domingo, fevereiro 08, 2009 |
Dos valores degradados: um auxílio inopinado de Nietzsche… (2) |
É o próprio Nietzsche quem, apoiado na filologia genética, nos explica duas coisas: a) Que toda a cultura ocidental é banhada pelo Cristianismo, mesmo a Ciência com a sua verdade científica, mesmo o Ateísmo com a sua verdade de consciência. b) Que a negação de Deus deixou órfã a moral laica, a qual perdendo a referência de origem, acaba necessariamente vazia na crise do niilismo
Para o filósofo, no momento em que o homem nega Deus, e consequentemente os valores de Deus, deverá aprender a ver-se a si mesmo, como criador de valores; quando percebe que não existe eternidade para além da vida, deve assumir os valores da própria vida que são de luta, de alegria e de vitória sobre o mundo (paganismo dionisíaco), a negação da auto-supressão ascético-cristã.
Eu diria que o filosofo escolheu o egoísmo em detrimento do altruísmo, o que por si só, já nega qualquer valor, uma vez que o conceito de moral implica um grupo, uma sociedade, onde as regras se apliquem; o indivíduo exercendo a sua vontade única e sem peias, nega a possibilidade real de valores morais. Para além do Bem e do Mal apenas existe o nada, a perda completa de referências, o relativismo e a arbitrariedade... Contudo, podemos igualmente dizer, que aceitando Deus transcendente, não um deus imanente, e retomando os valores cristãos subsumidos no Amor ao próximo, poderá o Homem transformar o estado de niilismo em que mergulhou ao separar a fé e o saber. Na realidade, o núcleo do pecado humano na perspectiva cristã, é a pretensão de substituir o único Deus verdadeiro, por outros deuses, sejam eles forças cósmicas, sejam sistemas ideológicos, sejam outros seres humanos, ou até cada sujeito humano, feito deus de si mesmo. A critica ao niilismo - que resultou da secularização ateia, e notemos aqui, que a América do Norte é exemplo de uma secularização diferente, bem conjugada com a religião – sem recorrer ao Super-Homem de Nietzsche, pode realizar-se em nome de uma relação equilibrada com o sagrado – só Deus é Santo… - e de uma compreensão correcta do mundano e do humano: nada de imanente pode ser absoluto ou divino em si mesmo. A valorização ou sagração do mundo humano apenas encontra fundamento na relação com o Criador, constituindo uma mediação, nunca um fim em si. Por outras palavras, a sacralização, como mediação do único Sagrado verdadeiro e transcendente, é que pode constituir alicerce da verdadeira secularização; o temporal é assim colocado no seu lugar: imanente e relativo, finito e passageiro. cbs
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posted by @ 3:37 da tarde |
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5 Comments: |
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Cbs,
estás com as melhores intenções, eu sei. Mas eu não me atreveria a reduzir a obra de Nietzsche a uma apologia do egoísmo.
Olha que ele critica uma religiosidade mais do mágico e do exterior ao próprio homem do que propriamente ao cristianismo que dimana dos Evangelhos. Porque esse estava muito arredado das práticas religiosas contemporâneas de Nietzsche.
Lá volto eu, :) criticar uma coisa não é o mesmo que pretender suprimi-la.
O homem salva-se em comunhão, mas na fé em um Deus pessoal. Um Deus que age no mais íntimo que o homem tem e é.
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Mc Podes dizer que sou anti-nietzsche, sim; penso que, com os outros pensadores “da suspeição” (Marx e Freud… e Sarte, e Russel, e por aí fora) ampliaram o saber dos homens, mas com enorme responsabilidade no afastamento da religião e na ascensão do materialismo do século passado. Mas digo (creio que já o disse aqui) que em Friedrich Nietzsche simpatizei com a poesia, com o anti-racionalismo, o amor à vida, a revolta perante a mesquinhez humana e a análise crítica moral ocidental (nesta ultima discordo das conclusões como já escrevi); Depois, contesto nele, a teoria do eterno-retorno (pilar fundamental da sua filosofia) e repúdio, a separação da humanidade em fortes e fracos, em mestres e escravos, a negação da transcendência e de Deus, o ataque – e a agressividade desse ataque – à Ciência e ao Cristianismo, e abomino mesmo a meta do Supra-humano como ele a coloca; o Supra-humano para mim é Cristo. Vejo uma incompatibilidade absoluta entre a moral cristã, altero-centrica e a proposta por Nietzsche, ego-centrica. Nietzsche, no fim é um desgosto, a minha simpatia começa em Sócrates (desdenhado por Nietzsche), passa pela filosofia cristã e funda-se em Bergson, passando por exemplo por Marcel, e chega ultimamente a Michel Henri. Sou assim… com todos os meus limites. PS: já leste o anti-cristo?
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Em toda a filosofia os termos são de multiplos significados, mas em Nietzche, julgo que pela formação filológica dele,torna-se tudo ainda mais equívoco... No entanto o ataque à moral cristã, dos fracos, feita no ANti-cristo é bastante objectiva e simplificadora.
Por coincidencia, parece andar por aí de novo um anjo negro, que o defende com as unhas todas... na volta temos por aí umas cena ;)
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já li o Anticristo, já. Não foi de ânimo leve que o li, mas vi nele mais uma forte interpelação ao cristianismo com que Nietzsche tinha contacto, do que ao cristianismo que tantos cristãos vivem e eu posso testemunhar.
Nietzsche também diz cobras e lagartos da mulher e do casamento. Como mulher não me sinto atingida, mas reconheço traços do ser feminina que são passíveis de ser duramente contestados.
Acho o "Assim falavra Zaratustra" um belo poema do ser humano.
Nietzsche como alguns dos que citas foram importantes para parafraseando Bonhoeffer:"O vento fresco do resplendor do intelecto irrompe salutarmente no meio dos preconceitos, da presunção social, de formas falsas e de um lânguido sentimentalismo. A honestidade intelectual em todas as coisas inclusive nas questões da fé; foi o património precioso da ratio libertada e faz doravante parte das exigências morais do homem ocidental."
E ainda:"Em virtude de um direito eterno da sua natureza, o homem liberta-se da coerção obtusa, da tutela do Estado e da Igreja, da opressão social e económica, reivindica o direito à dignidade humana... O poder centralista e absolutista, a tirania espiritual e social, os preconceitos e os privilégios ligados à classe, as reividincações de poder por parte da Igreja, desmoronam-se sob este assalto"
Pensa nos episódios correntes da Igreja, e diz se não nos compete a cada um, vigiar a forma como a estrutura actua e governa.
Isto é um diálogo (esta troca de comentários), Cbs, onde apenas, cada um se compromete com o que profere. Tens todo o direito de não gostar do Nietzsche e eu de o contestar. :)
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"O vento fresco do resplendor do intelecto irrompe salutarmente no meio dos preconceitos" ou "A honestidade intelectual em todas as coisas" são coisas de que eu gosto em Nietzsche (gostei especialmente do Nascimento da Tragédia e da Genealogia da Moral). Onde o condeno é no dominio moral, aliás com a mesma honestidade que lhe reconheces; e é ele próprio quem afirma a incompatibilidade com o Cristianismo (o mesmo que digo e repito)e não apenas com padres e liturgias, mas com os valores profundos mesmo; exemplo, a humildade é negada e a caridade é escarnecida...etc.
Mas, é um facto que, enquanto por exemplo, apenas discordo de Kant ou de Hegel, com Nietzsche sinto desgosto; sinto-me ofendido, é verdade. Tenho no entanto a noção de que qualquer destes homens são gigantes do pensamento, e que a minha ignorancia nem os pode beliscar. Tenho também de ser honesto comigo, mesmo consciente dos meus limites. E claro que sim Mc, isto é apenas uma conversa de café entre amigos, neste caso de blog...
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Cbs,
estás com as melhores intenções, eu sei. Mas eu não me atreveria a reduzir a obra de Nietzsche a uma apologia do egoísmo.
Olha que ele critica uma religiosidade mais do mágico e do exterior ao próprio homem do que propriamente ao cristianismo que dimana dos Evangelhos. Porque esse estava muito arredado das práticas religiosas contemporâneas de Nietzsche.
Lá volto eu, :) criticar uma coisa não é o mesmo que pretender suprimi-la.
O homem salva-se em comunhão, mas na fé em um Deus pessoal. Um Deus que age no mais íntimo que o homem tem e é.