domingo, julho 20, 2008 |
A razão da Morte e o abraço da Vida |
Deste modo se verificam duas pressuposições fenomenológicas maiores, a saber, que é a vida na sua materialidade fenomenológica carnal que define a realidade e, ao mesmo tempo, a da acção, visto que se trata de uma acção real (e não de uma actividade ideal como a que consiste em manejar significados). Porque constitui o lugar de toda a acção real, a carne define também o lugar da salvação, a ser verdade que este ultimo não consiste, segundo o Evangelho, num dizer, mas num fazer – “não basta dizer-me: Senhor! Senhor! Para entrar no reino dos céus*, mas é preciso fazer a vontade de meu Pai que está nos céus” (Mateus 7, 21) – não consiste num saber do tipo cognitivo, mas na transformação prática de uma carne que, deixando de se entregar ao culto de si, só viverá, doravante, da Vida infinita que a deu a si mesma, logo desde o início, e não cessa de se dar a si, até na idolatria. Razão pela qual o Verbo assumiu uma carne finita como a nossa, porque esta se tinha tornado presa do pecado e da morte. A carne, com efeito – mostrámo-lo longamente – abre o dimensional onde, produzindo sobre si mesmo, na relação tocante-tocado, as sensações do seu desejo, o homem tem o poder, que a si se atribui, de ele próprio advir e fazer o que quiser. E assim, duplamente adorar-se a si mesmo, quer neste pretenso poder, quer nos seus prazeres. É esta adoração de si que conduz á morte, porque aquilo que é adorado – este pretenso poder ou as sensações que ele causa – não têm, precisamente, o poder de se dar a si mesmos, de se dar a Vida. E assim, ao adorá-los, é a sua própria fraqueza que o homem adora, é à sua finitude e à sua morte que se confia. Ao encarnar-se, o Verbo tomou pois, sobre si o pecado e a morte inscritos na nossa carne finita e destruiu-os ao morrer Ele próprio, na cruz. O que é, então restaurado, é a condição original do homem, o seu nascimento transcendental, na vida divina, fora da qual nenhuma vida vem à Vida.
Michel Henry, Incarnation, une philosophie de la chair, Éditions du Seuil, 2000 Lendo o Michel Henri, parece-me que consigo ultrapassar o que Bergson deixou incompleto na sua ambicionada filosofia concreta, e que depois a fenomenologia (Husserl e Heidegger, essencialmente) foi incapaz de revelar: a impressão, o elemento simples da vida; Henri veio repescar a fenomenologia, mas inverteu o percurso. E ao "vazio" da transcendência fenomenológica tradicional, Henry opõe uma fenomenologia material, concreta e saturada de experiência, em concordância com a verdade da Revelação Cristã (o Verbo religou-se à carne). Como de costume, o meu espírito pouco orientado, encontra no texto postado um indício de resposta à pergunta da MC: "Não será que, quando nos virmos confrontados com todas as nossas faltas de amor (crimes) seremos nós próprios os nossos juízes?", sobre a ideia antropomórfica e ratzingeriana de um juízo final. Creio que o afastamento ou aproximação de Deus determina a Morte ou a Vida e estabelece o juízo. Só será final, no sentido de que, só no fim fica fechado... ainda assim, acredito que o poder infinito da Graça divina, pode resgatar da morte, mas a verdade é que nada sei... Devo acrescentar que invocando o Henri da “Arquivida”, um pouco traiçoeiramente, aproveitei-me de não estar cá o Vítor, para me dar no toutiço. Tenho a certeza que não perco pela demora, lol cbs
* este indígena confessa humildemente que já se rendeu à afirmação da Hadassah, de que nem todos os humanos são “filhos de Deus”; o sentido que eu dava antes ía no sentido de criaturas de Deus, mas é verdade que difere no Evangelho, da expressão “filhos de Deus”: "Mas, a todos quantos o receberam [Jesus], aos que crêem no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus" (João 1: 12); outra cousa, espero que desta te agrade a imagem querida Hadass, é da Barbara Februar, chama-se Passion... notas-lhe o perfil?
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posted by @ 6:07 da tarde |
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7 Comments: |
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só mesmo o Vitor para te dar no toutiço. Eu sou demasiado básica para te "apanhar".
Sobre estas coisas podemos dizer muitas verdades, porque Nosso Senhor, do modo como fez as coisas, não nos dá outra hipótese.
O teu post, tem vários caminhos por onde avançar. Vou escolher um:
Se acredito em Deus criador, não posso conceber nada "fora" dele. assim sendo, uns não são filhos outros enteados. Os Evangelhos dão algumas pistas, e o versículo de João que citas, é disso um exemplo. Mas não esgota (porque é impossível) a verdade sobre Deus.
Parece indicar que não basta professar com a boca e o espírito que se crê em Deus. É preciso é agir. Amar.
Mas eu consigo lá acreditar num Deus que não vá até à exaustão divina (coisa infinita, portanto) e se move até conseguir "resgatar" todos os filhos dispersos para Si?
E venha-me o Ratz, mais todos os eminentes filósofos, místicos, santos e anjos convencer-me do contrário.
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ó MC, de básica não tens nada... e o Vitor tem (in)formação filosófica, que eu não tenho. No entanto, estas questões são de pensar e nisso somos todos iguais. Salvo quando teimamos, o que me acontece por vezes, lol
Quanto às questões: - do "agir", sim - do resgate... dizes o que eu digo, que o Pai pode o que quizer...
mas os argumentos lógicos são fortes: - pode Deus contradizer-se, garantir algo e fazer o oposto? - dada a Liberdade, como salvar alguém que recusa? - havendo um Fim, como alterar as consequencias dos actos?
já para não questionarmos o prolema do Mal, como pode Deus permiti-lo?
Tudo isto é clássico, tudo, mas a argumentação que temos é muito pobre, não compreendemos... daí a Filosofia ;)
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tu vai-te catar mais as tuas questões! :) a mim não me calhou nenhuma costela do S. Tomás de Aquino. :(
Deus deu-te algumas garantias? Escreveu uns arabescos para o Moisés interpretar e quando ele lhe perguntou quem devia dizer que lhe tinha dado o recado, deu-lhe a resposta que sabemos.
mas sabes a que é que eu acho graça nisto tudo? são as nossas questões de quem se salva ou não salva. Acaso Deus entregou-nos essa tarefa? Nem a da nossa própria, parece-me.
Para o problema do Mal, temos a mesma solução: quando soubermos o que é o Bem...enquanto isso, filosofemos, façamos perguntas, amemos, trabalhemos...Deus providenciará ;)
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Querida Mc Não consigo evitar responder-te, pois agora fiquei eu desassossegado ;)
Vou-te dar mais uma "ingenuidade", a minha visão a vida. Na minha visão, a vida assemelha-se muito a uma viagem, que nos foi oferecida num pequeno veículo espacial, feito de carne e nervos, a que chamamos “corpo”, com o qual somos senhores do destino; nesse veículo, inclui-se um “gadget” extraordinário, um super computador no topo do pescoço, capaz de conseguir coisas “impossíveis” (daí a importância enorme de pensar); também nos foram dados companheiros de viagem (outro dom) que vão entrando (e saindo) em cada porto, mas que quando estão para aí virados, são verdadeira ajuda celeste; também temos mais um dom, um limite de duração, que longe de nos prejudicar, ajuda, pois obriga-nos a mexer antes que acabe o “combustível”. O nosso computador de carne e nervos funciona segundo um programa binário de zero e um, isto é, prazer e dor. A questão é alinhar o programa, com os valores que nos permitam chegar a alguma Meta; ora aí é que entra Ele, mais vezes até do que um “Deus silencioso” o faria. Esses valores revelou-nos Ele nas Tábuas a Moisés, muito precisa, (não te compreendo as dúvidas) mas se as houve, o nosso querido Jesus simplificou: Amar o Criador, o Si e o Outro. O Bem não será palavras, ou significados, no fundo apenas instrumentos, como um qualquer “software”. O Bem será Amar, isto é, a “melhor acção possível” ajudando alguém (o próprio incluído) a atingir o seu “Norte”. E a vida não tem preçário, mas é-nos dada de borla, todos os dias. Compete-nos a nós alinhar os valores na “máquina”, ser congruente e agir, digo, caminhar para Norte sem nos perdermos... Aí tens, mais uma ingenuidade que ofereço eu… confiando, sem medo, que se houver azar, Ele providenciará (como já fez tantas vezes) :) *
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CBs,
eu não queria aludir a nada de extraordinário; apenas à complexidade da vida.
- Nâo matar. Quantas vezes não matando, tirei vida. E esta e aquela opçáo. Levam à vida ou à morte?
O meu veículo ainda nem chegou à era do carvão, quanto mais do computador ;)
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Cbs...depois arrependi-me do meu comment ...é só uma questão de gosto relativamente a cores...não gosto de imagens escuras, ocre e vermelho...mas gostei deste abstrato e até detectei o perfil...mas só porque me alertás-te...:) E tu aproximas-te de Deus...mas só porque te alertei...eh eh eh (estou a brincar).
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Yes Hadas, apesar de teimoso, aqui vou conseguindo crescer alguma coisa :)*
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só mesmo o Vitor para te dar no toutiço. Eu sou demasiado básica para te "apanhar".
Sobre estas coisas podemos dizer muitas verdades, porque Nosso Senhor, do modo como fez as coisas, não nos dá outra hipótese.
O teu post, tem vários caminhos por onde avançar. Vou escolher um:
Se acredito em Deus criador, não posso conceber nada "fora" dele. assim sendo, uns não são filhos outros enteados. Os Evangelhos dão algumas pistas, e o versículo de João que citas, é disso um exemplo. Mas não esgota (porque é impossível) a verdade sobre Deus.
Parece indicar que não basta professar com a boca e o espírito que se crê em Deus. É preciso é agir. Amar.
Mas eu consigo lá acreditar num Deus que não vá até à exaustão divina (coisa infinita, portanto) e se move até conseguir "resgatar" todos os filhos dispersos para Si?
E venha-me o Ratz, mais todos os eminentes filósofos, místicos, santos e anjos convencer-me do contrário.