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            | segunda-feira, fevereiro 09, 2009 |  
            | Intermediários |  
            | De um livrinho escrito há quase cem anos – “O Plano da Salvação”, de Benjamin Warfield, cito três parágrafos sobre o sacerdotalismo, uma questão “fracturante”, nem sempre perceptível, entre romanos (e ortodoxos) e protestantes. Esta é a perspectiva evangélica: 
 “Em primeiro lugar, o sistema sacerdotal separa a alma do contacto directo e da dependência imediata do Deus Espírito Santo como fonte de todas as suas graciosas actividades. Interpõe entre a alma e a fonte de toda a graça um corpo de instrumentos dos quais a faz depender; e assim entrega a alma à concepção mecânica da salvação. A Igreja, os meios de graça, tomam, no pensamento do cristão, o lugar do Deus Espírito Santo, e assim o crente perde a alegria e o poder que vem de uma consciente comunhão directa com Deus.”
 “Os dois tipos de piedade provocados pela dependência, quer de instrumentos da graça quer da comunhão consciente com Deus, o Espírito Santo, como Salvador pessoal, são absolutamente diferentes e esta diferença, do ponto de vista da religião vital, não é favorável ao sacerdotalismo. É por isso que, no interesse de uma religião vital, o espírito Protestante repudia o sacerdotalismo. E é este repúdio que constitui a verdadeira essência do Evangelicalismo. Precisamente o que a religião evangélica quer é a dependência imediata da alma de Deus, e só Deus, para alcançar a salvação.”
 “Em segundo lugar, o sacerdotalismo trata Deus, o Espírito Santo, fonte de toda a graça, com completa indiferença pela Sua Personalidade, como se Ele fosse uma força natural, operando não quando, onde e como Lhe agrada, mas uniforme e regularmente sempre que as Suas actividades são permitidas. Apresenta-nos a Igreja como “instituto da salvação” ou como “armazém da salvação”, com aparente inconsciência de que isso é o mesmo que falar da salvação como algo que pode ser acumulado ou armazenado para ser usado sempre que seja necessário.”
 
 Pedro Leal
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            | posted by  @ 12:10 da manhã  |  
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                    | 13 Comments: |  
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                              PedroAgradeço sinceramente o esclarecimento. Muitas vezes parecem-me minudências as nossas diferenças, contudo vou aprendendo convosco que há mesmo problemas de fundo.
 O sistema sacerdotal separa a alma do contacto directo; será “o repúdio (desse sistema) que constitui a verdadeira essência do Evangelicalismo.
 O sacerdócio (dito à maneira católica) é visto como uma mecânica instituída e interposta entre Deus e o homem.
 Não tinha ideia de que não eram só os santos, mas também toda a hierarquia sacerdotal que estava em causa; bem disseste algures “o único mediador é Cristo”. Trata-se de uma discórdia fundamental, de facto.
 
 Então já agora, levas com a perspectiva retirada do Catecismo católico:
 A igreja é apostólica, porque fundada sobre o “alicerce dos apóstolos” (Ef 2, 20, Ap 21, 14) testemunhas escolhidas e enviadas pelo próprio Cristo (parágrafo 857)
 Guarda e transmite com a ajuda do Espírito Santo, as sãs palavras recebidas dos apóstolos.
 Continua a ser ensinada, santificada e dirigida graças àqueles que lhes sucederam no ofício pastoral: o Colégio dos bispos, “assistido pelos sacerdotes, em união com o sucessor de Pedro, pastor supremo da Igreja” (Ad gentes 5)
 
 Mas não se deixa de afirmar que: Jesus Cristo é o único sacerdote da nova e eterna aliança, “não entrou num santuário feito pelos homens (…) Entrou no próprio Céu, a fim de agora estar visivelmente, em nosso favor, na presença de Deus” (He 9, 24) – (paragrafo 662)
 
 Trata-se também, penso eu, da preservação de uma identidade institucional – os protestantes também criaram novas formas de instituto - como base essencial da sobrevivência do Cristianismo
                            
                            
                              Olá, Pedro.
 Pois, pois ;) “Eu não sou nada, mas entre mim e Deus nada se interpõe” disse S. Lutero.
 
 Certo.
 
 Mas o problema da mediação é subtil. Há (quase) sempre mediações entre a nossa consciência e o que for; isto intensifica-se no caso da transcendência divina, exceptuando algumas prováveis vezes na oração silenciosa ou na quietude inconsciente das pedras vivas ;) O perigo parece-me o de confundirmos a mediação com o próprio Deus (uma forma de idolatria) ou, como muito bem expresso no texto, de tecnificarmos a mediação tornando-a condição necessária no acesso a Deus e na acção do Espírito.
 
 Por exemplo: a linguagem humana é sempre mediadora (incluindo a bíblica;)
 
 Quanto ao ponto final dum certo entendimento tecnocrata e administrativo dos sacerdócio ordenado, pois. Eu aqui sou um caso ecumenicamente grave LOL pois penso que neste ponto, os protestantes é que têm razão. A coisificação do Espírito que certo entendimento católico tem da administração dos sacramentos é idolatra e veladora do inefavelmente livre espírito de Deus. Mas lá está, o problema está nos modos da relação: se e somente se coisificarmos a acção divina nas acções sacerdotais.
 
 Por outro lado, a cada qual e a cada fase de cada qual, a gestão das mediações e passos no trajecto. Aqui é delicado, no sentido de não nos metermos no trajecto pessoal de cada um com Deus; o leite e a carne, dizia o outro ;)
 
 Seja como for, e terei de fazer um post acerca de tal quando tiver disponibilidade, a minha adesão ao catolicismo tem muito mais que ver com as questões clássicas da relação entre a natureza e a graça, e no caso do calvinismo, com a questão da predestinação (é por isso que, como já disse aqui algures, terei um dia de ler e aferir historicamente com muito mais atenção e oração do que tenho feito até agora, o calvinismo.)
 
 Não conheço este Benjamin Warfield, mas gostei muito da clareza deste trecho. Isto está editado em Portugal?
 
 Um abraço
                            
                            
                              VitorSuscitas-me uma questão (mal resolvida na minha testa); como conjugamos a evangelização com isto: "no sentido de não nos metermos no trajecto pessoal de cada um com Deus"?
                            
                            
                              Não percebo bem, cbs, terás de especificar. O anúncio de uma boa nova fundada em noções como "vida, via, verdade" é sempre dialéctico e mutuamente desvelador, e por isso permite aquela coisa da "inculturação" e da noção de "margem dinâmica" inaugurada com estes termos pelos jesuítas, par exemple.
                            
                            
                              é precisamente sobre esse aspecto da dialéctica. Apesar de haver uma diferença(pelo menos de tom) entre adaptação a outra cultura (aculturação) e re-criação (inculturação), parece-me difícil discernir onde começamos a "nos metermos no trajecto pessoal de cada um".
 
 E esta problemática leva-me também a pensar num segundo ponto: o Vaticano II em relação ao mundo ocidental; o "aggiornamento" trata-se de quê? aculturação? inculturação? ...
                            
                            
                              "(...) parece-me difícil discernir onde começamos a "nos metermos no trajecto pessoal de cada um"."
 claro. mas isso é assim em todas as relações pessoais ;)
 
 não conheço bem o Vat.II. dá-me sono LOL estilo: 380 frases de texto melífluo para dizer coisas que se dizem em três linhas, cheio de ambiguidades para satisfazer gregos e troianos, enfim, se calhar é isso o aggiornamento... conversa liberal e indefinida... bem, e isto da satisfação a gregos e troianos não é um mal por si, trata-se até da tensão de catolicidade, mas... conjugar o sacerdócio universal e a Igreja enquanto comunidade dos fieis, com a hierarquia romana tem muito que se lhe diga... e depois, nem uma vénia ao Lutero, a quem devemos metade da eclesiologia do Concílio é no mínimo falta de educação LOL
 
 parece-me que a ideia de "sinais dos tempos" e "reconhecimento da verdade fora da Igreja" tem que ver com inculturação no sentido alargado...
 
 PS: se encontrares nos textos conciliares uma vénia a S. Lutero, apita, para eu não ser injusto, visto que não li acordado todos os textos. mas duvido: os meus amigos protestantes ter-me-iam acordado e feito notar ;)
                            
                            
                              pois, é assim nas relações humanas.talvez a evangelização, como comuicação de uma mensagem, deva ser mais um convite e menos uma afirmação de saber. Mas tem de haver sempre afirmação.
 
 Quanto ao Lutero, dou-te razão, tanto mais que acho o Lutero um "romano" que prestou um bom serviço a Roma. Mas tá-se sempre a tempo Vitor, a ICAR levou tempo a pedir perdão aos judeus, pela inquisição... o tempo da Igreja não é o tempo apressado.
                            
                            
                              Vitor
 O edição que tenho, emprestada da biblioteca paterna, é de 1958. O livro vale a pena. Aborda Pelágio, Calvino, universalismo, etc, com uma arrumação quase matemática. Há uma passagem engraçada sobre o zigue-zague católico, as tais "380 frases de texto melífluo para dizer coisas que se dizem em três linhas, cheio de ambiguidades para satisfazer gregos e troianos". Warfield cita durante quatro páginas um teológo jesuíta sobre as crianças que morrem sem baptismo e termina aquilo com um enfadado "Basta!".
                            
                            
                              Pedrodesculpa lá, não consigo despir a camisola :)
 Uma coisa que levou mais de um par de anos, feita por um monte de gente, com mais de 60 propostas iniciais, reduzidas depois a 19 ou coisa que o valha; consubstanciada em 4 documentos constitucionais básicos e mais 12 (creio) documentos complementares, como queríeis vós que fosse simples, em duas ou três frases, e não reflectisse inúmeros compromissos.
 Na minha opinião, foi necessário e extraordinário o enquadramento e o rumo que saiu do Concilio.
 
 Depois, é assim, é-se preso por ter cão à porta - por não querer mudar - e é-se preso por o largar - por revolucionar a Igreja, como raramente aconteceu na sua história; a isso chamas zigue-zague, mas depois vem quem recrimine a Igreja por fazer poucos zagues, e insistir nos zigues.
 
 Não é uma visão simplificadora, meus amigos?...
                            
                            
                              Bem, mas eu também acho que o Vat. II é mais importante que o Vat. 69 LOL e que abordou de modo importante questões como a do ecumenismo e da intereligiosidade etc. Outra coisa é conseguir ler alguns daqueles documentos sem adormecer; e penso também que a conciliação de diferenças, que é fundamental, faz por vezes cair na incompreensibilidade discursiva. E aí ... conciliar sem se perceber como, bem, há-que dizer basta (não à eventual comunhão ou conciliação, mas à pretensão de discurso comum e unilateral que sem contradição consiga reunir determinadas oposições.) Prefiro saber que há diferenças do que escondê-las numa aparente conciliação que só os anjos compreendem ;)
 Obrigado, Pedro. 1958? Se calhar faria falta em Portugal uma editora "protestante". Enfim, eu leio inglês e vou aproveitar os links da Wikipédia, mas...
                            
                            
                              dito por miúdos: uma coisa é dizer que as diferenças X não separam no essencial, e outra dizer: não há diferenças, X é perfeitamente compatível logicamente com não-X, sem que ninguém veja bem como
                            
                            
                              vitor
 Não faltam editoras. Eventualmente podem é não publicar o que merecia ser publicado.
 
 cbs
 
 A minha crítica não vai para o volume do texto - a cultura latina é farta em palavras :). Nem apenas para os textos do Vaticano II. Lembro-me de uma vez anlisar, em grupo, o capítulo do baptismo infantil do Catecismo, e de ter ficado impressionado com o estilo "nem sim, nem não, antes pelo contrário". O estilo pode ser bom para manter o poder, porque nunca fecha qualquer porta, mas contrasta profundamente com a clareza ensinada por Cristo (Mateus 5:37). É esse estilo que critico.
                            
                            
                              Sim, Pedro, referia-me a algo do género. Boca: foi preciso esperar o padre Tolentino na Assírio para ver o Bonhoeffer editado LOL
 Relativamente ao poder, penso que é um pouco redutor falar dele in abstracto; o poder é como a mediação, a sua qualificação depende dos seus modos, do que se faz com ele, e como; ao serviço do quê estão as tuas forças, assim como as nossas dominações mútuas; e não fechar qualquer porta tem também um aspecto de humildade e caridade.
 
 O que não significa que o aspecto por ti focado seja falso, claro; as coisas são complexas ;) e a aferição "X, não-X, talvez Y" pode ser um método de aferição dessa complexidade. Tens toda a razão, quando tal é usado como estrutura que se pretende afirmativa e não-problematizante.
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Pedro
Agradeço sinceramente o esclarecimento. Muitas vezes parecem-me minudências as nossas diferenças, contudo vou aprendendo convosco que há mesmo problemas de fundo.
O sistema sacerdotal separa a alma do contacto directo; será “o repúdio (desse sistema) que constitui a verdadeira essência do Evangelicalismo.
O sacerdócio (dito à maneira católica) é visto como uma mecânica instituída e interposta entre Deus e o homem.
Não tinha ideia de que não eram só os santos, mas também toda a hierarquia sacerdotal que estava em causa; bem disseste algures “o único mediador é Cristo”. Trata-se de uma discórdia fundamental, de facto.
Então já agora, levas com a perspectiva retirada do Catecismo católico:
A igreja é apostólica, porque fundada sobre o “alicerce dos apóstolos” (Ef 2, 20, Ap 21, 14) testemunhas escolhidas e enviadas pelo próprio Cristo (parágrafo 857)
Guarda e transmite com a ajuda do Espírito Santo, as sãs palavras recebidas dos apóstolos.
Continua a ser ensinada, santificada e dirigida graças àqueles que lhes sucederam no ofício pastoral: o Colégio dos bispos, “assistido pelos sacerdotes, em união com o sucessor de Pedro, pastor supremo da Igreja” (Ad gentes 5)
Mas não se deixa de afirmar que: Jesus Cristo é o único sacerdote da nova e eterna aliança, “não entrou num santuário feito pelos homens (…) Entrou no próprio Céu, a fim de agora estar visivelmente, em nosso favor, na presença de Deus” (He 9, 24) – (paragrafo 662)
Trata-se também, penso eu, da preservação de uma identidade institucional – os protestantes também criaram novas formas de instituto - como base essencial da sobrevivência do Cristianismo