdade de descanso dos técnicos de leitura do código de barras e dos responsáveis pela recolha pecuniária. Vão continuar a ser pagos principescamente (ou até melhor, uma vez que os príncipes não têm salário) e ter a honra de contribuir para o bem comum desta raça preguiçosa e egoísta em que Portugal se transformou.
Eu já fiz a minha parte. Fui ao site dos libertadores, assinei "Vão roubar para a estrada" e digitei um número qualquer com sete algarismos.
O que têm em comum os neoliberais de esquerda e de direita?
A aversão a Chavez que é simplesmente uma aversão à moral.
Reparem bem neste post do Daniel Oliveira. O que o chateia não é que a tal televisão tenha sido fechada pelo Chavez (a tal televisão promoveu um golpe de Estado contra o Presidente democráticamente eleito de um país democrático o que daria direito em qualquer país democrático a uma sanção penal e não apenas ao não renovamento de uma licença de emissão).
Se lermos bem o post, o que realmente chateia o Daniel Oliveira é que a televisão tenha sido encerrada devido ao seu conteúdo imoral. Quais serão os seus limites (se é que os há) para os conteúdos televisivos em sinal aberto?
E ainda por cima sei muito poucas coisas sobre a minha fé. Desculpem-me portanto os amigos católicos (sobretudo) e protestantes por vir aqui expôr a minha ignorância. Mas peço-lhes que tenham caridade pois essas perguntas visam ao aprofundamento da minha fé.
A Worldwide Church of God foi fundada em Jerusalém a 33 dC. Era a Igreja Eleita, a Esposa de Cristo, a única via para a salvação. Era homogénea e unida. Pedia obras para a salvação.
Até que aprendeu a doutrina da Graça Divina. E, de repente, tudo o resto se mostrou falso.
For Spurgeon's a Jolly Good Fellow And Arminius Can't Deny.
Charles Spurgeon, pregador baptista dum fervor romântico mas duma reverência realista, logrou uma síntese notável das doutrinas da predestinação e da graça soberana. Irmãos evangélicos e católicos, arminianos e calvinistas, considerem o seu testemunho salino, temperado ao ponto de fazer sede de Palavra:
'Sometimes, when I see some of the worst characters in the street, I feel as if my heart must burst forth in tears of gratitude that God has never let me act as they have done!'
'I suppose there are some persons whose minds naturally incline towards the doctrine of free-will. I can only say that mine inclines as naturally towards the doctrines of sovereign grace'.
'The thought struck me: How did you come to be a Christian? I sought the Lord. But how did you come to seek the Lord? The truth flashed across my mind in a moment -- I should not have sought Him, unless there had been some previous influence in my mind to make me seek him. I prayed, thought I, but then I asked myself, How came I to pray? I was induced to pray by reading the Scriptures. How came I to read the Scriptures? I did read them, but what led me to do so? Then, in a moment, I saw that God was at the bottom of it all, and that He was the Author of my faith, and the whole doctrine of grace opened up to me'.
'All the purposes of man have been defeated, but not the purposes of God. The promises of man may have been broken (...) but the promises of God shall all be fulfilled'.
Nuno Fonseca
'Todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo' (Act2:21)' 'A salvação vem do Senhor (Sal3:8)'.
Dogville II... acerca da Graça (Grace), do perdão, da justiça, do amor, da fé, das circunstâncias, da utopia e sei lá mais o quê...
No seguimento do Carlos, ficam os últimos pensamentos da Grace (de Dogville):
"Grace olhou para as amoreiras, tão frágeis na macia escuridão; era bom saber que se não fossem maltratadas estariam ali como sempre na primavera, e carregadas no verão com a incompreensível quantidade de amoras que tornam tão deliciosas as tartes, especialmente com canela. Grace olhou as expressões assustadas que seguiam atrás das vidraças cada gesto dela, e sentiu vergonha por ser parte do que lhes infligia medo. Como os odiar pelo que, no fundo, era a fraqueza deles? Teria provavelmente feito o mesmo que lhe havia sido infligido se vivesse numa daquelas casas. E medindo-os pelos seus próprios padrões, como a acusava o pai. Falando francamente, não teria ela feito o mesmo que Chuck e Vera e Ben e Mrs. Henson… e Tom, e todas as demais pessoas?
Grace deteve-se.
E nesse instante as nuvens dispersaram-se, deixando passar o luar. E Dogville sofreu outra das subtis alterações de luminosidade. Foi como se a luz, até ali tão piedosa e ténue, recusasse continuar e encobrir mais a aldeia. Subitamente já não se conseguia imaginar que amoras reaparecessem nos arbustos; apenas se via os espinhos que lá se encontravam agora. A luz agora iluminava cada falha e defeito das casas. E daquela gente! E, de repente, soube qual era a resposta à dúvida dela. Se tivesse agido como eles não encontraria uma só desculpa para os seus actos e não haveria castigo que os punisse. E foi como se a dor dela se tivesse reencontrado.
Não, não havia desculpa para o que tinham feito. E se alguém tinha o poder para os corrigir tinha o dever de o fazer, a bem das outras aldeias, a bem de toda a humanidade. E não em menor grau a bem do ser humano que era ela, Grace."
[Tom offers a piece of bread to Grace] Tom: You want to eat? You must be hungry. Grace: I can't. I don't deserve that bread. I stole that bone. I've never stolen anything before. So now, now I have to punish myself. I was raised to be arrogant. So, I... I had to teach myself these things.
A propósito da Graça, como dádiva de redenção divina oferecida aos homens, recomendo a todos uma ida ao cinema (ou melhor, ao clube de vídeo, visto que o filme não está em exibição), para uma leitura atenta de Dogville, um filme escrito e realizado pelo mais protestante de todos os católicos, Lars von Trier.
Claro que esta sugestão vem de outro pobre católico, a quem Deus se dá a conhecer por diversos modos que não apenas as Escrituras ["Há ainda muitas coisas feitas por Jesus, as quais, se se escrevessem uma por uma, creio que este mundo não poderia conter os livros que se deveriam escrever" (Jo 21:25)], e que não se dá ao trabalho de ter uma exegese pessoal para uso caso caseiro, uma vez que "nenhuma profecia da Escritura é de interpretação pessoal" (2Pd1:20), que não liga peva a muitas das prescrições bíblicas [v.g., não comer os frutos das árvores nos primeiros três anos (Lev 19:23-25) ou não comer “nada que contenha sangue” (Lev 19:26)] e que tem plena confiança no livre exame da Santa Madre, a cujo Magistério e Tradição se submete ["Tu, pois, meu filho, sê forte na graça de Cristo, e o que de mim ouviste perante muita testemunha confia-o a homens fiéis capazes de ensinar a outros" (2 Tm 2:2); "Irmãos, ficai firmes e conservai os ensinamentos que aprendestes, quer por palavra, quer por escrita nossa" (2 Tess 2:15)].
Mas, dizia eu, aproximo-me do Senhor por coisas diversas, nas quais tenho a arrogância de descobrir sinais imperceptíveis. Por exemplo, um filme cuja acção se passa numa terriola das Montanhas Rochosas (“a quiet little town not far from here”), EUA, nos anos 30. Grace (a Graça, cá está), uma bela desconhecida (interpretada pela actriz mais luminosa da história do cinema, a católicaNicole Kidman), chega a Dogville (Dog, o oposto de God, e dog-ville, o mundo cão em que vivemos), vinda não se sabe de onde, em busca de refúgio de um grupo de gangsters. Com a ajuda de Tom Edison (o iluminismo humanista), o auto-proclamado porta-voz da comunidade, Grace é acolhida e escondida em Dogville e, em troca, trabalha gratuitamente (cá está) para os seus habitantes, num período à experiência, após o qual os residentes da cidade decidem em assembleia se ela fica na terra, pelo menos até à próxima votação. Após este "período de testes" a permanência de Grace é aprovada por unanimidade, mas os moradores começam a exigir dela algo mais, como contrapartida pelo risco de escondê-la. É quando ela descobre que, nesta cidade, a bondade é algo muito relativo, pois Dogville começa a mostrar seus dentes. Grrrr. No entanto, Grace guarda consigo um segredo que pode ser muito perigoso para a cidade... eh! eh!
Não conto mais para não estragar a festa a quem não viu esta obra-prima. Deixem lá o livro dos Números por um bocadinho.
Afirmei, por disso estar convicto, que a Fé é a "grande intuição" , logo depois da outra, a "consciência de mim"; dizia intuição, no sentido de dado directo da consciência, que é como Bergson a coloca. Tive que pensar nisto, e apesar de tarde (melhor que nunca) dei-me conta do erro crasso, para o qual fora avisado aqui.
Existe no Homem uma intuição do Transcendente, mantenho essa parte; é o que explica ser um ser religioso, pressentimos o mistério por detrás das coisas.
Mas a “intuição do Transcendente”, como lhe chamo, se permite “entrever” vestígios do “Mistério”, dá-nos sinais ambíguos, ou pelo menos ambivalentes: não nos dá o “objecto” da Fé, a própria visão de Deus; O Mundo, a tal membrana translúcida que medeia entre nós e Deus, é um indício e forte, mas não mais.
Contudo, a Fé, mesmo que fundamentada em sinais do Mundo, é de natureza diferente, porque se trata de escolha, de uma opção livre. Jesus Cristo, as Suas palavras e a Sua história, são “O” grande sinal, revelador do Pai. Mas não somos forçados a aderir-Lhe por uma evidência intuída; acreditamos (ou não) porque queremos. Intuímos uma coisa (o Transcendente) e acreditamos (ou não) noutra (em Cristo). Parece-me ser esta a dinâmica da Fé cristã. Parece-me ser esta também a dinâmica do Ateísmo quando reflectido, uma opção de negação.
Sendo assim, através do conhecimento intuitivo – e não só, o intelectual também; penso nas provas teológicas de S. Tomás, por exemplo – consigo vislumbrar uma imagem, mas essa imagem por difusa, não chega.
É preciso interpretá-la, e nesse ponto aparece Cristo, a Revelação Divina.
É nesse ponto que se faz a escolha de Fé. A Fé é uma escolha, e não se confunde com intuição. A característica religiosidade humana, essa sim, parece-me uma intuição.
Acontece que a Fé cresce e se desenvolve. Com o andar do tempo torna-se menos um "acreditar" – se bem que, por vezes, a duvida volte a galope – e mais numa espécie de "certeza", com uma quase evidência que eu, grande nabo, fui confundir com um dado intuitivo real. Se assim fosse, se fosse evidente, eu seria forçado a aderir, e não seria escolha livre, como o é a Fé.
Acrescento outra noção, que espero desta vez não estar errada, lol: Racionalidade e Intuição são formas de apreenção o Mundo, não são a Ciência, nem a Filosofia. São faculdades mentais que permitem compor os sistemas de ideias. Segundo Bergson a intuição adequa-se mais à investigação filosófica, sem excluir contudo, a racionalidade. Nisso há semelhança com a Teologia, que na minha simplicidade, considero o ponto mais alto da Filosofia. Daí eu dizer que a Filosofia no limite desagua na Religião.
Toda a gente (eu também) é demasiadamente emancipada. Todos lutam pelos direitos que julgam ter. Ninguém se deixa tomar por parvo. Reclamam e protestam. Escrevemos (mudança para a primeira pessoal do plural) para a DECO e não damos moedas aos arrumadores que arrumam nos parquímetros. Não há injustiça que se nos faça que não tenha que ser vingada. Guerras, discussões, livros de reclamação. A outra face raramente vê a luz do dia. Esta obsessão pela justiça, pelos direitos e pelas opiniões é uma doença que nos consome e corrói. Com jeitinho estamos todos em vias de extinção.
"os católicos têm sempre um pouco a sensação que as "despesas de representatividade" na sociedade cabem aos membros da hierarquia da Igreja Católica e não a eles próprios, simples praticantes (e a hierarquia, por um mecanismo de poder/papel/estatuto - e também porque tem uma mais que justificada, do meu ponto de vista, aversão à utilização sistemática em termos emocionais dos meios de comunicação sociais)
tenho poucas dúvidas que o catolicismo será no futuro apenas uma religião de "intelectuais"a "discrição católica" (que eu tanto aprecio) é pouco mobilizadora para as massas que gostam sobretudo de emoção, maníqueismos e espectáculo
ora a Igreja Católica é fortemente anti-maniqueista e pouco sistemática na utilização de espectáculos emocionais pois desconfia profundamente deles
salvo Fátima e a morte de um Papa apenas as visitas papais tinham alguns desses ingredientes
sublinho "tinham", porque, com este Papa intelectual nem essas visitas são neste momento particularmente espectaculares
esta é uma das principais razões porque sou católico mas tenho que reconhecer que pelos tempos mais próximos tal pode significar um enorme recuo mundial do catolicismo
somos uma espécie em vias de extinção".
Evangélicos e protestantes: aprendam alguma coisa.
Parece a matéria como uma fina película transparente situada entre o Homem e Deus. Ela permanece transparente enquanto os filósofos não se debruçam sobre ela, e então Deus mostra-se através dela. Mal os metafísicos lhe tocam, ou mesmo o senso comum na medida em que é metafísico, imediatamente a película se embacia e se adensa, se torna opaca, porque palavras tais como Substancia, Força, Extensão, etc. insinuam-se por detrás dela, depositando-se como uma camada se poeira, e impedem-nos de ver Deus pela transparência; “levantamos a poeira e lamentamos de seguida não poder ver” , dizia Berkeley(A treatise on the principles of human knowledge, Introduction).
Mas há uma outra comparação, frequentemente evocada pelos filósofos, e que não é senão a transposição audível da imagem acabada de descrever: a matéria seria uma língua através da qual Deus nos fala. Os metafísicos da matéria, entaramelando cada uma das sílabas, valorizando-as, elevando-as à dignidade de uma entidade independente, desviam então a nossa atenção do significado sobre o significante, impedindo-nos de seguir a Palavra divina.
Mas, quer nos fixemos numa ou noutra, em ambos os casos estamos em presença de uma imagem simples, que é preciso não perder de vista, porque se ela não for a intuição geradora da doutrina, dela deriva directamente e aproxima-se-lhe mais do que qualquer uma das teses filosóficas tomada isoladamente.
Nós não temos senão dois meios de expressão, o conceito e a imagem. É através de conceitos que o sistema se desenvolve; é numa imagem que ele se comprime quando o empurram para a intuição de onde deriva. Não se tratando obviamente, de um dado novo, Bergson todavia, sistematizou pela primeira vez, que o conceito e a imagem são clara e respectivamente reportados à inteligência e à intuição, como seu modo de expressão próprio.
cbsde presente à Hadassah, muito ajudado por aqui: “L’Intuition philosophique” in Bergson, Oeuvres, Editions du Centenaire Paris P.U.F. 1970
Como evangélico, isto é, cristão do Evangelho, gosto de citações da Escritura, mas de toda ela, e não somente excertos da epístola de Tiago, mas o seu todo, homogéneo e auto-evidente. Como a própria Palavra de Deus nos explica, 'Toda a Escritura é inspirada por Deus, e proveitosa para ensinar, para redarguir, para corrigir, para instruir em justiça, para que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente instruído para toda a boa obra' (2Tim3:16), por isso, consideremos a passagem apresentada, que nos diz que 'a fé, se não tiver obras, está morta em si mesma' (Ti2:17), à luz doutros livros da Bíblia que dialogam com a carta apostólica.
Ora, o mais interessante sobre o que esta escritura nos diz, no contexto da salvação, é o que não nos diz. Ou seja, não se menciona que as obras são responsáveis pela salvação; antes, que a fé sem obras não salva o que se diga fiel (Ti2:14). Em nenhum lado atribui causa-efeito entre obras e salvação, falando sim da cooperação entre ambas (Ti2:22), explicando-o no relato da promíscua Raab, e o como as suas obras justificaram a sua fé (Gál2:16).
Mas eis uns versículos que, sim, falam da equação que envolve fé, obras e salvação:
'Porque pela Graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, mas é domdeDeus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie. Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas' (Ef2:7-10).
Aqui percebemos que só pela Graça de Deus somos salvos, pois só dEle e por Ele vem a salvação, e não por mérito de obras humanas, pois todo o homem pecou está destituído da glória divina (Rom3:23), e todos dependemos do arrependimento pelos nossos pecados, e da aceitação do sacrifício de Jesus para a nossa redenção e para a esperança duma vida eterna (Jo3:16).
Então de que boas obras dos criados em Jesus Cristo se fala? As obras que o nascido de novo em Cristo (Jo3:3) mostra e que justifica, em actos, o que é garantido pela fé: a salvação dum eleito. Como reconhecer um?: 'Por seus frutos os reconhecereis' (Mt7:16).
Raab, a salva, não tinha fé por ter obras, mas tinha obras por ter fé.
«Meus irmãos, que aproveita se alguém disser que tem fé, e não tiver as obras? Porventura a fé pode salvá-lo? E, se o irmão ou a irmã estiverem nus, e tiverem falta de mantimento quotidiano, E algum de vós lhes disser: Ide em paz, aquentai-vos, e fartai-vos; e não lhes derdes as coisas necessárias para o corpo, que proveito virá daí? Assim também a fé, se não tiver as obras, é morta em si mesma. Mas dirá alguém: Tu tens a fé, e eu tenho as obras; mostra-me a tua fé sem as tuas obras, e eu te mostrarei a minha fé pelas minhas obras. Tu crês que há um só Deus; fazes bem. Também os demónios o crêem, e estremecem. Mas, ó homem vão, queres tu saber que a fé sem as obras é morta? Porventura o nosso pai Abraão não foi justificado pelas obras, quando ofereceu sobre o altar o seu filho Isaque? Bem vês que a fé cooperou com as suas obras, e que pelas obras a fé foi aperfeiçoada. E cumpriu-se a Escritura, que diz: E creu Abraão em Deus, e foi-lhe isso imputado como justiça, e foi chamado o amigo de Deus.
Vedes então que o homem é justificado pelas obras, e não somente pela fé. E de igual modo Raabe, a meretriz, não foi também justificada pelas obras, quando recolheu os emissários, e os despediu por outro caminho? Porque, assim como o corpo sem o espírito está morto, assim também a fé sem obras é morta.»
Para evitar que também Antero de Quental seja censurado pelo santo lápis azul e negacionista, ou rescrito pela mão inquisidora do revisionismo histórico, ou até rasurado por transleituras da sua lírica melíflua e cristalina, seguem-se excertos do seus discurso nas Conferências Democráticas de 1871, entitulado Causas da Decadência dos Povos Peninsulares nos Últimos Três Séculos. Digno de nota é que se o intelectual açoreano fosse bloguista no Trento na Língua, seria, decerto, ameaçado de expulsão, por articular os seus pareceres com factos, e por textuar as suas ideias com declarações afirmativas, objectivas. Longe de relativizações e subtilezas.
Sobre o catolicismo: 'O catolicismo do Concílio de Trento não inaugurou certamente no mundo o despotismo religioso: mas organizou-o duma maneira completa, poderosa, formidável, e até então desconhecida'.
'O cristianismo é sobretudo um sentimento: o catolicismo é sobretudo uma instituição. Um vive da fé e da inspiração: o outro do dogma e da disciplina. Toda a história religiosa, até ao meado do século XVI, não é mais do que a transformação do sentimento cristão na instituição católica'.
Sobre o protestantismo: 'Destas reformas saía naturalmente a humanização gradual da religião, a liberdade crescente das consciências, e a capacidade para o cristianismo de se transformar dia a dia, de progredir, de estar sempre à altura do espírito humano, resultado imenso e capital que trouxe a Reforma aos povos que a seguiram'.
'Contraste significativo, que nos apresenta hoje o mundo! As nações mais inteligentes, mais moralizadas, mais pacíficas e mais industriosas são exactamente aquelas que seguiram a revolução religiosa do século XVI: Alemanha, Holanda, Inglaterra, Estados Unidos, Suíça. As mais decadentes são exactamente as mais católicas! Com a Reforma estaríamos hoje talvez à altura dessas nações; estaríamos livres, prósperos, inteligentes, morais... '
Quando se citar génios das letras lusas, haja certezas que os seus intelectos não se insurgiram contra Roma, como a maioria dos poetas de panteão mostraram. Peço, em especial, que não se mencione Pessoa, porque o grosso das suas considerações sobre a Santa Sé usa de muita linguagem explícita, e eu já me perfilo um Pedro suburbano com saque de espada impulsivo e demasiado passional.
Peço desculpas pela imagem que postei há pouco. cbs, espero que tenhas gostado, mas não era para este blogue. Isto da conta google que dá accesso a vários blogues a partir do mesmo "dashboard" nem sempre dá o resultado pretendido.
Deve haver uma moral nisto tudo, mas não estou a vê-la para já.
Tendo chegado a altura de me eclipsar por uns tempos devido a outras solicitações bem mais mundanas (afinal, não só de pão vive o homem mas também), ocorreu-me apresentar-vos o balanço interior que faço e sempre fiz destas discussões teológicas e filosóficas.
Depois de discussões acesas sobre os mais diversos tópicos caros aos respectivos participantes, com tomadas de posição mais ou menos acaloradas, chego sempre à conclusão que bem mais que as nossas posições intelectuais, são os nossos afectos que determinam aquilo que somos. O intelecto vem depois, constroi por cima e em geral tem como função sedimentar e dar segurança a uma posição fundamentalmente afectiva. Assim, não teria muita dificuldade em ver-me a defender as mesmas posições que os meus amigos protestantes caso se desse o caso que eu amasse a Igreja Baptista, ou amasse a Assembleia de Deus, ou a Prisbeteriana ou a Luterana. O que não quer dizer que não ache que a Igreja Católica possui mais consistência teológica do que qualquer uma delas. Mas acho-o, sei-o bem, porque a Igreja Católica me é afectivamente mais cara do que qualquer outra. É este o paradoxo sob o qual os relativistas se confundem, eu creio na Igreja Católica porque a amo e amo-a porque creio nela e mesmo assim, da subjectividade intrínseca aos afectos, professo que ela é a única igreja verdadeiramente de Jesus Cristo.
A minha afirmação de que é absurdo ser protestante nesta terra não decorre portanto de nenhuma posição teológica ou intelectual. Ser protestante em si não é absurdo, mas é-o numa terra em que me é incompreensível amar uma igreja protestante.
Ainda antes de ser católico professo, sempre tive um certo quadro emocional que associava a cada uma das correntes cristãs neste país. Para mim, as igrejas protestantes sempre corresponderam afectivamente àquela mulher nobre e altiva, reservada e que admiramos discretamente, que tem o seu circulo restrito de amigos intímos ao qual nos poderá admitir com facilidade pois já tem por nós uma certa afeição contida. Nesse círculo, sentimos a comunhão e a partilha dos círculos de amigos muito próximos, a intimidade e a confiança são grandes, sente-se o amparo de quem nos prefere a nós face ao resto do mundo. Elogiamo-nos mutuamente pelas qualidades que temos, e cultivamos um certo olhar grupal face ao mundo exterior.
A Igreja Católica sempre a vi mais como aquela mulher viva e de enorme afabilidade, que possui um largo grupo de amigos e conhecidos de variável grau de intimidade. Admirada por muitos, cobiçada por outros tantos, parece seu apanágio mover-se em cada um dos grupos com igual destreza, nunca se deixando prender totalmente em cada um deles mas nunca dando ao mesmo tempo a impressão de se encontrar afastada emocionalmente. Ao mesmo tempo dedicada como se cada um dos seus amigos fosse único mas abrangente no seu tecido de relações. A sua personalidade é multifacetada e ao mesmo tempo simples, as suas áreas de interesse múltiplas, tanto é capaz de privar com um grupo cujo único pretexto de união é o de luxuriantes saídas nocturnas como entabular uma qualquer discussão metafísica com o grupo de intelectuais residente. Desperta cíumes e sentimentos antagónicos numa série de pretendentes, que julgam ver na atenção que ela lhes dedica uma especial afeição da sua parte. É-lhes pesado e díficil o sentimento que "serão apenas mais um", desejariam conter aquela mulher, torná-la sua, mas ela é indomável na sua afabilidade, difícil de aprisionar na devoção universal que presta a todos os seus conhecidos. Muitos pretendentes cortam com ela, sendo-lhes insuportável esta partilha, acabando por preferir as senhoras do tipo enunciado no parágrafo anterior, com a segurança e a exclusividade que oferecem.
Este sempre me pareceu ser o retrato das igrejas cristãs em Portugal. E no meu caso muito pessoal, baseado nas minhas limitações, sempre soube que não poderia evoluir espiritualmente com uma mulher do primeiro tipo. Pois os meus defeitos são precisamente a arrogância de querer ser único, o gosto pelos pequenos grupos de grande partilha intimista quase siamesa. É por isso que das primeiras coisas que disse neste blog foi precisamente que me considerava demasiado arrogante para que alguma vez aderir ao protestantismo fosse para mim salutar. Sempre me assustou a segunda mulher, pela sua independência e pela independência que me obrigava a ter. Mas uma coisa sempre me pareceu ser lei na evolução espiritual. Entre duas opções, deve-se escolher sempre a mais difícil.
Os protestantes não escrevem e a culpa é da lista de linques.
A minha ausência na participação deste blogue tem uma explicação. Cada vez que aqui venho e tomo a decisão de uma leitura desenfreada dos textos atrasados, dou por mim, e Deus criou a mulher. A partir daí, retroceder seria um desrespeito para com a natureza humana.
Reprimirei meu pranto!... Considera Quantos, minh'alma, antes de nós vagaram, Quantos as mãos incertas levantaram Sob este mesmo céu de luz austera!...
- Luz morta! amarga a própria primavera! - Mas seus pacientes corações lutaram, Crentes só por instinto, e se apoiaram Na obscura e heróica fé, que os retempera...
E sou eu mais do que eles? igual fado Me prende à lei de ignotas multidões. - Seguirei meu caminho confiado,
Entre esses vultos mudos, mas amigos, Na humilde fé de obscuras gerações, Na comunhão dos nossos pais antigos.
Agora, com o relativismo relativamente bem esmiuçado, uma citação bíblica acerca da verdade:
“Disse, pois, Jesus aos judeus que haviam crido nele: Se vós permanecerdes na minha palavra, sois verdadeiramente meus discípulos; e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.” João 8:31 e 32
Portanto: a verdade existe e pode ser conhecida por seres humanos limitados; a verdade não é mero adereço existencial ou entretém para teólogos e filósofos, mas a chave para a libertação (estamos presos?)
Termino esta seca com a posição do Ratz em relação ao Relativismo Cultural, que foi o verdadeiro objecto da minha longa, extensiva, dispersante e excêntrica série de postas (ando a aprender com a nossa Zaz :)
Diz o Papa Teólogo na entrevista dada ao jornalista Peter Seewald e que foi publicada, em alemão, com o título "Deus e o Mundo" em 2000 no mosteiro de Monte Cassino:
O relativismo pode aparecer como algo de positivo, enquanto convida á tolerância, facilita a convivência entre culturas, reconhece o valor dos outros, relativizando-nos a nós próprios. Mas se se transforma num absoluto, se se converte em contraditório, destrói a acção humana e acaba mutilando a razão.
Se se considerar razoável apenas o que é calculável ou demonstrável no domínio das ciências, que se convertem assim na única expressão da racionalidade: então o resto torna-se subjectivo. Se se deixar à esfera da subjectividade as questões humanas essenciais, as grandes decisões sobre a vida, a família, a morte, sobre a liberdade compartilhada, então já não haverá critérios.
Entre os novos perigos para a Fé, destaca-se o de uma sociedade secularizada só aceitar um cristianismo adaptado, enquanto os pilares da autêntica Fé são considerados fundamentalistas. Creio que isto pode desembocar numa situação que exija resistência, concretamente a uma ditadura de aparente tolerância que trava o estímulo da Fé declarando-a intolerante. Aqui brilha a evidencia da intolerância dos “tolerantes”.
A Fé não busca o conflito, mas sim o domínio da liberdade e da tolerância mútua. Mas não pode deixar-se formatar nas etiquetas estereotipadas da Modernidade.
Joseph Kardinal Ratzinger, Gott und die Welt. Glauben und Leben in unserer Zeit. Ein Gespräch mit Peter Seewald, Stuttgart-München: DVA 2000
Eu, que discordo de alguns pontos, nomeadamente desconfio muito da perspectiva do Papa em relação à Modernidade, que para mim é progresso e tem um saldo positivo (ele também diz que sim, mas…), confesso que não diria mais, nem melhor sobre este tema do Relativismo Ético (que não se confunde com Relativismo Cultural, mas é uma consequencia deste). Muito obrigado por pacientarem, lol cbs
A concepção sociológica (mais precisamente antropológica) da Moral como Ciência dos Costumes, de onde deriva o Relativismo Cultural e as suas implicações éticas, não é de agora, antes se insere numa longa tradição filosófica relativista que me parece vir já dos sofistas, passando pelo empirismo e pelo criticismo até à actual filosofia da linguagem. Mas o Relativismo é de facto um fenómeno típico da Modernidade, com primeira manifestação notável no livro de Spengler, “A decadência do Ocidente” (1922) cuja mensagem historicista colocava a cultura Ocidental em igualdade com todas as outras e em fase de decadência (por acaso… tem-se visto, lol).
É no entanto natural que a Antropologia cultural, confrontando diversas culturas, percebendo os particularismos, as adaptações em cada uma, fosse levada a relativizar as coisas. Daí a teoria de Franz Boas cujo princípio base é que "qualquer crença ou actividade humana deva ser interpretada apartir da sua própria cultura" Essa teoria do início do século foi popularizada na América, sob a designação de Relativismo cultural (uma das teorias da Pós-modernidade) a partir da II guerra mundial, e é também natural que o choque de culturas provocado pela globalização (e ainda há quem negue a evidencia de Huntington…) a tenha colocado em foco. Só que o princípio de Boas, do relativismo cultural facilmente escorrega para o relativismo moral. Se afirmarmos que todos os caracteres são relativos a cada cultura, segue-se que a cada um a sua verdade. Assim tudo é lícito, como disse o Antonius “é tudo igual” ; e se é tudo igual, se a razão não tem verdade absoluta, o que se segue é a “razão” da força.
A sociedade aberta mundializante relativizando em absoluto (a tal ditadura também referida pelo Antonius) os valores terá provavelmente dois efeitos: - A intolerância como resistência para sobrevivência das identidades - A síntese de culturas, para lá dos conflitos incontornáveis, e das aceitações forçadas
Mas não é tudo igual, e a esse propósito encontrei este justo argumento na net (Elements of Moral Philosophy, de James Rachels). O Relativismo Cultural desafia-nos com a afirmação de que não existe a Verdade universal moral, apenas códigos culturais particulares, entre os quais o nosso Judaico-cristão. O âmago da coisa está na argumentação das Diferenças Culturais: - Culturas diferentes têm códigos morais diferentes - Logo não há verdade objectiva na moralidade. O certo e o errado são apenas questão de opinião e as opiniões variam conforme a cultura.
O erro da coisa está em que a conclusão não segue da premissa, isto é, mesmo que a premissa seja verdadeira a conclusão não terá que o ser. Considere-se o exemplo: Nalgumas sociedades as pessoas acreditam que a Terra é plana. Noutras sociedades, como a nossa, acreditam que a Terra é esférica. Segue-se daqui, do mero facto das pessoas discordarem, que não existe verdade objectiva em Geografia?
O erro fundamental do argumento das Diferenças Culturais é que tenta derivar uma conclusão sobre a Moral, partindo do mero facto das pessoas discordarem nos seus valores. cbs
Partindo da classificação das teorias filosóficas quanto aos limites do conhecimento, passemos aos sistemas morais… a ver se isto faz mais algum sentido, tenham paciência. Por ser extremamente limitado, só consigo estabelecer um discurso minimamente coerente, definindo os termos da expressão.
Na sua acepção genérica, Moral designa um conjunto de regras de conduta; Na sua acepção genérica, Ética designa a reflexão sobre a experiência moral, sobre o que respeita ás regras de conduta e em particular as noções de Bem e de Mal. E um dos problemas fundamentais que se apresentaram ao objecto da moral foi a questão geral das relações entre o conhecimento e a acção, num plano concreto a relação da Moral com a Ciência, noutro, hoje crítico, a relação entre Moral e Política, origem da teoria antropológica do Relativismo Cultural. Alguns querem fazer a moral uma ciência como as outras, outros querem restringi-la a uma disciplina filosófica.
Entre os que pretendem cientificar a Moral aparecem duas linhas, os egoístas e os altruístas. No caso dos egoístas encaixam as morais antigas, mas muito em voga no nosso tempo: 1. O Hedonismo como doutrina do prazer imediato; é Bem o que permite gozar, é Mal o que faz sofrer. 2. O Epicurismo que rejeita o prazer imediato, por transitório, privilegiando o prazer estável, implicando esse conceito a abstenção e a selecção dos prazeres. 3. O Utilitarismo criado pelos filósofos ingleses do século XIX, em particular Benjamim Bentham, substitui o prazer estável pelo prazer maior, preconizando uma curiosa aritmética dos prazeres.
O matemático Henri Poincaré dizia que "a Ciência fala no Indicativo (o que é) e a Moral no Imperativo (o que deve ser)" Sendo a Moral assente em juízos de valor e a Ciência em juízos de realidade, outros pensadores, os segundos atrás referidos, reduzem-na a um capítulo da Filosofia, uma "ciência" dos valores, que deve estabelecer coerentemente as leis da actividade humana e que desembocará na Ciência Jurídica. Classicamente destacaram-se três grandes sistemas: 4. O Eudemonismo Racional de Aristóteles que vê o Bem na busca da Felicidade (do grego eudaimonia), o sentimento que resulta da actividade superior racional, diria eu, da realização pela razão. 5. O Tomismo Cristão que retoma Aristóteles, mas corrigindo-o num ponto fundamental; enquanto Aristóteles vê na acção da razão, o próprio Bem (Felicidade), S. Tomás ao contrário, vê a razão como meio de estabelecer o que é o Bem; a moral da felicidade transforma-se na moral do Dever, que não exclui a felicidade, mas como um meio para o Bem, não como o Bem em si. 6. O Imperativo Categórico de Kant, uma obrigação incondicional, independente da nossa vontade ou desejos. Kant criou um elaborado sistema ético onde o Bem é o Dever (opondo-se ao optimismo tomista que legitimava a felicidade), segundo um critério duplo de universalidade (da regra) e valor (do fim): age sempre como se quisesses que a norma da tua acção se tornasse uma lei universal.
O extraordinário Stuart Mill, partindo de Jeremy Bentham, estabelece a transição entre as morais egoístas (hedonistas) e as morais altruístas (sociais), adoptando a teoria utilitarista mas acrescentando dois conceitos, a qualidade do prazer sobrepondo-se à quantidade, e o interesse geral sobrepondo-se ao interesse pessoal. Nas morais altruístas, chamadas também sociais, a ideia básica é que a felicidade e o progresso humano são inseparáveis, e aqui entramos pela política dentro: 7. A Benevolência para com o próximo, como fonte de felicidade, de Francis Hutcheson 8. A Simpatia desinteressada pelo próximo, que favorece a partilha, em Adam Smith 9. O Humanismo do dever para com a Humanidade, como base do progresso, de Auguste Comte. 10. A Solidariedade considerando os membros da sociedade numa comunidade de interesses, e como tal cooperadores para o Bem Comum, com Léon Bourgeois
No fundo, neste terceiro grupo das morais sociais, pretende-se que o moralista tenha a atitude do sociólogo, o seu propósito de apenas procurar, analisar e explicar os fenómenos morais, independentemente de qualquer preocupação normativa. Em abstracto, com já referi, o Relativismo é apenas uma doutrina gnoseológica que discute criticamente a possibilidade de alcançar a verdade absoluta. Mas é daqui, da concepção sociológica de uma Moral como ciência dos costumes, que finalmente deriva a aplicação do conceito relativista à Ética, através da teoria antropológica de Franz Boas do Relativismo Cultural como determinante moral, que no limite, me parece levar à amoralidade. cbs
A fim de sermos capazes, caríssimos, desta bem-aventurança, nosso Senhor Jesus Cristo, tendo consumado a pregação evangélica e os mistérios do Novo Testamento, no quadragésimo dia após a ressurreição, diante dos seus discípulos, elevou-se aos céus. Pôs termo à sua presença corporal, havendo de permanecer à direita do Pai até que decorram os tempos determinados por Deus para se propagarem os filhos da Igreja, e ele volte a fim de julgar os vivos e os mortos, no mesmo corpo com o qual subiu.
Assim, tudo o que havia de visível no nosso Redentor, transformou-se em presença sacramental.
Para tornar a fé melhor e mais firme, à visão sucedeu a doutrina, a cuja autoridade obedeceriam todos os corações crentes, iluminados pelos raios vindos do alto.
Excerto do 2º Sermão da Ascensão do Senhor de São Leão Magno, Papa (de 440 a 461 D.C.), Doutor e Padre da Igreja. Imagem da Ascensão de Cristo de Pietro Perugino, 1496-1498
“Se a verdade for em si mesma relativa, eu já sou dono dela.” É isto de facto, e assim se acaba com o confronto intelectual, com o diálogo, e assim começa o confronto de identidades pela sobrevivência, no fim da linha a guerra. Este problema abordado muito bem pelo Antonius, parece-me um dos problema mais delicados e difíceis de toda a história do pensamento. E como estas coisas me atraem, fui estudá-lo, apesar de ter outras, muitas e diferentes coisas para estudar a sério (mas a tendência do "só estou bem onde não estou" leva-me a isto:). Tenham pois paciência comigo, e deixem-me relembrar a escola, que eu sou muito básico, lol
Voltando à vaca fria, “Qual a possibilidade de aceder à Verdade? Qual o valor do conhecimento?”. É daqui, destas perguntas que se inserem no domínio filosófico particular da Gnoseologia, que nasceram os termos. Do conceito de Verdade, e não propriamente do conceito de Bem, para o qual se derivou mais tarde, por exemplo com o Relativismo Ético. Recapitulando o que me ensinaram na escola primária, distinguem-se habitualmente as seguintes posições (gavetas…) filosóficas:
1. O Dogmatismo* (por vezes dito absolutismo, fundamentalismo, etc.) que sustenta a possibilidade de um acordo total do sujeito conhecente e do objecto conhecido; para o dogmático os objectos do conhecimento são-nos dados de um modo absoluto.
2. O Cepticismo (oposto ao anterior) que nega ou põe em duvida a possibilidade do conhecimento. Com uma variante admitindo o conhecimento científico mas negando a possibilidade do conhecimento filosófico, denominada Agnosticismo.
Entre as duas posições anteriores extremas, são defendidas outras intermédias, por vezes tudo encaixado como Relativismo, mas que tem as suas “nuances”:
3. O Relativismo que nega a possibilidade de aceder à verdade absoluta e universal, mas apenas alcançar verdades limitadas e relativas (a verdade dependente, como numa função y=f (X), a variável dependente y varia em relação ao valor dado a x)
4. O Probabilismo que nega a possibilidade de aceder à verdade, mas apenas alcançar conhecimentos prováveis.
5. O Criticismo que toma o nome do grego “examinar” e foi sustentado por Kant como a alternativa entre a temeridade dogmática e o desespero céptico, e definido por ele como “método de filosofar que consiste em investigar, analisar, as fontes das próprias afirmações e as razões que as fundamentam”.
Qualquer destas ultimas três posições, enquadra o saber da Ciência. A primeira (Dogmatismo) costuma ser conotada com a religião, e foi também com os sistemas filosóficos, anteriores a Kant, especialmente aqueles escamartilhões de Descartes, Leibniz e Spinosa.
Creio que Bergson reintroduziu a probabilidade e um outro criticismo na Filosofia, através da intuição como método, uma probabilidade diferente da científica e mais próxima da verdade absoluta, que para mim deriva na Religião; a Religião em parte é uma derivada da Filosofia, noutra é Revelação. É daqui que se irá partir muito mais tarde, já na era global em que vivemos, para doutrinas sociais, relativistas, culturais e éticas; lá irei… mas é daqui que se parte para tudo isto fazer algum sentido.
* Kant emprega a palavra “dogmatismo” num sentido restrito: dogmáticos são para Kant, os filósofos que cultivam a Metafísica sem previamente terem examinado as capacidades da razão humana e dos seus limites. cbs
Críticas e opiniões divergentes nada têm a ver com relativismo, bem pelo contrário, são-lhe por inerência completamente avessos.
O professar que exista uma verdade absoluta não significa que eu a possua. Bem pelo contrário, é precisamente porque a minha visão é relativa e a verdade é absoluta que me separo dela. Se a verdade for em si mesma relativa, eu já sou dono dela. É o relativismo que se diz dono da verdade, não o contrário.
A visão actual do mundo que tenho poderá muito bem mudar. Não a assumo como definitiva ou verdade absoluta. Mas enquanto for aquilo no qual creio, ela tem para mim um valor fundamentalmente diferente do que aquilo que todos os outros crêem. Não é igual para mim o que eu penso ou o que os outros pensam. Não o é nem o pode ser para ninguém. E quando porventura aderir a novos postulados, terei feito o meu caminho, e os novos postulados a que aderi terão para mim um valor novamente diferente daqueles que deixei para trás.
Relembro o que é que me fez pegar no tema do relativismo:
O relativismo num "blogue de protestantes e católicos"
"O Partido Comunista não receia a crítica porque somos Marxistas, a verdade está do nosso lado, e as massas populares, e os trabalhadores e os camponeses também estão do nosso lado." (Mao Tsé-Tung, "Citações")
Sabia que ia valer a pena a entrada da Nini Castanheira. Este blogue precisava de um protestante tradicional de tendência liberal. E como a Nini bem aponta, "evangélicos e católicos conservadores são almas gémeas". Por isso agrado-me da resposta do Antonius à questão do relativismo. A inocência da Nini está na candura excessiva com que vem revelar as virtudes da teologia protestante liberal. E se é certo que Portugal é um deserto de debate religioso, não podemos esquecer que esta pólvora já tem cerca de 100 anos. Bultmann is so 1920's. O argumento mais afiado e onde a Nini revela as debilidades do seu evangelho está nas igualdades que aponta aos seus mais directos adversários católicos conservadores e evangélicos (aqueles que lhe esvaziaram as igrejas por essa Europa fora - e recordemos que essa espinha entalada na nossa garganta que é os Estados Unidos também são Ocidente e por aí não há sinal de capelas vazias): "A moral que defendem, os partidos onde votam, o tipo de economia que defendem, a política social que reclamam são iguaizinhos". Em verdade, em verdade vos digo, que há aqui muito maior desejo de vendetta ideológica que de sincera discórdia doutrinária. O que muito bom protestante liberal não suporta é que a sua betumada tolerância perca audiência ao mesmo tempo que oportunidade. O relógio não perdoa e lá no cume da sua emancipada superioridade moral a descida é a pique (julgo que já nem na faculdade trotskista onde me formei alguém será capaz da premeditada ternura para o paradoxal refrão do "Não há absolutos, só perpectivas"). À frase certeira da Nini "O Papa e a sua infalibilidade, a leitura literalista da bíblia são faces da mesmo moeda: Tentar cristalizar algo que é vento do espírito" esqueceu-se-lhe acrescentar ela própria, a teologia liberal e o próximo passageiro que entrar nesta imprevisível carruagem que é o cristianismo.
Era minha intenção escrever sobre o dogma da infabilidade papal, mas tenho-me demorado por me ter apercebido que para ilustrar convenientemente o assunto era preciso referir o papel da Tradição e do Magistério. Com o post abaixo, apercebi-me que ainda antes de me debruçar sobre a Tradição, é preciso falar de algo muito mais geral e que é posição filosófica e religiosa em voga nos dias que correm, que advogam como suas virtudes o que precisamente na prática negam inteiramente. É que não contém em si nenhuma virtude evangélica. Particularizando:
- Um postulado muito frequente é a afirmação de que como o mundo (ou Deus, o que seja) é muito complicado e inabarcável, a atitude daquele que busca conhecê-lo deve ser a de aceitar todas as mundividências que se lhe oferecem com igual valor de verdade. De facto, escolheríamos uma ou criaríamos até uma de raiz consoante as nossas preferências e passado emocional, chamando a isso "o nosso caminho de verdade", sendo que outros fariam o mesmo. Assim, embora tenhamos um caminho próprio, os outros têm o deles e a posição "tolerante" e "ilimitada" seria considerarmos todos os outros caminhos como contendo igual dose de verdade.
É absolutamente retorcida tal perspectiva, e por detrás de uma suposta tolerância esconde os piores dos vícios. Nunca a verdadeira humildade perante a nossa ignorância face ao conhecimento do mundo levou à "tolerância" face às nossas construções arbitrárias e às construções arbitrárias do mundo. É precisamente o contrário. O "só sei que nada sei" socrático leva-o em primeiro lugar a duvidar de si mesmo e em segundo lugar a duvidar de todos os enunciados que lhe são propostos por todos aqueles que o interpelam. E essa dúvida e diálogo surge com critérios definidos (a lógica no caso clássico) numa busca mútua da verdade, na qual por vezes é Sócrates que recua nos seus postulados, por outras vezes são os seus opositores. Mas há confronto, há discussão e não é tudo igual ao litro. É que por detrás da ideia muito bonita de "respeitar a ideia do outro, achando que está bem como quer que esteja" escondem-se dois vícios insidiosos (outros poderiam ser apontados mas assim nunca mais terminava):
- Uma enorme arrogância. Pois o que supostamente é "respeitar a ideia do outro" é nem sequer verdadeiramente querer entrar dentro dela. Pois se quisermos verdadeiramente compreender o outro, se queremos ver o mundo através dos olhos do outro, temos que explorar as ideias dele e manifestarmos aquilo que nos parece ser contraditório, que faz com que, com muita pena nossa (e muitas vezes é assim, porque a pessoa até nos pode ser querida a um nível pessoal) rejeitar tal afirmação. Muitas vezes é preciso entrarmos longamente no seu pensamento sem que à partida encontremos nada de contraditório, é preciso estar disposto a "pairar um pouco no vazio" enquanto nos adensamos em terreno desconhecido. É preciso deixar o nosso mundo, ainda que temporariamente, em suspenso. Por outro lado, só neste exercício é que poderemos eventualmente vir a assumir qualquer coisa da visão do outro, assumir verdadeiramente, intrínseca e interiormente, aderir a uma ideia, quando nos virmos confrontados com critérios que nos parecem lógicos e com a própria insuficiência das nossas ideias. Esse exercício mútuo é edificante, é o único exercício verdadeiramente edificante, e para isso é preciso dispôrmos de tempo e muita paciência para entrarmos dentro de um universo que nos é estranho. A caridade aí manifesta-se na nossa disponibilidade em entrar dentro desse mundo e em querer zelosamente aperfeiçoá-lo segundo o que nos parecem ser os critérios correctos (e em aperfeiçoar-mo-nos a nós próprios através dele). Pôr-mo-nos de fora, postularmos preguiçosamente apenas que é muito bonito é o sumo egoísmo, e é sobretudo querermos proteger a nossa própria visão medíocre da realidade (porque a é sempre). É que só se afirmarmos que tudo é igual ao litro é que nos podemos manter exactamente na mesma, satisfeitos com a nossa visão primitiva. A suposta "tolerância" para com os outros é na verdade apenas tolerância para connosco mesmos, é assumirmos que estamos confortáveis com a nossa mediocridade, é no fundo dizermos que não somos medíocres.
- Uma enorme limitação. Existe a ideia de que se apontamos a existência de uma única Verdade ou da supremacia de uma perspectiva sobre outra, estamos a limitar a realidade. Nada mais falso. É o contrário que é verdadeiro. Pois se nos dispersamos no múltiplo, se tudo são "perspectivas sobre a realidade", inclusivé a nossa, então nada edificamos. Todo o reportório do saber humano actual deve-se precisamente à humildade daqueles homens e mulheres que foram na esteira dos que os antecederam, que escrutinaram o pensamento dos que os antecederam e que construíram sobre ele. É essa a história da ciência, e é essa em parte a história da filosofia. Achar que o outro vale o suficiente para que eu me adense no seu pensamento e construa sobre ele, isso é que é verdadeiramente respeitar o outro! Todo o saber humano actual resulta desse confronto com uma tradição de pensamento, quer seja filosófica, científica ou teológica, desse questionar simples e humilde em busca da Verdade, mas reconhecendo todo o património edificado. É que o que nós pensamos e sentimos, já muitos outros pensaram e sentiram antes de nós. Se nos ficarmos pelo "movimento do Espírito" dentro de nós, supostamente do Espírito, não saímos dos postulados mais básicos que já 4000 anos antes de nós haviam sido descobertos. É aí que ficamos limitados, porque ficamos limitados à nossa própria experiência. A humanidade não evoluiu a ter que inventar a roda em cada geração. A verdadeira humildade não consiste em ficarmo-nos pela nossa mediocridade, mas em dedicar uma vida a conhecer e analisar o que outros já deixaram, mesmo que no final da nossa vida não tenhamos acrescentado uma única palavra. Para acrescentar algo, isso é dado a poucos, e pelo Espírito sim, mas na flor da maturidade, na qual todo o património que está para trás de nós amadureceu dentro de nós. Não há outra via para o conhecimento. Não há outra via para a Verdade. É difícil pois claro, mas só o difícil interessa.
1. Quando citei Boff não quis dizer que os católicos defendiam as suas teses, até pelo contrário, ao teólogo foram-lhe perfeitamente puxadas as orelhas, pela sua criatividade. Por isso ao enumerar os pecados católicos este deveria estar de fora. 2. Todas as outras críticas não são apanágio de católicos, mas de muitos protestantes. 3. Pessoalmente por exemplo acho que o Deus da Bíblia tem pouco de todos os OMNIs que lhe foram atribuídos pela filosofia helénica. 4. Quanto ao relativismo. Penso que tudo em relação a Deus é relativo. Tudo o que sabemos de Deus tem a ver com a nossa percepção dEle. YHVH é o Deus de Abraão, de Isaac, de Jacob, de Isaías, de Paulo, porque cada um tinha uma percepção diferente de Deus. Ninguém pode dizer que Deus é... sem perceber que tudo é relativo. Não há absolutos, só perpectivas e essa é a força do Cristianismo. Boff, Lutero, Pedro, Antonius, tudo são tentativas de tocar o inatingível. O Papa e a sua infalibilidade, a leitura literalista da bíblia são faces da mesmo moeda: Tentar cristalizar algo que é vento do espírito. O Senhor é o Deus da mudança e todos nós tentamos contê-lo, retê-lo e encaixotá-lo dentro dos nossos centrímetros cúbicos cinzentos. Boff é profeta, Sobrino é profeta, Lutero foi profeta, Jerry Falwell foi profeta, todos tentaram descrever o seu Deus. Certo ou errado é uma questão de opinião... "Porque, agora, vemos por espelho em enigma..." Deus não é "contenível".
Desde que Lutero descobriu, através dos seus altíssimos critérios de sola scriptura, que haveria uma incompatibilidade entre a epístola de S. Tiago e as cartas de S. Paulo, pois era óbvio e garantido que a doutrina da sola fide estava explícita nas Escrituras e decorrentemente a epístola de S. Tiago era "uma epístola de palha sem carácter evangélico", que os protestantes se especializaram na religião-à-la-carte-o-que-me-apetece-pensar-sobre-isto-hoje-mas-é-tudo-bíblico.
Tal como Lutero, que nunca lhe passou pela cabeça o fantástico que era em 1500 anos nunca ninguém se ter apercebido de tão óbvia incompatibilidade (sendo que tudo o resto que afirma à cerca da canonocidade das Escrituras é basicamente baseado em S. Jerónimo), também o Nuno nos vem revelar que o dogma da Infabilidade Papal é falso porque a Igreja "pactoou" com o regime nazi. Formidável!
Mas o que é um dogma? Um dogma é um conteúdo implícito à revelação divina que deve ser aceite pela Fé. Como conteúdo implícito que é, o facto do dogma ser identificado num dado momento na história, não implica que apenas comece "a contar" daí em diante. Não, acredita-se que através do Magistério vivo da Igreja se aprofundou os conteúdos da revelação e que portanto esse enunciado diz respeito à revelação desde o princípio dos tempos (ou neste caso, da Igreja). Portanto Nuno, não percebo a tua falta de imaginação.
Afinal, esta é a Igreja das cruzadas, da Inquisição, de papas com amantes e que mantinham relações incestuosas com as filhas, de excomunhões e de persiguições, tudo clara e historicamente sancionado e muitas vezes até ordenado directamente pelo Papa. Para quê ires buscar um vídeo claramente feito por um indigente mental que relaciona coisas que não têm qualquer relação e enuncia os maiores disparates sobre um tema onde a Igreja foi medíocre é certo, mas onde também é certo que não colaborou activamente?
Formidável ainda é nada disto ter passado pela cabeça da hierarquia. Já desde de S. Tomás Aquino que se discutia a infabilidade do Magistério na figura do papa, mas pasme-se, como ainda não tinha existido a colaboração criminosa com os nazis, o pobre do S. Tomás não estava à par das últimas informações assassinas, flagrantemente chocantes que deitam por terra tudo isto.
Sobre o dogma da infabilidade papal falo já a seguir (e o que de facto ele significa). Este post foi só para demonstrar o meu espanto com a tua falta de imaginação!
- Os católicos podem dizer tudo o quiserem. Até podem dizer abertamente que não acreditam em Deus. A única coisa que não lhes é permitida é por em causa o Papa… Este foi um dos primeiros comentários que me lembro de ouvir ao meu pai acerca da Igreja de Roma, na altura que o teólogo Hans Kung foi censurado pelo Vaticano. Passados vinte e muitos anos, confirmo neste blog, e mais uma vez, a justeza das palavras paternas. Por aqui, e do lado católico, já se pôs em causa a veracidade histórica da morte e da ressurreição de Cristo, já se disse que Deus não é omnipotente, já se postaram caricaturas Dele, já se aligeirou a Sua responsabilidade na Criação, já se relativizou a importância do pecado, da tentação e, até, da salvação. E tudo foi aceite com a bonomia da melhor tolerância. Agora o Nuno ataca o homem do Vaticano, e a estrutura que ele dirige, e a indignação de alguns atinge níveis nunca vistos. Esclarecedor. A verdade é que, mesmo que esteja de má-fé, o Nuno apresentou factos. Factos históricos. Não aceitou a contra-argumentação abundante que lhe foi apresentada? Está no seu direito. Ele fica na dele e quem discorda fica na sua. E o Nuno sujeita-se aos juízos de valor acerca da sua honestidade e das suas qualidades intelectuais. O que não se pode nunca esquecer é que estamos a tratar de homens e de organizações por eles formadas (ainda por cima, no caso vertente, com um curriculum imenso e consecutivo de “passos em falso”). Não estarão alguns a trocar as suas prioridades na indignação?