Numa daquelas citações anedotárias e meramente atribuíveis, lembro-me que certa vez ouvi que Madre Teresa de Calcutá (penso eu), em dado lugar, a dada altura, quando deparada com a pergunta 'Que mais a atormenta neste mundo neste momento?' ter respondido qualquer coisa como isto:
'A Comunhão recebida na mão.'
Repare-se: não a fome, não a pestilência, não o aborto - mas a Eucaristia tomada de forma (segunda a mesma) indevida e irreverente. Li há tempos (ou será que ouvi citado?) Chesterton, que dizia - e continuo com paráfrases inacuradas - que a coisa que mais espanta o mundo é a frivolidade que é só própria dos santos. Não sei como não associar. Mas ainda há mais a retirar disto.
Ocorreu-me algo mais. Estes são tempos em que, por ênfases passados na salvação da alma eterna, é possível que tenhamos esquecido o pópulo terreno e a redenção dos aquis e agoras. A ressaca por vezes joga o jugo - com o mesmo pendor desajustado - no prato oposto e lá tentamos desequilibrar a justa medida do Deus que os hebreus chamaram (e nós chamamos também) 'Nossa Justiça'. Há, pois, que sempre lembrar: Sta Marta, a discípula do prioritário pragmatismo pietista foi desdenhada pelo Senhor em favor de Sta Madalena, essa que escutava a Palavra, tácita e contemplativamente; e que Judas Iscariotes - que decerto seria o padroeiro da Justiça Social - foi silenciado perante o banho perfumado que esta devota preferiu dar aos pés do Mestre, e não aos dos pobres, esses grandes beneficiários da economia religiosa.
No nosso zelo por alimentarmos os famintos que nos caiam aos pés, saibamos também jazer bem chãmente, de joelho dobrado e boca aberta, ao sermos alimentados de Eternidade. Porque nenhuma adoração é horizontal (homem-homem) sem que se tenha ajoelhado perante a verticalidade suma (homem-Deus).
É esta rendição humilde, de genuflexão solene e língua trémula de quem recebe o Sacramento, que nos fará prezar as humildades que repliquem esta dependência humana - demasiado humana. Assim, o nosso Deus parecerá divino - infindamente divino.
Nuno Fonseca Pro Christo et Humanitate |