Foi um belo almoço. Guardo, no entanto, as pedras para essa maioria protestante ausente, especialmente os que faltaram em cima da hora sem sequer evidenciar justificação (um protestante sem justificação não é um protestante). Admitamos. Mal de nós se não fosse Roma.
Foi uma benção reencontrar em Trento as alegrias da Terra. Mas cautela, irmãos: "Os que vivem segundo a carne não podem agradar a Deus. Vós não estais sob o domínio da carne, mas do Espírito, se é que o Espírito de Deus habita em vós." São Paulo aos Romanos em tempos citado aqui pelo grande ausente
Uma das vantagens de pertencer a uma Igreja una mas universal, com um centro referencial mas espalhada por todas as gentes e em todas as latitudes, é o sentido profundo de comunhão que se estabelece nesta admirável diversidade. Como refere o Miguel, ao citar o belíssimo texto de S. Paulo, na Iª Carta aos Coríntios, todos parecem ter o seu lugar nesta Igreja, de acordo com os talentos e a vontade de cada um. O que mais me alegra o coração, no entanto, é saber que, nos mais variados cantos deste mundo redondo, nos dias do Senhor, em milhares e milhares de eucaristias dominicais, milhões de católicos, comungantes ou não do pão da vida, estão presentes, numa união fraterna, nesta festa que é a Missa. No domingo passado, por exemplo, todos nós, católicos, ouvimos ler aquele texto de S. Paulo. É bom ir à missa com a Nicole.
“Mestre, vimos um que em teu nome expulsava demónios, o qual não nos segue; e nós lho proibimos, porque não nos segue. Jesus, porém, disse: Não lho proibais; porque ninguém há que faça milagre em meu nome e possa logo falar mal de mim. Porque quem não é contra nós é por nós.” Marcos 9:38 a 40
Da não-agressão à unidade vai uma distância considerável.
Um possível estatuto editorial para este blogue (e para um referendo e para todos os dias)
«Ora, há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo. E há diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo. E há diversidade de operações, mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos. Mas a manifestação do Espírito é dada a cada um, para o que for útil. Porque a um pelo Espírito é dada a palavra da sabedoria; e a outro, pelo mesmo Espírito, a palavra da ciência; E a outro, pelo mesmo Espírito, a fé; e a outro, pelo mesmo Espírito, os dons de curar; E a outro a operação de maravilhas; e a outro a profecia; e a outro o dom de discernir os espíritos; e a outro a variedade de línguas; e a outro a interpretaçäo das línguas. Mas um só e o mesmo Espírito opera todas estas coisas, repartindo particularmente a cada um como quer. Porque, assim como o corpo é um, e tem muitos membros, e todos os membros, sendo muitos, são um só corpo, assim é Cristo também. Pois todos nós fomos baptizados em um Espírito, formando um corpo, quer judeus, quer gregos, quer servos, quer livres, e todos temos bebido de um Espírito. Porque também o corpo não é um só membro, mas muitos. Se o pé disser: Porque não sou mão, não sou do corpo; não será por isso do corpo? E se a orelha disser: Porque não sou olho não sou do corpo; não será por isso do corpo? Se todo o corpo fosse olho, onde estaria o ouvido? Se todo fosse ouvido, onde estaria o olfato? Mas agora Deus colocou os membros no corpo, cada um deles como quis. E, se todos fossem um só membro, onde estaria o corpo? Assim, pois, há muitos membros, mas um corpo. E o olho não pode dizer à mão: Não tenho necessidade de ti; nem ainda a cabeça aos pés: Não tenho necessidade de vós. Antes, os membros do corpo que parecem ser os mais fracos são necessários; E os que reputamos serem menos honrosos no corpo, a esses honramos muito mais; e aos que em nós são menos decorosos damos muito mais honra. Porque os que em nós são mais nobres não têm necessidade disso, mas Deus assim formou o corpo, dando muito mais honra ao que tinha falta dela; Para que não haja divisão no corpo, mas antes tenham os membros igual cuidado uns dos outros. De maneira que, se um membro padece, todos os membros padecem com ele; e, se um membro é honrado, todos os membros se regozijam com ele.»
I Cor, 12, 4-26 [nesta versão], no dia em que começa a Semana da Unidade.
Miguel Marujo
[actualizado: durante dois dias este post não esteve assinado, esquecimento brando; o título talvez já tivesse dado pistas...]
20 boas e verdadeiras razões para se votar sim no referendo do aborto
Porque é de esquerda Porque é um direito a mais que conquistamos Porque é um dever a menos que suportamos Porque os países civilizados tem Porque é sinal de modernidade Porque a Igreja é contra Porque é mais uma causa Porque é o principal problema deste país Porque assim está-se mais à vontade Porque assim controlo melhor o meu destino Porque a barriga é minha e só lá está quem eu deixo Porque já andamos nisto há uma porrada de tempo Porque eu choro e os fetos não choram Porque até fica bem no currículo Porque me convém Porque é mainstream Porque é mais um passo Porque eu quero Porque eles não querem Porque sim
No dia 12 de Fevereiro de 2007 as mulheres que não estavam presas por terem abortado vão poder sair em liberdade das cadeias onde não estão. Vai ser bonita a festa, pá.
Em Elvas (e Barcelos e Santo Tirso e Oliveira de Azeméis e Lamego e Torres Vedras) os meninos não podem nascer, mas vão poder ser abortados. Pelo menos, há alguma coerência.
Interrompo o meu silêncio neste blogue para me congratular com um facto inédito (ou quase). Pela primeira vez, que me lembre, em televisão e sendo o tema o aborto, ouvi um comentário/opinião decente, equilibrada e inteligente sobre esta temática. No jornal da 9, na SIC Notícias (aquele que me convenceu que o telejornal já não é às 20h e sim às 21h), Mário Crespo convidou um filósofo de nome Pedro Galvão (para mim desconhecido, mas não admira), da Universidade de Lisboa. Pedro Galvão lançou um livro intitulado "A ÉTICA DO ABORTO", na qual defende, do meu ponto de vista, a correcta perspectiva sobre a discussão deste tema: a decisão sobre o sim ou não no referendo do próximo mês deveria ser unicamente uma questão definida do ponto de vista ético. Então, a questão é muito simples: consideramos ou não o feto como vida humana? Tudo o resto são distracções.
O Cristão pode e não deve amar em Satan a rebeldia, o mal e o pecado, mas pode e deve amar nele a criatura mais horrivelmente infeliz de toda a criação, o chefe e o símbolo de todos os inimigos, o Arcanjo que foi um dia o mais próximo de Deus. Talvez que unicamente o nosso amor possa ajudá-lo a salvar-se, a tornar-se de novo qual foi no princípio, o mais perfeito dos espíritos celestes. Salvando-o do ódio de todos os cristãos, todos os homens serão sempre salvos do seu ódio.
Cristo amou os homens, inclusivamente os rebeldes e os corruptos e os bestiais, até ao ponto de tomar sobre si todos os nossos pecados, até ao ponto de morrer por nós de uma morte infame. Não poderá dar-se que Ele tenha querido libertar-nos da escravidão do Demónio, na esperança de que os homens, por seu turno, possam libertar o Demónio da sua condenação? Não poderá dar-se que Cristo tenha redimido os homens a fim de que estes, mediante o divino preceito de amar os inimigos, venham a ser dignos de sonhar um dia a redenção do mais funesto e obstinado Inimigo?
Um protestante nos Cem Grandes Portugueses de Sempre. A distinção vale o que vale - Hélio Pestana, Alberto João Jardim e Herman José são, entre outros, companheiros de quadro de honra. Mas acaba por ter algum sabor a justiça. Afinal, a tradução de João Ferreira de Almeida é o maior best seller da língua portuguesa.
da série de "afogo-me na fé" ou "ecumenismo straight" (4) - "Ama os outros, como a ti mesmo"
Poderia argumentar com a simples decência. Mas nada como ir às palavras do Messias. Acham os amigos protestantes que advogam a pena de morte que quando Ele nos mandou amarmo-nos como Ele nos tinha amado nos estava a desejar a morte?
O Mandamento do Amor foi o seu único mandamento e ele é obviamente incompatível com a pena de morte.
Sobre o célebre ponto 2267 do Catecismo da Igreja Católica que admite, ainda que apenas teoricamente, a pena de morte:
Como escrevi aqui, a minha consciência está de acordo com as versões espanhola e alemã deste ponto e em desacordo com as versões francesa e inglesa (pessoalmente fico muito satisfeito com mais este exemplo que demonstra que a Igreja Católica não é um bloco lógico, coerente e maciço de imposições completamente blindadas).
E estou em desacordo com as versões francesa e inglesa porque embora o que se diz nessas versões represente a condenação, na prática, dos países que têm a pena de morte no seu sistema jurídico, nesse malfadado ponto 2267 não se condena de modo absoluto e peremptório a pena de morte.
“O homem torna-se caminho da Igreja de modo particular quando o sofrimento entra na sua vida” escreveu João Paulo II na introdução da Carta apostólica Salvifici Doloris, em 1984. Nesse documento inteiramente dedicado à questão do sofrimento humano, o Papa reconhece, que por muito que se diga e escreva “o homem no seu sofrimento permanece um mistério inatingível (...) estamos conscientes da insuficiência e inadequação das nossas explicações”.
João Paulo II escreveu isto após ter sofrido o atentado. Estas páginas deixam adivinhar as interrogações do próprio Wojtyla, diante do seu sofrimento pessoal, bem como a misteriosa conclusão retirada da sua experiência: “Cristo introduz-nos no mistério e ajuda-nos a descobrir o porquê do sofrimento, na medida em que nós formos capazes de compreender o sublime do amor divino”
É neste contexto que o silêncio adquire também grande valor e que, um abraço a alguém que sofre pode significar mais que mil palavras.
in Aura Miguel, “Porque viajas tanto” Lucerna 2003 cbs
da série de "estou-me nas tintas" ou "efeminados trejeitos ecuménicos" (7) - o único mediador
"Cada um de nós há-de ser ipse Christus, o próprio Cristo. Ele é o único mediador entre Deus e os homens; e nós unimo-nos a Ele para oferecer, com Ele, todas as coisas ao Pai." (S. Josémaria Escrivá, Cristo que passa, ponto 120)
Graças ao sempre prestável leitor David Cameira, acabo de saber que Bento XVI não visitará Fátima pois considera mais importante aprofundar-se nos mistérios de Jesus Cristo. Já fazia falta um pouco destes ares germânicos à Igreja Romana.
Não deixa de ser curioso que, séculos passados sobre o abandono de Lutero, num pequeno e despretensioso blogue de um pequeno país em vias de retrocesso, se evidenciem as mesmas diferenças dos modos de pensar e viver a fé entre católicos e protestantes. Mas se os católicos aqui presentes são dignas amostras de um catolicismo latino, para quem a Santa Madre Igreja é tratada como todas as mães - com amor e respeito, mas sem fazer tudo o que ela manda -, já os protestantes portugueses deste canto blogosférico têm a sua inspiração do outro lado do oceano e não no centro da boa e velha Europa (coisa difícil de imaginar são protestantes latinos; parece haver uma impossibilidade ontológica). Assim, pululam as diversidades, sublinhadas com fervor pela minoria de modo a não se esquecer das razões da sua identidade, e é ver o peso da fé como salvo-conduto bastante para a salvação (ainda que se não se aprofundem as razões dessa fé, não se vá dar o caso de se encontrar a sua raiz na tradição recusada); uma quase idolatria da palavra da Bíblia como regulamento normativo (e o receio de que se esteja a “interpretar” o seu aparente sentido único, em desprimor do que foi a fresca teologia protestante, de Bultmann e Barth, por exemplo); e o inevitável mas paradoxal pelos magistérios (como se não os houvesse entre igrejas, pastores e teólogos de protesto); e outras minudenciazinhas, com tanta importância como estas. Do monitor ressalta aos olhos que há mais diversidade entre os católicos do que entre alguns católicos e os protestantes. Devo informar que, apesar de comunóide, sou um «divine office (moderately traditional) catholic». Na Igreja em que habito cabe uma grande variedade de modos de experimentar a Fé, de viver no mundo com o coração em Cristo. Chamamos a isso diversidade na unidade. Nesta grande mesa cabem o padre Mário Oliveira ao lado do Jardim Gonçalves, as beatas que adormecem na eucaristia encostadas aos católicos não praticantes (que nunca compreendi muito bem o que seja), os Jesuítas ao lado da Opus Dei, os católicos “de direita” e/ou pró-aborto a par dos católicos “de esquerda” e/ou anti-aborto, os muitos missionários e a Cúria Romana, os teólogos da Libertação entre os monges contemplativos e os párocos das grandes cidades. Tão grande e confusa é essa multiplicidade de olhares que, por vezes, dou por mim algo impiedoso (comigo e com os outros) e dogmático no meu catolicismo como forma (protestante) de delimitar as fronteiras. O que vale é que agora tenho um Papa a fazer esse trabalho por mim.
[Sobre a pena de morte de Saddam] «[...] Saddam Hussein’s regime was an abominable authoritarian state, guilty of many crimes, mostly toward its own people. However, one should note the strange but key fact that, when the United States representatives and the Iraqi prosecutors were enumerating his evil deeds, they systematically omitted what was undoubtedly his greatest crime in terms of human suffering and of violating international justice: his invasion of Iran. Why? Because the United States and the majority of foreign states were actively helping Iraq in this aggression.
And now the United States is continuing, through other means, this greatest crime of Saddam Hussein: his never-ending attempt to topple the Iranian government. This is the price you have to pay when the struggle against the enemies is the struggle against the evil ghosts in your own closet: you don’t even control yourself.» Slavoj Žižek, no New York Times.
Este blogue está cada vez mais parecido com um saco de gatos.
Isto não é uma crítica mas sim um elogio.
As minhas tendências inatas para o pecado sempre me levaram a simpatizar mais com os gatos, com as suas mudanças bruscas de humor e as suas traições frequentes e inopinadas, que com os cães, com a sua abjecta fidelidade e os seus prolíficos excrementos.
Penso que se Jesus tivesse que optar entre cães e gatos, também certamente optaria pelos gatos. Foi esse o exemplo que deu enquanto andou por entre os homens.
Já não são precisas mais mortes para lavar pecados. Por isso e para que Saddam tivesse a oportunidade de reflectir sobre os seus pecados e arrepender-se dos seus maus caminhos devia ter sido poupado.
Em 2000 e troca-o-passo, o senhorMartins , reformado, cansado das indulgências pagas com humanismo de porta-moedas (para as quais não encontrava fundamento bíblico) colou um post-it na porta da igreja da sua paróquia na Vidigueira. As 9 teses e meia, na maioria contendo o mais iracundo vernáculo, ainda permanecem naquele lugar. Alguma alma caridosa foi lá espetar uma pastilha eslástica mastigada quando o post-it perdeu a cola.
Contrabalançando o cristianismo incontinente dos católicos desta vizinhança
Perdido por cem, perdido por mil. Deixem-me usar aqui um rascunho de um texto que queria publicar na Revista Atlântico no número de Dezembro em jeito de "Uma Pena de Morte no Sapatinho". Faltou-me o talento e a dedicação para fazer das linhas seguintes um artigo condigno. Serve para o efeito:
"É vê-los a chegar de fisga na mão. Encavalitam-se um nos outros, convictos da sua própria encenação do roubo da peruca do Professor Dobbins. Conseguem mesmo materializar num longínquo vulto campestre o espírito de Tom Sawyer. Qual o motivo de tão lúbrica ansiedade? A presumivelmente fantástica contradição apontada aos que se opõem ao aborto ao mesmo tempo que apoiam a pena de morte. É caso para interromper a algazarra e questionar a petizada: o que tem o nu a ver com as alças? Experimentemos amolecer primeiro os corações. Winston Churchill, figura devidamente eternizada em bustos presentes em 61% dos escritórios dos consumidores da Revista Atlântico, defendia que os líderes nazis deviam ser poupados dos caprichos legislativos de Nuremberga. O rotundo britânico, tendo em conta a matéria infractora dos germânicos, sugeria-lhes o conforto imediato da execução sumária. Quando uma pessoa é condenada à morte não o é por avaliação objectiva da sua qualidade existencial. Aos tribunais não competem quocientes de valor da alma. Jesus ama as criancinhas e até os assassinos mas na magistratura ninguém tem nada a ver com isso. À justiça cabem os méritos dos actos. A defesa da pena de morte sustenta que um assassino pela consequência dos seus actos merece morrer. O caso do aborto tece-se noutro tear. O juízo ético sobre ele não se prende com a contabilidade dos merecimentos mas tão somente com a possibilidade de um dia o indivíduo intra-uterino a tal poder almejar. A oposição ao aborto sustenta que um assassino antes de consumar os seus actos homicidas merece viver. Não existe contradição lógica com a tese pró-pena de morte. Convém relembrar a importância da categoria kantiana do tempo. Que é como quem diz, o relógio serve para alguma coisa. O problema da defesa da vida em termos abstractos é que defenderá sempre uma vida que não a humana. Porque a vida humana não é abstracta. O que representa, afinal de contas, afirmar que se é permanentemente a favor da vida? Qualquer razoável opositor do aborto (como é o meu caso) não desdenharia aproveitar uma viagem no tempo e convencer a Mamã Hitler a abortar. Imagino-me, num alemão salivado, imprimindo todas as piruetas ao pião retórico do meu relativismo moral e obrigando a austríaca matrona a repetir comigo: "na minha barriga prussiana/ nenhum embrião fará cabana". Já agora, guarde as agulhas. O que coíbe de manifestar abertamente a minha conversão à causa da defesa da pena de morte? O mesmo que leva muitos a tentar a fortuna no Euromilhões – a probabilidade. A fatal margem de erro que pode condenar um inocente. O número. É a casca algébrica que me impede de testemunhar com a alegria da Estrada de Damasco o Evangelho da Pena de Morte. O próprio cristianismo desde cedo conviveu com a pena de morte, provavelmente para nos sugerir alguma cautela à emancipação precoce do humanismo. Quando era adolescente, e entre discussões febris em Acampamentos Evangélicos se mencionava o tópico, havia sempre uma boca pronta para referir em ritmo socrático que entre muita coisa que o Messias condenou, a pena de morte não foi uma delas (seria uma contradição narrativa inultrapassável: sem pena de morte o Salvador não poderia morrer por nós e, portanto, nenhum dos leitores da Revista Atlântico e nenhum dos não-leitores da Revista Atlântico se poderia salvar). Neste sentido, e embora não deseje forçar as matizes poéticas do meu argumento para além dos limites da flexível excelência académica desta publicação, pode dizer-se que em cada condenado à morte habita a sombra do Nazareno. "Morrer como Jesus morreu" já não quiseram cantar o Padre Zézinho nem o José Cid. Mal por mal consolamo-nos com o cancro da próstata."
Abrir a Bíblia. Uma ou duas páginas, depende da edição, depois do “não matarás” (Êxodo 20) a Lei dada por Deus a Moisés prevê a aplicação da pena capital. Parece claro que o sexto mandamento tem a ver com a relação entre indivíduos, não com a punição a dar aos infractores da Lei. Quero com isto dizer que a Bíblia apoia de forma inequívoca a pena morte? Não. Digo apenas que há, pelo menos, um espaço para debate franco sobre o assunto, longe dos tabus, dos dogmas e das ideologias.
da série de "afogo-me na fé" ou "ecumenismo straight" (3) - Não matarás
Sem dúvida que este blogue é verdadeiramente ecuménico: ver-me-ia mais facilmente num mesmo blogue com um fascista ou um comunista ou um ateu ou um neoliberal do que com alguém que defende a pena de morte. Mais ecuménico que isto é dificilmente concebível.
Deixem-me citar Slavoj Zizek, enquanto pensador insuspeito ao reflectir brevemente sobre a pena de morte, esquerdista e por isso muito longe dos "pró-bushistas" e dos "ideólogos da guerra sem olhar a meios e mentiras". Assim abrevia-se a tarefa longa de enumerar todos os filósofos cristãos centrais que ao longo de dois milénios conciliaram cristianismo e punição capital (e por que não referir a escandalosa omissão do próprio Jesus quanto ao tema? Sem essa mesma pena de morte o próprio Jesus nunca poderia anelar pelo sobrenome Cristo). Fala Zizek em "A Marioneta e o Anão - O Cristianismo entre Preversão e Subversão" (livro que ando a consumir desefreadamente) sobre o "espectáculo anémico de uma vida que já não passa de uma sombra de si mesma. É nesta perspectiva que devemos compreender a rejeição crescente pela pena de morte e sermos capazes de discernir a "biopolítica" subjacente que sustém essa rejeição. Os que defendem o "carácter sagrado da vida", que consideram ameaçado por poderes transcendentes que a parasitam, acabam num «mundo supervisionado onde viveremos certamente com toda a segurança, sem dor, mas esse será supremamente um mundo entediante», um mundo onde, por amor ao seu próprio desígnio - uma longa vida hedonista -todos os prazeres reais serão proibidos ou severamente controlados (cigarros, estupefacientes, comida...)".
Os Fariseus contaram com 613 leis (conforme o número de letras nos dez mandamentos) como se os dez originais não bastassem. Havia 248 leis "positivas" correspondente a cada parte do corpo humano (no seu entender) que indicavam as coisas que se deviam fazer. Os restantes 365, um para cada dia do ano, claro, eram os do "não farás." Quando confrontado com a questão de qual era a lei mais importante, Jesus respondeu com uma que englobava todas (e também os profetas). "Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu entendimento." De 613 a 1 num instante. Até percebo isto e mal consegui ter uma nota razoavel no cálculo.
No episódio da expulsão dos mercadores do Templo, julgava eu que a violência de Jesus poderia ser erradamente interpretada, isto é, levada à letra.
Até ver uns anúncios à TV Cabo que por aí andam espalhados em que surgem as mais diversas ameaças (tudo na brincadeira, claro!), qual delas mais cretina e repugnante, associadas à insatisfação de certos caprichos televisivo-consumistas.
Ocorreu-me pôr uma bomba debaixo do cú de alguém (tudo na brincadeira, claro!) para acabar com tais obscenidades.
Mas de quem?
Quem teve a ideia de criar tais obscenidades apenas é pago para isso. Quem as pagou também é pago para isso. Quem as colocou em exibição também é pago para isso. Os placards esses não têm culpa nenhuma da merda que colam em cima deles.
Mas estes anúncios são mais um mau presságio que me levam a estar pessimista em relação aos resultados do referendo sobre o aborto.
É que a área da publicidade é uma das mais científicas e rigorosas que existe. Movimenta muito dinheiro. Os anúncios só aparecem depois de se ter a certeza que irão ser eficazes. Os tais anúncios obscenos da TV Cabo aparecem apenas porque existem certezas sobre as cabecinhas que os lêem.
As mesmas cabecinhas que em certas faixas etárias dão nas sondagens uma grande vantagem ao sim ao aborto. É a geração morangos com açúcar. O grande capital financeiro instalado nas televisões privadas (e em outros meios de comunicação social) já fez todo o trabalhinho. Desde pequeninos que os tem intoxicado diariamente em doses maciças, com a colaboração por vezes involuntária dos progenitores.
E agradece aos pseudo-esquerdistas a legitimação política da continuação da dissolução de quaisquer valores sociais associados à solidariedade com os mais fracos e desprotegidos e à dignidade da pessoa humana.
É que os mais fracos e desprotegidos têm pouco valor no mercado. E a dignidade da pessoa humana é a maior ameaça à continuação da obtenção de avultados lucros na área da televisão privada.
O aborto é apenas mais uma peça de um puzzle.
E contra esse puzzle as bombas de nada servem. Apenas o amor.
Mas os efeitos deste, ao contrário das bombas, são profundos mas lentos.