sexta-feira, fevereiro 06, 2009
III. Transcendente e imanente
Após Descartes (séc. XVII) a razão começou a autonomizar-se da fé. O filósofo ainda assentava a sua filosofia em ambas. Mas instaurou a dúvida sistemática como forma de pensar, inaugurando assim a ascensão da subjectividade (idealismo) na filosofia europeia.
Parece-me que a relação entre a religião e filosofia, depois entre religião e ciência – ou entre fé e saber – pode ser identificada no decurso da História da Teoria do Conhecimento, segundo duas ou três formas típicas:

a) A primeira, mais antiga, sustenta a identidade essencial entre o mundo sensível e o mundo supra-sensível (da metafísica), logo entre fé e saber; aqui a religião é filosofia, a filosofia é religião; podemos encontrar esta concepção no Neo-platonismo, no Gnosticismo, no Budismo e até nalguns modernos como será o caso de Spinoza.

b) Uma segunda concepção, dualista, separa completamente as duas esferas, a fé num mundo supra-sensível, e a razão do mundo fenomenológico. A mudança começa em Descarte, mas em rigor foi Kant o fundador desta concepção, segundo a qual todo o humano transporta já em si conceitos (idealismo transcendental), com os quais interpreta o mundo. Para Kant não é possível chegar à essência do ser (nómenos) porque as nossas estruturas cognitivas inatas (estruturas transcendentais do pensamento) limitam o conhecimento aos fenómenos; o conhecimento deriva da experiencia, mas sujeito às categorias do entendimento à priori, como o tempo e o espaço ou a causalidade, que ordenam os dados da experiencia. O conhecimento assim adquirido, sendo limitado e não sendo a realidade, é segundo Kant, verdadeiro e universal.

A partir do criticismo Kantiano, passa a ser a filosofia a levar (ou não) a Deus, mas trata-se de um Deus geómetra, abstracto. A religião fica restrita aos limites da imanência (da razão); o transcendente é excluído, não há um saber do supra-sensível, e a metafísica fica impossível como ciência.
Este discurso característico da modernidade, teve como consequência a autonomização do homem – chamaram-lhe humanismo. Desligando-se da fé, coloca a vida na temporalidade, e a religião como uma mera necessidade humana; mesmo quando admitia a existência de Deus (caso de Voltaire), questiona sempre a revelação divina. A razão torna-se numa via suficiente – intelectualismo – para assegurar da existência de Deus – deísmo – desconsiderando para tal, os dogmas de fé comuns às religiões teístas.

c) Mas essa separação entre a fé e a razão característica do mundo moderno, será mesmo definitiva, como Kant pensava?
Cremos existir uma terceira hipótese que, em lugar de afastar a fé, aceita esse dualismo seguindo numa direcção divergente: mantendo fé (religando ao transcendente) equilibrada com a razão (um caminhar imanente), como complementos com diferença de tonalidade, mas próximos, como duas faces dum mesmo rosto… aqui, o espírito religioso serve-se da razão como meio de pôr o vivido na ordem exigida pela natureza, mas serve-se da fé para o viver integralmente, à medida que se vai tornando senhor dessa ordem.
Julgo ser esta a marca da tradição cristã.
Cbs à Mc

posted by @ 11:07 da tarde  
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