sexta-feira, julho 11, 2008
Cânon da crítica: o aborto
Peter Seewald: A Igreja, assim diz o Papa, continuará a opor-se com veemência a todas as medidas que favoreçam, de algum modo, o aborto, a esterilização e também a contracepção. Tais medidas feririam a dignidade do ser humano como imagem de Deus e minariam o fundamento da sociedade. Trata-se, fundamentalmente, de proteger a vida. Por outro lado, porque não exclui a Igreja ainda a pena de morte como direito do Estado, como se diz no Catecismo?

Joseph Ratzinger: No que diz respeito à pena de morte, quando aplicada de direito, pune-se alguém que é culpado de crimes que se provou serem muito graves e que também representa um perigo para a paz social; é portanto punido, alguém que é culpado. No caso do aborto dá-se a pena de morte a alguém que é absolutamente inocente. São duas coisas completamente diferentes (…)
É verdade que a criança que não nasceu é considerada por alguns como um agressor injusto, que limita o seu espaço vital, que invade a sua vida e que tem que ser morta, como se mataria um agressor injusto. Mas esta é a perspectiva da qual falamos antes, segundo a qual a criança já não é considerada como criatura de Deus, à imagem de Deus, com o seu próprio direito à vida, mas pelo menos, enquanto não nasceu, surge, de repente, como inimigo ou como obstáculo, dos quais se pode dispor. Julgo que se trata simplesmente de clarificar a consciência de que uma criança recebida é uma pessoa, um indivíduo.
Que é uma pessoa que se distingue da mãe – mesmo que precise da protecção do corpo da mãe – e que, por causa disso, tem de ser tratada como uma pessoa, porque é uma pessoa. Julgo que abandonamos realmente o fundamento dos direitos humanos se desistirmos deste princípio segundo o qual cada pessoa, é subtraída à nossa arbitrariedade.

Seewald: Mas pode-se dizer que alguém que, num conflito de consciência extremo, se decide por uma interrupção da gravidez, seja um conspirador conta a vida?
Ratzinger: A questão de saber como se divide a culpa pelas pessoas é sempre uma questão que não se pode decidir de forma abstracta. Mas nós dizemos que o acontecimento enquanto tal – seja quem for que tenha levado a essa situação, porque também pode ter sido pressão exercida por homens – é, essencialmente, que se mata uma pessoa para resolver uma situação de conflito. E isso nunca resolve conflito algum.
Também sabemos pelos psicólogos, como tal acto fica gravado na alma da mãe, porque ela sabe que um ser humano estava nela, que teria sido seu filho (…)
Claro que a sociedade deve ajudar a pôr à sua disposição outras possibilidades para resolver a situação e ajudar a fazer com que acabe a pressão exercida sobre as futuras mães (…)
(Salz der Erde, 2005)
cbs

posted by @ 12:07 da tarde  
7 Comments:
  • At 11 de julho de 2008 às 18:33, Blogger maria said…

    Primeiríssimo ponto: também acho o aborto um mal.

    Mas convinha que fóssemos honestos nestas coisas. Para termos o mínimo de credibilidade. Chamar criança a um ser não nascido é desinformar.

    Depois, não sei como é que se pode apelar que um criminoso por maiores que sejam os seus crimes, não seja um ser querido por Deus. Isso deita por terra a mensagem cristã.

     
  • At 11 de julho de 2008 às 19:56, Blogger zazie said…

    Para o Peter Singer (um dos teóricos frankenstóinos muito em moda- o do enbrião-macrobiótico) não só não é criança como se pode equiparar os seus direitos aos de um macaco ou de um rato.

    Abortam-se macacos e ratos, até x semanas.
    Por estranho que pareça, se não forem abortados, não nascem macacos nem ratos.

    Mas é melhor não repetir a conversa que foi à custa disto que apareceu uma mãe de um mongolóide a pedir batatinhas ao Lutz e eu é que apanhei com as culpas e fui saneada.

     
  • At 11 de julho de 2008 às 19:58, Blogger zazie said…

    o mongolóide foi por se ter alargado o conceito frankenstoino do Singer ao que não sente ou "não é dono de uma razão consciente".

    Tudo coisas altamente filosóficas e bué de científicas.

    Foi com estas qeu até houve frente pelo SIM por parte dos católicos progressistas.

    Mas ninguém gosta que se recordem misérias.

     
  • At 11 de julho de 2008 às 20:02, Blogger zazie said…

    No entanto eu ando com vontade de as fazer recordar mas é por outra coisa. Pela propaganda contra o perigo do Citotec, dos comprimidos abortivos do aborto clandestino.

    Ainda deve estar post online do Daniel Oliveira. Até tinha foto do comprimido e tudo.

    E agora já vão à tv contar que abortam assim por "oferta hospitalar".

    Quando eu disso que ia ser assim porque tinha informação interna por parte de médicos (e um deles militante pelo SIM) também se fartaram de me insultar.

    Essas tretas estão todas online.

     
  • At 12 de julho de 2008 às 14:33, Blogger cbs said…

    MC
    Gostei muito de reler o Sal da Terra, um livro que comprei aquando da entronização do Ratz como Papa, mas onde ele ainda surge como Perfeito da Congregação para a Doutrina da Fé. Há um capítulo onde se passa em revista o que ele chama de Cânon da Crítica à Igreja Católica, e onde as respostas me parecem veicular com precisão sintética a posição oficial. È por isso que resolvi fazer de cada resposta um post, porque abarca a maioria dos pontos críticos com actualidade, mas como já disse abaixo ao Pedro, estou a colocar a posição do Ratz, que acho sempre inteligente e informada… mas não é necessariamente a minha – na questão contracepção divirjo mesmo muito. No entanto, o Ratz tem sempre uma argumentação excelente (ao contrário da minha) e que nos leva a reflectir, mesmo quando não concordando. E não tenho de todo a ideia, que parece ser a do Vítor, de que o homem nos ilude, e fala com uma espécie de reserva mental, acho-o sincero.

    Quanto a esta questão do aborto

    Estou de acordo contigo, é um mal. A questão de chamar criança a um feto não me parece muito importante, e parece-me mais relevante o conceito de que existe uma vida autónoma e distinta da mãe a partir do momento da concepção; o conceito de que a vida é sagrada muito bem ligado ao catálogo os direitos humanos das Nações Unidas (que a Igreja assume) referindo que a vida humana, qualquer que seja o estado de desenvolvimento, é sempre passiva do mais elementar deles, o direito à vida, isto é, à liberdade de viver um projecto humano nesta Terra.
    Essa defesa do direito absoluto à vida, na mensagem cristã, não discrimina nenhuma espécie de homicídio, seja genocídio, aborto, eutanásia ou o próprio suicídio voluntário, porque estamos sempre na presença de um violação da integridade da pessoa humana. Isto radica, penso eu, no aceitar que a vida nos é dada por Deus a par da liberdade, mas quando a suprimimos por nós próprios, mesmo livres, estaremos a atentar contra o conteúdo sagrado dessa dádiva.
    Aceitável… mas discutível.

    E aqui, humildemente, entro eu a pensar. Aceitando o princípio da sacralização da vida, não vejo como não ter os pés na Terra. Nem vejo como não distinguir as várias formas de dar a morte que referi antes. Precisamente por entrar em conta com outro princípio, o princípio de justiça, em particular a retributiva: dar a cada um o que lhe é devido.
    Isto implica, parece-me, que não se possa colocar em pé de igualdade o acto de suicídio - dar a morte a mim mesmo – e o acto de homicídio – dar a morte ao outro – nem o acto de matar por defesa (ou necessidade de sobrevivência) ou matar para pura e simplesmente anular o outro. É por diferenças específicas semelhante que o Ratz argumenta não ser comparável matar um criminoso condenado de direito e um ser inocente. E de facto, evidentemente que não é comparável. Creio que é só isso que ele afirma.
    Se, depois, a pena de morte, é ou não, aceitável já será outro nível da discussão, mas aí, a Igreja também a condena (diferentemente da carta das Nações Unidas, por razões óbvias).

    Só mais uma coisa, relativa ao aborto pela minha parte. Em princípio, condeno inequivocamente o aborto e acompanho a Igreja: é uma vida humana real. Mas senti-me obrigado a votar pela “interrupção voluntária da gravidez” tendo em conta que quase nada a sociedade faz para dar alternativas reais (uma hipótese é a adopção, mas as coisas aí estão como estão) e que nas condições actuais o mais importante parece-me ser a saúde publica, os casos de perfurações uterinas, peritonites e septicemias mortais que grassavam com o aborto clandestino. Poderá dizer-se que o que está em causa é o valor absoluto da vida e é portanto inaceitável a legislação do Estado. Mas então teremos também de pôr em questão as legislações estatais que penalizam com a morte; e talvez até tenhamos que pôr em causa o próprio direito à legítima defesa, digo eu.
    Mas sim, MC, acabo por ver de facto alguma incongruência em apelar ao direito à vida em absoluto, quando se fala no aborto, e atender às especificidades particulares (inocentes e condenados) quando se compara com a pena de morte.

    Recebe um abraço em Cristo e bom fim de semana

     
  • At 12 de julho de 2008 às 22:55, Blogger maria said…

    Caríssimo CBS,

    nós católicos, temos um bocado o complexo do "paizinho". Não sei se conheces alguma coisa da vida paroquial. É um bom meio de nos sentirmos igreja, mas é um desastre o tempo que se perde a falar do padre se é assim, se é assado. Aqui, no Trento, à falta de um ancião que unifique isto, discute-se o papa. ;)
    Eu não acompanhei devidamente as vossas discussões, sobre esse tema. Como o meu conhecimento com o Vitor, para além da bloga, é pessoal, conheço as suas posições. Já as discutimos q.b. :)

    Além do mais, a esta hora, já está a contemplar o infinito, com uns maços de cigarros por perto, um caminhão de livros e duas belas mulheres para o trazerem à "terra". :)

    Isto para dizer o quê?! :) não tenho grandes ideias sobre a pessoa do Papa. Só conheço algumas das suas ideias. Parece ser uma pessoa bastante viva e inteligente.

    Quando o Papa fala (aqui ainda era cardeal) fala por ele e em nome da Igreja. Não fala para si próprio, nem para um grupo de paroquianos. Tem que ter cuidado com a linguagem. A Igreja para discutir o aborto, tem de dialogar em várias frentes - científicas, filosóficas, religiosas, humanitárias, familiares,... e falar numa linguagem que todas elas compreendam. Se continuamente a Igreja ignora os conhecimentos que o "mundo" vai produzindo, perde credibilidade. Entra num diálogo de surdos.

    Cientificamente, não se pode dizer que um zigoto, um embrão, não é nada. Mas não lhe podemos chamar criança. Porque existe uma gradação. Como na questão de tirar a vida que tão bem exemplificaste.

    Por agora fico por aqui. :)


    Um bom domingo para ti, vivido em Cristo.

    Abraço

     
  • At 11 de agosto de 2008 às 13:13, Blogger samuel said…

    O Papa bem que podia ir explicar a sua "certeza" de que na pena de morte se está apenas a castigar um culpado, às famílias dos muitos "culpados" assassinados pelo Estado, que afinal veio a descobrir-se estarem inocentes.
    Nestas alturas é realmente uma pena que a ressurreição seja uma figura de ficção...

     
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