sábado, fevereiro 07, 2009
A fronteira entre o Bem e o Mal
De manhã, quando vou para o trabalho, passo por uma igreja que, àquela hora da manhã, embora aberta, costuma estar sempre vazia. Outras vezes tem uma ou duas pessoas. Normalmente, quando a igreja está vazia, em vez de rezar em silêncio, como faço quando se encontra lá mais alguém, rezo com um tom de voz médio como se estivesse a falar com alguém, seja porque sou um daqueles que gosta de ouvir a sua própria voz, seja porque me permite concentrar melhor na oração, seja porque gosto do som da oração a ecoar na penumbra da igreja.

Um destes dias, após me ter certificado com um olhar em redor, que mais ninguém lá se encontrava, começo a minha oração em voz alta a partir de uma das filas mais afastadas do altar como é meu hábito. De repente, vejo um vulto a surgir de um banco da primeira fila, um olhar furioso para trás e passo rapidamente ao modo mute, embaraçado.

Reconheci o vulto. Era um sem-abrigo que por vezes se encontra ainda a dormir na igreja num banco lateral quando lá vou à minha oração matinal. O cardeal do país onde me encontro - um país bastante frio - deu instruções para aquecer as igrejas e deixá-las abertas para os sem-abrigo lá se poderem abrigar se assim quiserem. Normalmente, no banco onde ele costuma estar a dormir, consigo vê-lo, e, consequentemente, rezo em silêncio. Contudo, por razões que ignoro (talvez para se sentir fisicamente mais perto de Deus), nessa noite tinha decidido dormir no banco da primeira fila (motivo pelo qual não o vi).

Eu deveria ter pensado nessa hipótese antes de ter começado a rezar em voz alta.

Mas existem sempre circunstâncias em que o Mal ocorrerá necessariamente como consequência das nossas acções, por mais cuidado que tenhamos.

O Mal não é apenas a consequência de uma escolha humana.

timshel
posted by @ 7:11 da manhã  
9 Comments:
  • At 7 de fevereiro de 2009 às 17:05, Blogger cbs said…

    Creio que só o homem é um sujeito moral. Decorre daqui que o "mal" natural, podendo ser visto como tal, como desumano até (o maremoto do suoeste asiático, por exemplo) não deve ser sujeito a cosniderações morais de bem e mal.

    Porque a noção de bem e de mal, é condição da consciencia. Também assim, nunca vi o natural como "bom" em si mesmo, e considero uma missão cristã, a humanização do mundo natural em que vivemos. O espirito eleva-nos, mas a animalidade puxa-nos para baixo...

     
  • At 8 de fevereiro de 2009 às 14:26, Blogger zazie said…

    08.02.2009, Vasco Pulido Valente

    Das 4400 paróquias da Igreja Católica portuguesa, à volta de um quarto (1100) não têm um pároco residente. A situação é pior no Norte, onde a população foi sempre mais devota, do que no Sul, onde, pelo menos desde o século XIX, ela sempre tendeu para uma certa indiferença. A falta de párocos faz com que muitos deles sejam encarregados de cinco ou seis paróquias, correndo de um lado para o outro sem, forçosamente, dar muita atenção a ninguém. Segundo o Diário de Notícias, em alguns sítios já se pensa mesmo em usar a Net. E com frequência os leigos tratam eles próprios das celebrações de domingo (excepto da missa, como é óbvio). Ainda por cima, a idade e a doença limitam a actividade e a presença de muitos párocos residentes, que não podem ser substituídos.
    Pouco a pouco, a Igreja vai desaparecendo do terreno no interior do país como, por outras razões, desapareceu das grandes cidades do litoral. O padre da província, que era o centro da comunidade, o conselheiro, o guia e, frequentemente, a influência política decisiva, deixou de existir. As Pupilas do Sr. Reitor e O Crime do Padre Amaro pertencem agora a um mundo morto, como o clero militante que criou Salazar e até 1980 ainda se via fulminando o "marxismo" (pseudónimo do PS e do PC) e pedindo o voto na Aliança Democrática. Em balanço, Portugal não ganhou muito com isso. Embora inimiga irreconciliável do jacobino e do comunista - e, pior ainda, da liberdade -, a Igreja trazia a uma vida local melancólica e estéril uma certa forma e uma certa regra, que a "modernização" acabou por liquidar.

    A chamada "crise de vocações" reflecte a nova riqueza, que por cá começou a chegar em 1960, e a genérica tolerância democrática que depois se estabeleceu. O seminário perdeu o extraordinário privilégio de ser o único caminho de promoção social. O padre perdeu o prestígio. E a Igreja perdeu o monopólio ideológico. Quem ia agora aceitar o sacrifício de si mesmo, quando se abriam oportunidades como nunca antes? Quem ia escolher a obscuridade e a renúncia, em nome de uma fé e uma moral, que cada vez menos gente respeitava ou seguia? O Papa Ratzinger imagina a Igreja do futuro como uma pequena minoria ignorada ou perseguida, à margem da ortodoxia do século. Provavelmente, não se engana. A julgar pelo que se passa em Portugal, esse grande exílio não está longe.
    ---------------

    E depois vê lá se o problema é a Igreja popularizar-se e alinhar naquelas festas semi-pagãs.
    Era bom, era. O problema é este.

    Beijocas

     
  • At 10 de fevereiro de 2009 às 14:16, Blogger Vítor Mácula said…

    olá, tim

    pois.
    a peculiar relação entre princípios e resultados.

    a crucificação de Cristo é eminentemente reveladora de tal e de tanto mais.

    abraço

    PS: olá, zazie, o Pulido Valente não pesca nada de cristianismo, pá. passa a vida a citar essa do Ratzinger, em pura tresleitura LOL

     
  • At 11 de fevereiro de 2009 às 02:46, Blogger zazie said…

    Olá Vítor.

    Eu não falei do VPV. Apenas dos dados. São ou não são números factuais?

    Se são, então tudo o que se tem dito acerca dos perigos da corrupção do clero pela proximidade das tradições pagãs, é pura treta.

    O problema é este- não existem. Mil e tantos lugares sem padre.

    E isso já eu dizia há anos, quando fiz as capelinhas todas de Portugal Continental e Ilhas.

    O retrato é este que o VPV se limitou a transcrever- paróquias ao abandono- os próprios cidadãos a terem de se encarregar das igrejas e até de ofícios.

    O VPV nem entra no caso. Podia ter-me limitado a transcrever o factual que era apenas a isso que me referia.

     
  • At 11 de fevereiro de 2009 às 02:47, Blogger zazie said…

    Podia ficar apenas a primeira frase:

    Das 4400 paróquias da Igreja Católica portuesa, à volta de um quarto (1100) não têm pároco residente.

     
  • At 11 de fevereiro de 2009 às 17:21, Blogger Vítor Mácula said…

    Olá, Zazie

    Sim, claro. O problema é que essa afirmação do Ratzinger vai na linha e no contexto de uma purificação da fé, e remete para uma aferição e apreensão do aspecto religiosamente positivo que a retirada do cristianismo da estrutura social, política e cultural constitui. O que vai na contramão duma preocupação com o retorno a hábitos culturais, sociais etc obrigatoriamente cristãos.

    Mas foi até um efeito colateral de te dizer olá como comentadora no Trento ;) O que também não é uma instigação para que comentes ou não. Simplesmente estavas aí, pá.

    E o Pulido até é das poucas coisas que leio no Público LOL

    bjoca

     
  • At 12 de fevereiro de 2009 às 11:47, Blogger Vítor Mácula said…

    PS: a questão histórica é: a Igreja é um devir do Espírito e dos homens, e como se pode ver pela sua história, como todo o organismo vivo, ela atravessa os tempos com a força que lhe é própria porque não se cristaliza, mas se renova constantemente, na confrontação da sua força originária com o tempo; isto não tem nada que ver com adaptações descaracterizadoras, que seriam também uma forma de morte; tem que ver com a relação viva do seu sentido próprio, com o evolver do mundo.

    PS 2: a Igreja é imperecível; os que gritam por cristalizações e formas descontextualizadas duma acção viva e presente e real, não passam de comadres assustadas LOL Não tenhais medo, dizia o outro ;)

     
  • At 17 de fevereiro de 2009 às 23:41, Blogger zazie said…

    Olá, beijoca para ti também.

    Eu desta vez estava a pensar numa coisa muito mais básica:

    Se ninguém quer ir para padre que se pode fazer...
    ":O?

    É daquelas coisas que só se critica de fora. Mas que fazem falta, fazem e muita.

     
  • At 18 de fevereiro de 2009 às 15:47, Blogger Vítor Mácula said…

    bem, há quem queira e vá ;)

    menos agora, sim; amanhã quiçá

    e aliás ou já agora, todos temos uma cota parte no que o futuro será.

    pois.

    bjoca

     
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