sexta-feira, junho 13, 2008
Fé e razão
O Vítor tinha dito que Ratzinger sustenta, ser o Cristianismo essencialmente racional e não místico – no sentido de êxtase místico (mas a mística não se esgota aí, a conversão de Agostinho posta pelo Pedro tem também esse carácter) – enquanto as outras religiões é que seriam místicas por excelência.
Sem ter lido mais do que a famosa aula de Regensburg (a da citação do Paleólogo), procurei a sua perspectiva da relação entre fé – é mística e distinta, mesmo para o Ratzinger - e razão.
Parece-me que o contraponto fundamental está na visão islâmica de que a vontade de Deus, sendo absolutamente transcendente, não está limitada pela racionalidade – Ibn Hazm, citado, vai ao ponto de admitir que, nem a Sua palavra o limita a Si mesmo, admitindo a contradição.
Ao que o imperador bizantino argumenta com a noção contrária, de que agir irracionalmente é agir contra Deus, porque a natureza divina, o Logos, é racional.

The mysterious name of God, revealed from the burning bush, a name which separates this God from all other divinities with their many names and simply asserts being, "I am", already presents a challenge to the notion of myth, to which Socrates' attempt to vanquish and transcend myth stands in close analogy.Within the Old Testament, the process which started at the burning bush came to new maturity at the time of the Exile, when the God of Israel, an Israel now deprived of its land and worship, was proclaimed as the God of heaven and earth and described in a simple formula which echoes the words uttered at the burning bush: "I am".This new understanding of God is accompanied by a kind of enlightenment, which finds stark expression in the mockery of gods who are merely the work of human hands (cf. Ps 115).
God does not become more divine when we push him away from us in a sheer, impenetrable voluntarism; rather, the truly divine God is the God who has revealed himself as logos and, as logos, has acted and continues to act lovingly on our behalf. Certainly, love, as Saint Paul says, "transcends" knowledge and is thereby capable of perceiving more than thought alone (cf. Eph 3:19); nonetheless it continues to be love of the God who is Logos. Consequently, Christian worship is, again to quote Paul - "λογικη λατρεία", worship in harmony with the eternal Word and with our reason (cf. Rom 12:1).

Julgo não sair daqui, nem o exclusivo da racionalidade, nem uma oposição entre mística e razão. Segundo o Ratz, o Cristianismo é mística, mas Deus é racional; o princípio da identidade, “Eu Sou”, e o princípio da não contradição, o “Logos”, são inerentes ao Ser divino.
Nesse sentido, o Cristianismo - revelação do Deus Ùnico - será Amor, místico e racional. Isso pode, de facto, distingui-lo no quadro das religiões - se bem que o conceito de Logos (o Verbo e a Verdade) difere da racionalidade científica, que Ratinger considera redutor, fruto da deselenização do cristianismo, ligado à Reforma, ao Liberalismo, e por aí fora... mas restinjo-me aqui ao Logos,
Para já não vejo incompatibilidades. Resta-me ler mais…
cbs
posted by @ 12:17 da manhã  
8 Comments:
  • At 16 de junho de 2008 às 12:45, Blogger Vítor Mácula said…

    Olá, cbs

    Diversos problemas se me põem aqui, para variar ;)

    1. o islamismo não se limita a Ibn Hazm, que nunca li; há inúmeros teólogos islâmicos com a tese da continuidade entre deus e o razão; quanto à admissão da contradição divina no cristianismo, o Nicolau de Cusa está sempre à mão ;)
    2. o “eu sou” ou “aquele que é” mosaico é uma deriva dos setenta e da vulgata; a tradução directa do hebraico é algo como “vou sendo”, “vou-me mostrando”; a colagem de tal à ontologia helénica (Parménides e etc até ao logos estóico) é algo que faz parte da História, mas não é líquida a consistência entre a revelação mosaica e tal contexto filosófico e cultural;
    3. a questão não se põe na incompatibilidade entre o pathos e o logos ou entre a vida bruta e a reflexão; põe-se sim na relação entre ambos: mesmo que o Deus verdadeiro seja o dos filósofos (pensamento puro, transição cultural da “ruah” hebraica para o “espírito” no sentido helénico) temos o problema antropológico, primeiro na nossa própria existência, e depois na incarnação e na paixão de Cristo; e também: que as afecções e as paixões sejam não-divinas é uma tese que não corresponde ao Deus bíblico, que se ira e apaixona, mas vá… aliás, o que nos move nunca são ideias por si, mas a relação com elas, precisamente a afecção e as paixões.
    4. o princípio de não-contradição é deflagrado em Jesus Cristo, em quem determinações mutuamente exclusivas se reúnem no mesmo sujeito, na mesma substância.

    Ratzinger, como homem de fé que é, partilha da tese de que a conexão entre a revelação e a cultura helénica foi providencial e intrínseca (os problemas filosóficos postos pelos gregos têm na revelação a resposta plena e adequada). Mas isto é a tal batota do homem, que aliás lhe vai tão bem LOL (a do liberalismo e da reforma vão na mesma linha...) Tanto os estóicos como os epicuristas lhe responderam tão adequadamente, para referir-me aos exemplos mais correntes (eu nesta tenho algumas dúvidas, mas suspeito que é por ser cristão;)

    Se Deus fosse pura e estrita reflexão não haveria criação nem padecimento do deus; deus seria um supra-Narciso LOL

    Um abraço

    PS: lê o livro que vale a pena…

     
  • At 16 de junho de 2008 às 14:59, Blogger cbs said…

    Boas tardes Vítor
    1. Sei que há inúmeros teólogos. Mas o que conta aqui é a posição intelectual: pode Deus contradizer-se e portanto ter limites, ou não? Admito que a análise seja simplista, mas estará sempre fora de causa a possibilidade de uma “mentira divina”.
    2. Pode não ser líquida a relação entre Moisés e o Helenismo. Mas parece-me liquido o monoteísmo, aliás essa expressão “vou sendo” não é contrária à identidade: A é sempre igual a A qualquer que seja A
    3. Mas eu não vejo no Logos o Deus dos filósofos, o Omnipotente e Omnipresente, que me parece uma abstracção (sou bergsoniano, lembras-te). Referia apenas a compatibilidade entre o pathos e o logos, como disseste, que é possibilidade real. O Deus dos cristãos é uma Pessoa – e uma Pessoa Encarnada depois de Cristo – não é uma ideia. Essa é outra diferenciação cristã, e não há avatares hindus que me convençam, lol
    4. O princípio da não contradição deflagrado em Cristo… Aqui apanhaste-me… Vítor, com esta minha tentativa amorosa de compreender o Ratz - defendendo-o da batota de que o acusas – acabo por me esquecer daquilo que Bergson me ensinou; nem tudo é matematizável. De acordo… mesmo assim, não é incompatível, eu diria que a razão e a mística são visões complementares

    Vou ler, vou ler, depois do Direito Internacional, lol
    abraço

     
  • At 17 de junho de 2008 às 14:40, Blogger Vítor Mácula said…

    “Mas parece-me liquido o monoteísmo, aliás essa expressão “vou sendo” não é contrária à identidade: A é sempre igual a A qualquer que seja A”

    Pois. O nome e a identidade. Mas o Deus bíblico é um sem-nome, ou se preferires um multi-designado (a brisa, a tempestade, o outro etc). E a identidade, com ou sem nome, é um conjunto de determinações. Análoga mas também diferentemente, tens aqui que conjugar determinações aparentemente opostas: o deus dos exércitos por exemplo com o deus da reconciliação universal. Ou então decidir-se por um qualquer marcionismo (que é no fundo o que são todas as tentativas de conciliação que desculpam sobranceiramente certas imagens de deus como “primárias” e assim as anulam).

     
  • At 17 de junho de 2008 às 19:24, Blogger cbs said…

    Sim...
    e não vês uma mudança objectivante dessa "determinações aparentemente opostas" na passagem do Anigo Testamento para o Novo Testamento?
    será a designação que Jesus dá ao Pai, Abba, uma conciliação?

    Parece-me que Jesus aponta muito claramente para Um único Deus... Só um é bom (Mt 19, 17)

     
  • At 17 de junho de 2008 às 19:59, Blogger Vítor Mácula said…

    Abba é uma forma de relação entre o humano e o divino, claro.

    Por ser um único deus é que tem de haver conciliação entre as diversas relações, analogias, símbolos, sinais, etc

    Conciliação não é substituição. Penso que ela tem também de ocorrer, pois o vinho é novo, mas suspeito do facilitismo (o deus que se mostra em Jesus é o verdadeiro Deus e o que nos livros do Antigo Testamento o negue é falso, por exemplo).

    Certezas objectivas sobre Deus são aliás muito delicadas; há de haver sempre um infindo aspecto seu que possa fazer soçobrar as nossas certezas. Este é aliás o fundo da idolatria: não o facto de ser um signo falso ou verdadeiro, mas o querer reduzir o divino e as formas de relação a esse(s) signo(s). O próprio Jesus pode ser tornado num ídolo (fixação em determinada configuração).

    Deus é o mistério maior, e transcenderá sempre toda a identidade e acesso que a ele tenhamos.

     
  • At 17 de junho de 2008 às 20:07, Blogger Vítor Mácula said…

    nota de rodapão: transcender não é negar, e volta-se à conciliação. não se trata de não podermos saber nada acerca de Deus, mas da consciência da Sua inesgotabilidade, e das consequências que isso tem nas aferições acerca do divino ou das formas de relação que outrém tem ou não tem com Deus.

     
  • At 19 de junho de 2008 às 00:15, Blogger cbs said…

    "Este é aliás o fundo da idolatria: não o facto de ser um signo falso ou verdadeiro, mas o querer reduzir o divino e as formas de relação a esse(s) signo(s).
    O próprio Jesus pode ser tornado num ídolo"

    Acho que sim, Vitor... pensei pouco e tu pensas bem :)

    Mas voltando ao princípio da identidade (a=a, qualquer k seja a) faço notar que sendo a base da racionalidade, é também um axioma, isto é uma evidencia intuida mas indemonstrada. Aqui tocam-se a razão e a intuição. tou Bergson outra vez, que como sabes distingue as duas e coloca a ciencia como mais racional, e a filosofia, a mística e a arte como mais intuitivas. Senod ambas faculdades complementares e não exclusivas.
    É curioso que os estudos do Damásio, parecem-me confirmar isto... se não o li d través, lol

     
  • At 20 de junho de 2008 às 11:56, Blogger Vítor Mácula said…

    LOL eu sou é nhurro e então tendo a avançar passo a passo, devagarinho... bom fim de semana, cbs

     
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