sábado, julho 05, 2008 |
O Cânon da crítica: a mensagem de ameaça |
Peter Seewald: A moral tradicional da Igreja Católica baseia-se, na realidade, segundo uma crítica, em sentimentos de culpa. (…) A Igreja teria imposto fardos ao homem que não têm nada a ver com a revelação. Actualmente existe a concepção de que não se deve continuar a basear a teologia cristã no pecado e na contrição. Deveria ser possível voltar a encontrar, precisamente para além do estabelecimento de normas através da religião, o mistério da experiência religiosa vivida.
Joseph Ratzinger: Nunca gostei dessa oposição entre “mensagem de ameaça” e Boa Nova. Porque quem lê o Evangelho vê que Cristo anunciou a Boa Nova, mas que a mensagem acerca de um juízo também faz parte dela. Há nos evangelhos palavras dramáticas a propósito de um juízo que podem fazer-nos tremer. Não se deve passar isto em silêncio. (…) se, só entendermos a Boa Nova como uma confirmação do que somos, ela acaba por não ter significado e é, de algum modo uma narcose. Devemos voltar a familiarizarmo-nos com o carácter de juízo, precisamente ao considerarmos os que sofrem e os que não foram tratados com justiça (…) E depois, é preciso aceitar como sendo inevitável, que também temos de nos sujeitar a esse critério e procurar não pertencer àqueles que praticam a injustiça.(…) Sente-se ameaçado primeiro quem pertence aos que oprimem e cometem injustiças. Adorno até disse que, no fundo, só poderia haver justiça se houvesse a ressurreição dos mortos, para que também possa ser, por assim dizer, retroactivamente reparado o mal passado.(…) Claro que há um factor inquietante na mensagem sobre o juízo e é bom que assim seja. (…) Mas há almas sensíveis, quase doentes, que podem ser rapidamente precipitadas no medo. É preciso deixarem de ter medo, é preciso falar-lhes da Graça.(…) É preciso acrescentar que sabemos através de Cristo que este juiz não aplica friamente os artigos de um código, mas que conhece a misericórdia e que, afinal, podemos ir ao encontro d’Ele sem medo. Julgo que cada um tem de encontrar interiormente esse equilíbrio, sentir a existência do juízo e reconhecer que não pode negligenciar a vida como lhe apetece, mas que há um juízo acima dele; por outro lado, não se pode entregar aos escrúpulos e a um estado de intimidação. (Salz der Erde, 2005) cbs |
posted by @ 6:07 da tarde |
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4 Comments: |
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Well, well, well, is that the question? ;)
A espinha que entrava é essa passagem directa e subliminar entre o aspecto judicativo e amoroso de Deus e a Igreja de Roma, ou se preferires, entre o Reino dos Céus e a Igreja Romana (põe-se a mesma tensão entre a comunidade alargada dos cristãos e o reino, mas como é um hábito romano fazer esta conexão directa como se não fosse problemática, fiquemo-nos pelo post).
Entre o Barth o Ratzinger, gostaria de perceber onde colocas tu a relação entre Deus e o seu acesso e morada terrestre (para o caso, a Igreja Romana). Porque o que é cânone em Roma é que a estrutura eclesial romana foi instituída pelo próprio Deus (Cristo), o que é uma grandessíssima treta. Ainda o Bossuet, que não era parvo, considerava-a providencial, fazendo da sua instituição uma acção do espírito santo pós-pascal, e não algo que se possa aduzir neotestamentariamente. Quanto ao tão romanamente usado Aeropagita com a sua hierarquia analógica (a estrutura hierárquica eclesial é um símile analógico da hierarquia celestial) é formalmente pertinente, mas não anula a aferição da estrutura terrestre e a interrogação acerca dos acertos e desacertos de sentido da analogia.
É que isso de falar nas nuvens é sempre muito bonito, mas não há nada como a concreção: pensas que os artigos canónicos reflectem directamente a vontade de Deus? Que as posições das conferências episcopais and so on são a vontade de Deus para tutti quanti? Que a doutrina do catecismo expressa a vontade de Deus?... etc
As nuvens é um pouco como uma palmadinha nas costas, ‘tá tudo bem. Feliz ou infelizmente, não está.
Não se trata de ser necessário ou não uma voz de alguém humano que represente os cristãso ou católicos ou o que for; mas a que corresponde isso concretamente.
Roma ainda não se refez da desvelação luterana, e é bem verdade que os dogmas pós-trento, da infalibilidade papal à teologia mariana são uma incompreensão do que estava em jogo em Lutero: a circunstancialização da eclesiologia e da teologia, a tentação eclesial de ser igreja triunfante e não igreja militante (cristologicamente: confundir a noite do gólgota com a glória da parusia, e agir como se a verdade absoluta estivesse doada), etc E é aqui que se incrsuta a propaganda de Ratzinger, em detrimento da reforma e do liberalismo (que ele ilegitimamente reúne como se o Weber tivesse dito tudo sobre a questão).
Mesmo o CV II foi uma tíbia tentativa de integrar positivamente as pertinências luteranas.
Esse é um dos meus problemas com o Ratzinger. Considero-o um óptimo teólogo patrístico, e quase todo o seu trabalho relativamente à teologia, historicidade, modernidade europeia etc são sem dúvida excelentes. Mas a sua eclesiologia elide sempre a questão do que é atribuível ao reino de Deus ser (i)legitimamente atribuído à Igreja Romana. Conexão directa, como convém ao poder romano.
E a vontade de redução de liberdade tanto a leigos ou ordenados como à investigação exegética e teológica também incrusta aqui.
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E nem vou comentar a remissão, como quem não quer a coisa, para o Adorno. Tem cá uma lata, o Ratzinger LOL É também por isso que eu gosto dele, a sua muito peculiar ingenuidade. Sabes, uma das mostrações da inversão de sentido da realidade que as representações jornalísticas e etc produzem é sem dúvida a de terem produzido uma imgam de simplicidade e ingenuidade do João Paulo II, e agora de astúcia e consciência estratégica do Bento XVI, quando é precisamente o contrário que sucede. O senhor Ratzinger não faz a mínima de como o mundo funciona, ele que nem experiência pastoral que se veja teve: passou a vida em aulas e gabinetes romanos, o seu piano e o bar em que bebe a sua cervejinha sem alcoól. Eu quando ele foi eleito, a primeira coisa que me passou pela cabeça foi: pobre homem, no que ele se meteu… LOL Os tipos lá na invicta devem passar a vida a dizer-lhe Tenha calma, sua Santidade, que isto não vai lá apenas como se depreende nos livros e debates…
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Vitor Reconhecendo (nunca é demais, e não é humildade, é defesa, lol) que não tenho dedos teológicos para saber onde colocar Deus, entre o Céu e Roma, digo-te que não comungo dessa distanciamento que fazes em relação ao Ratz. Ainda não pus os olhos no outro livro, mas vou admirando cada vez mais o intelectual… e dedos teológicos, ele tem, parece-me.
Quanto ao Barth, só li sobre ele, confesso, mas creio que é um crítico da actualização da Palavra de Deus aos tempos, como terá sido o Vaticano II; já agora, contesto que fosse uma tíbia tentativa de integrar positivamente as pertinências luteranas; acho que foi sim, tíbia ou não, mas da Modernidade, o que é mais vasto. Mas se a Revelação, em, si mesma, é independente das questões da razão ou do tempo, e nisto o Ratz concordará, já a formulação, essa, é dependente das questões que envolvem cada época, na opinião do Ratz… que será a da Igreja Católica e a minha, que a sigo como um cordeiro ;) O homem moderno é com dificuldade que lê a linguagem bíblica, e o papel da Igreja é mediar (sei como o Barth e os meus irmãos da Reforma questionam isto, mas…) o VII teve uma função apologética.
bem, vou dormir,abraços e boas férias
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Onde é que eu disse que o Ratzinger não tinha dedos teológicos?
E estás a fugir às perguntas com generalidades, 'tá certo ;)
abraço
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Well, well, well, is that the question? ;)
A espinha que entrava é essa passagem directa e subliminar entre o aspecto judicativo e amoroso de Deus e a Igreja de Roma, ou se preferires, entre o Reino dos Céus e a Igreja Romana (põe-se a mesma tensão entre a comunidade alargada dos cristãos e o reino, mas como é um hábito romano fazer esta conexão directa como se não fosse problemática, fiquemo-nos pelo post).
Entre o Barth o Ratzinger, gostaria de perceber onde colocas tu a relação entre Deus e o seu acesso e morada terrestre (para o caso, a Igreja Romana). Porque o que é cânone em Roma é que a estrutura eclesial romana foi instituída pelo próprio Deus (Cristo), o que é uma grandessíssima treta. Ainda o Bossuet, que não era parvo, considerava-a providencial, fazendo da sua instituição uma acção do espírito santo pós-pascal, e não algo que se possa aduzir neotestamentariamente. Quanto ao tão romanamente usado Aeropagita com a sua hierarquia analógica (a estrutura hierárquica eclesial é um símile analógico da hierarquia celestial) é formalmente pertinente, mas não anula a aferição da estrutura terrestre e a interrogação acerca dos acertos e desacertos de sentido da analogia.
É que isso de falar nas nuvens é sempre muito bonito, mas não há nada como a concreção: pensas que os artigos canónicos reflectem directamente a vontade de Deus? Que as posições das conferências episcopais and so on são a vontade de Deus para tutti quanti? Que a doutrina do catecismo expressa a vontade de Deus?... etc
As nuvens é um pouco como uma palmadinha nas costas, ‘tá tudo bem. Feliz ou infelizmente, não está.
Não se trata de ser necessário ou não uma voz de alguém humano que represente os cristãso ou católicos ou o que for; mas a que corresponde isso concretamente.
Roma ainda não se refez da desvelação luterana, e é bem verdade que os dogmas pós-trento, da infalibilidade papal à teologia mariana são uma incompreensão do que estava em jogo em Lutero: a circunstancialização da eclesiologia e da teologia, a tentação eclesial de ser igreja triunfante e não igreja militante (cristologicamente: confundir a noite do gólgota com a glória da parusia, e agir como se a verdade absoluta estivesse doada), etc E é aqui que se incrsuta a propaganda de Ratzinger, em detrimento da reforma e do liberalismo (que ele ilegitimamente reúne como se o Weber tivesse dito tudo sobre a questão).
Mesmo o CV II foi uma tíbia tentativa de integrar positivamente as pertinências luteranas.
Esse é um dos meus problemas com o Ratzinger. Considero-o um óptimo teólogo patrístico, e quase todo o seu trabalho relativamente à teologia, historicidade, modernidade europeia etc são sem dúvida excelentes. Mas a sua eclesiologia elide sempre a questão do que é atribuível ao reino de Deus ser (i)legitimamente atribuído à Igreja Romana. Conexão directa, como convém ao poder romano.
E a vontade de redução de liberdade tanto a leigos ou ordenados como à investigação exegética e teológica também incrusta aqui.