sexta-feira, maio 11, 2007
Da Controvérsia.
Na antiguidade, a controvérsia era indissociável da inteligência. O facto de Platão erigir todo um pilar para a ciência ocidental em oposição a outro, o sofista, não é coincidente apenas. Na igreja primitiva, de mentes cristãs, ainda platonicamente leccionadas, tintaram-se confissões de fé, e constituiu-se uma ortodoxia a partir dos despojos duma guerra entre heresias várias espalhadas geograficamente, uma que achou eixo na cúria de Constantino. A própria trindade deve o nome à cunhagem de Tertuliano que controverte algo, alguém: Adversus Praxeam.

Sob o espírito do mundo, a assunção de que o controverso é sábio, parece-me válida logicamente. Porque sim, as civilizações humanas devem o seu engenho para o arado no experiência achada na fusão do metal para a lança de guerra, e a própria internet se patenteou para a transmissão radiofundida entre as avionetas da II Guerra. O intelecto humano, e até o pensamento mais íntimo, é fruto dum diálogo, que não raramente é de oposição. Veja-se o étimo: intellectus advém-nos do verbo intellegere, composto da proposição inter-, hoje 'entre', e a forma verbal de raiz, -lego, ou seja, 'escolher' ou, mais interessantemente, 'ler'. O que se cria intelectualmente é entrescolhido, entrelido. Confrontando um elemento e o diferente, a tese e a antítese, e lhe achando a síntese. Mas sempre convergindo, concordando ou conflituando.

'Quem não está comigo, está contra mim.
E quem comigo não ajunta, espalha' (Mt12:30).

Sob o espírito de Deus, que nos diz que 'Quem (...) não junta, espalha', apenas a concórdia serve o intelecto. A Escritura diz que 'o logos era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada se fez' (Jo1:2/3). Logos verte 'palavra', 'saber', e também 'lógica'. A Criação foi feita logicamente, então. Com um positivo e um negativo, um sim e um não universais e absolutos, segundo Deus. Ao provar-se do fruto da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal, manifestou-se o relativismo: o homem agora escolhia o que era bom e mau, em desrespeito à lógica, à ordem, à harmonia de Deus. A YHWH pertence a cosmocidade que une o todo em si, ao homem pós-adâmico cabe a caocidade, a desarmonia, a desordem, que parte de si e a nada chega, mas só difunde.
Sob o espírito de Deus, a controvérsia do éden original é o que nos mantém em espera do Reino.
Sob o espírito de Deus, que não está com ele, espalha. Quem com ele é, ajunta.

'(...) A palavra [logos] da cruz é loucura para os que perecem. Mas para nós, que somos salvos, é o poder de Deus. Porque está escrito: Destruirei a sabedoria dos sábios e aniquilarei a inteligência dos inteligentes. Onde está o sábio? Onde está o escriba? Onde está o inquiridor [suzetetes] deste século?' (1Cor1:18/9).

Suzetetes pode traduzir-se por 'polemista instruído', mas também por 'sofista'. É contra estes que a Escritura contesta: 'Graças te dou, ó Pai, Senhor do Céu e da Terra, que ocultaste estas coisas do sábios [sophos] e dos entendidos, e as revelaste aos pequeninos' (Mt11:25). Dito isto, a controvérsia, enquanto coisa dos sofistas e dos polemistas do mundo, não é legítima do sábio de Deus, esse que tem o conhecimento que conduz à vida eterna (Jo17:3), enquanto 'pequenino', que é a condição em que adentra o Reino esse que é filho do Pai (Mt18:3), e confia a ele o conhecimento do bem e do mal, sabendo que é por Amor paterno que o faz.
Entrescolhe, entrelê, inteligencia. Mas só a Ele ajunta e com Ele é.

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As niceias, os trentos da cristandade, não revelam o intelecto a que o sábio de Deus aspira. São concílios de polemistas, de controversos. Neste blogue, todos somos os suzetetes que espalham e não ajuntam. Prova duma igreja cristã irreconciliavelmente cisurada. Enquanto bloguer fui o maior dos suzetetes, mas lembro-vos que assim me preferem. Pois ignoraram os meus posts sobre a tolerância e gozaram o meu conceito de ecumenismo, um que dava o direito ao outro de estar errado e que se centrava na crença que a Igreja de Cristo será escolhida de entre as igrejas humanas e que nenhuma entre estas deve denominacionalmende reclamar a eleição divina.

No entanto, somam comentários à centena quanto às controvérsias que controverto e em quem me vejo controvertido: todo o post que pelo Nuno fale ou do Nuno diga, é pleno de infâmia e blasfémia. Se aspirasse eu a ser sábio do mundo, jubilaria. Mas como anseio ser um 'pequenino' perante Deus, lamento. Por mim e por todos, porque todos somos parte da controvérsia.

'Más conversações corrompem bons hábitos' (1Cor15:33).

Meditemos sobre isto. Pois se não é por mim, a discórdia sempre urge por intermédio de provocações duma e doutra parte a uma e outra parte, e este me pareceu ser o espírito do blogue, Tiago, um espírito de suzetetes, um espírito mundano, sim, que discute o divino, mas sofistamente. Contudo, e a título de exemplo, acho esperança no tipo de diálogo que travo com o Antonius Block, ainda comentador, com quem tenho discutido a Escritura com sinceridade e venho a aprender sinceramente sobre a perspectiva católica, oferecendo, por minha vez, considerações sinceras da leitura evangélica que temos, nós evangélicos, do Evangelho. Nisto, acho edificação.

'E até importa que haja entre vós heresias [seitas, cisões], para que os que são sinceros se manifestem entre vós' (1Cor11:9).

Não deveria ser este o mote do Trento na Língua?

Nuno Fonseca
posted by @ 11:35 da tarde  
3 Comments:
  • At 12 de maio de 2007 às 02:22, Blogger cbs said…

    "Pois ignoraram os meus posts sobre a tolerância e gozaram o meu conceito de ecumenismo, um que dava o direito ao outro de estar errado"

    É possivel que me tenha passado, mas não me lembro alguém ter gozado com o teu ecumenismo ou tolerancia, Nuno.
    Mas é por aí que, eu pelo menos, gostaria que fosses...
    A controversia exige dois, para haver contrários.
    Se à partida mostras logo sobranceria, com "certezas" e "factos", que fica a sobrar do outro lado? pouco...
    É a atitude Nuno, parece-me. De resto vamo-nos "com - preendendo", a ver se em vez de partir, a alvenaria se ajusta.

     
  • At 12 de maio de 2007 às 12:34, Blogger samuel said…

    "'E até importa que haja entre vós heresias [seitas, cisões], para que os que são sinceros se manifestem entre vós' (1Cor11:9).
    Nuno Fonseca

    Caro Nuno
    Estás a ver? Eu sempre tenho alguma utilidade...
    Manifesta-te, amigo!
    Paz.

     
  • At 12 de maio de 2007 às 14:27, Blogger cbs said…

    Pois Samuel, era isso que eu dizia ao Nuno.
    Mas acrescentaria uma pequena precisão... sinceridade.

     
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