quinta-feira, junho 05, 2008 |
Krishna |
Peter Seewald: Um dos novos problemas poderia ser que também a teologia pergunte, com uma premência cada vez maior, como se deve fundamentar que Deus só tenha encarnado na pessoa de Jesus e, por exemplo, não tenha encarnado também em figuras divinas da Ásia. Como é possível que uma única pessoa possa ser a verdade absoluta no processo histórico? Joseph Ratzinger: Em primeiro lugar é preciso dizer que na história das religiões não há verdadeiros paralelos à fé cristã na divindade da pessoa de Jesus de Nazaré. A figura que mais se aproxima d’Ele é a divindade hindu Krishna, que é adorada como avatar (descida de Deus) de Vishnu e atravessa a história indiana das religiões em diferentes variações, mas é concebida de modo completamente diferente do da fé cristã na união definitiva do Deus único com uma pessoa histórica determinada, através da qual Ele atrai a Si toda a humanidade.
A fé cristã situa-se na continuidade da fé judaica no único Deus, criador do mundo, que faz história com o homem, se liga a essa história e nela age, irrevogavelmente, para todos. A escolha não existe, portanto, entre Cristo e Krishna ou entre outras figuras possíveis. Só há a escolha entre um Deus, que se mostra a Si mesmo, inconfundivelmente, como o único Deus de todos e se liga ao homem até á sua dimensão corpórea, e uma outra concepção da religião em que a divindade aparece em diferentes imagens e figuras, das quais nenhuma é definitiva. Através delas, o homem refere-se ao que é sempre inefável. É uma concepção diferente de verdade, de Deus, do mundo, do homem. O Sal da Terra, entrevista de Peter Seewald ao cardeal Joseph Ratzinger, Ed. Tenacitas 2005 (pag.233) cbs |
posted by @ 7:27 da tarde |
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11 Comments: |
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O que vem no Bhagavad-Gita, em 7, 21-25 é:
“Seja qual for a incarnação que o homem devoto quer adorar pela fé, Para este homem, torno, eu, inquebrantável a sua fé, E revestido de tal fé ele aspira à adequação a essa incarnação. (…) Aos deuses vão os sacrificantes dos deuses. Os meus adoradores vêm a mim. (…) Este mundo aflito não me reconhece. Eu não nasço nem pereço.”
Há evidentes diferenças com o cristianismo, assim como semelhanças, como é evidente, mas não se trata de imagens e figuras e sim de incarnações vivas. Ratzinger, que é óptimo na patrística, derrapa sempre aqui para a propaganda. Outra dele é que o judaísmo e o cristianismo não são místicos (como as religiões) mas proféticos, filosóficos e históricos, para voltar a cindir as religiões (místico, o inefável) do cristianismo (racional, histórico). Isto é uma treta porque há uma mística cristã, assim como há filosofia e história nas outras religiões. Em termos classificatórios, a única religião que se distingue com evidência das outras é o budismo, visto que não exige fé nem relações com divindade(s). A tal ponto que há quem nem a considere uma religião, pelo menos no sentido moderno – é realmente mais semelhante às escolas filosóficas da antiguidade do que ao sacrum facere que de algum modo caracteriza o religioso. Enfim…
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PS: outro ponto é o que o João Leal referiu relativo à parusia, o que enfraquece essa posição de “figura definitiva”. o cristianismo não é estrita ocorrência dada (o passado e o presente) mas tem um porvir (isto é, a história ainda não acabou;)
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Não sei porquê mas acho que o Trento precisava de um registo de imagens mais variado... são sempre do mesmo tipo ... e pessoalmente acho-as mesmo "feias", como esta... desculpa Cbs, mas não gosto mesmo...
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Hadassah Tens razão… mas acredita que, quanto a mim, faço o melhor que sei e posso.
Vítor Quanto à separação entre religiões místicas para um lado e cristianismo racional para outro, concordo contigo, ou seja discordo da separação. Só que não vi ainda onde é que o Ratz disse isso. Podes dar-me uma ajuda?
Já quanto ao hinduísmo estou de acordo com ele e discordo dessa tua interpretação. A questão não é serem encarnações vivas ou imagens virtuais, nem me parece que seja isso que ele diz. A questão está na base cultural das duas religiões e nos diferentes significados em cada uma. Em particular no entendimento que se atribui à “encarnação”. Culturalmente parecem-me haver diferenças de fundo entre as religiões do Livro e essas duas grandes religiões orientais que referes: Hinduísmo e Budismo. No Oriente, a história humana reveste-se de um sentido circular, evidente por exemplo na concepção de reincarnação. No caso do Hinduísmo acrescem os deuses – aliás sob este nome creio que abrangemos várias religiões e não uma, várias divindades e não uma, daí ser manifesto o politeísmo - e as suas descidas sucessivas e quase sempre incompletas, salvo no caso de Krishna (por isso a comparação a Jesus). Nas religiões do Deus único (Judaísmo, Cristianismo, Islamismo) a história humana tem um sentido linear, existe um princípio e caminha-se para um fim. E não existe o conceito de reincarnação, apenas no caso do Cristianismo acontece um facto único, a encarnação do Verbo – o Judaísmo ainda espera a vinda do Messias, o Islamismo não oferece um salvador. Mas é muito diferente do que se passa com Krishna ou com qualquer dos outros avatares do Hinduísmo.
O Hinduísmo oferece apenas uma auto-ajuda pela forma de viver a vida, nada alterando nas diferenças de classe entre o divino e o humano; diferentemente o Cristianismo é o sacrifício de Deus para redimir o pecado - que exprime bem o conceito cristão de auto-sacrifíci, segundo o exemplo do Deus-vivo – subvertendo as diferenças e apontando o caminho que transforma e diviniza o humano.
Em concreto na questão da “encarnação” existe uma diferença quase absoluta entre o Hinduísmo e o Cristianismo, parece-me. Neste ultimo a encarnação consiste n facto de ser carne, e a carne distingue-se do corpo material. Os seres encarnados, no caso os humanos, são seres padecentes, atravessados pelo sofrimento e pela alegria, ressentindo todas as impressões ligadas à carne – entre elas a de ter um corpo – começando e acabando com o que ela, carne, experiência. A carne é uma substância impressional e não visível (como a alma); aplico a concepção fenomenológica de Michel Henri, que me parece bem conseguida. A afirmação fundamental e insólita de João “E o Verbo se fez carne” é de outra natureza e não tem o significado das incarnações de Vishnu, que aliás mantêm a separação de naturezas entre os deuses e os humanos, não redimindo nenhum pecado original. Diferentemente, a citada afirmação de João, implica que o homem – não o Verbo - é carne, mas que Cristo encarnando, religa a carne e o Verbo, torna possível a salvação, isto é a união do Verbo e da carne que estava corrompida pelo pecado origina. Não se trata de nada disto no Hinduísmo, creio eu (ressalvo que conheço mal, e admito o erro).
Quero ainda acrescentar algo. Julgo que consegui, apesar de mim, explicitar o que pretendia com esta história de o Cristianismo não ser uma religião. No entanto, e para ser honesto, devo reiterar o que penso. Em termos científicos – sociológicos, antropológicos – e no âmbito intelectual, não ponho em causa a classificação do Cristianismo como religião. De forma alguma. Contudo, do ponto de vista de um cristão, não vejo como aceitar colocar a Fé em Cristo em paralelo com as “outras” religiões. Existem dois planos para chegar a esta conclusão. O primeiro é, digamos, teológico, é de Karl Barth; se Deus foi revelado, deixam de ter sentido, não só as outras religiões, como a própria ideia de religião; Deus está aqui, vivo… que significado tem o conjunto de crenças e rituais, ou seja o conjunto de abstracções sociais, que se costumam designar como religião? O segundo é vivencial, aquele a que me referi no primeiro post sobre isto. Tem a ver com um caminho pessoal, penso que mais ou menos comum aos cristãos, e que se processa pela fé. A fé implica confiar, acreditar em Alguém; nalgum ponto desse percurso o aspecto religioso deixa de se colocar; toda a religião se funde na própria vida do dia a dia (e atenção que eu ainda não estou aí, não é meu caso que sou uma desgraça viva). Podemos dizer que um budista ou um muçulmano ou um hindu - Ghandi é uma grande lição à humanidade corrompida – poderão dizer o mesmo; vivem de tal forma a sua religião que esta se diferencia num modo absoluto de todas as outras, ao ponto de alterar o significado do termo religião. Mas aquilo que disse, meu amigo Vítor, é que do ponto de vista intrínseco de um cristão, acreditando Nele, com a “certeza” de Ele ser a Verdade, não podemos aceitar os outros sistemas de fé como equivalentes, … são meras religiões não comparáveis à Verdade de viver em Cristo. Ainda, porque, no final da História, uma de duas, ou é mentira ou Cristo falou verdade e por consequência as religiões eram falsa ou quando muito aproximações grosseiras à Verdade. Parece-me… recebam um gande abraço Cristiano
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Boas, cbs
Há um livro, “Fé verdade tolerância”, de Ratzinger, editado pela Universidade Católica, que reúne textos seus dos idos anos 80 até 2004, acerca de todas estas questões, revisto e organizado pelo próprio. Como de costume no homem, está repleto de interpelações e interpretações excelentes. Nele encontrarás desenvolvida essa dicotomia místico/histórico, que tem muito mais que se lhe diga do que a minha butade, claro… ;)
A tua noção do hinduísmo parece-me uma simplificação da apologética cristã, mas eu nem sou hindu, portanto… Talvez uma leitura dos textos hindus e da sua teologia clássica e contemporânea te abra a outras perspectivas.
Quanto ao final da História, é um segredo do deus, e aqui sim, tem muito que ver com o que para aqui exprimi aos tramboucos… No juízo final a voz do deus ilumina e abrasa os vivos. Entre estes está um cristão que se pergunta em Deus: E os ateus? E a voz responde: estão comigo, souberam exigir verdade moral da confusão do mundo. Os muçulmanos? E a voz responde: estão comigo, souberam ater-se à minha unicidade. Os judeus? E a voz responde: estão comigo, souberam esperar-me com os olhos ardidos pelo deserto. Ah, e os cristãos? E a voz responde: Eh pá, tenho muita pena, mas nessa questão, os judeus é que tinham razão… LOL
“Deus está aqui, vivo… que significado tem o conjunto de crenças e rituais, ou seja o conjunto de abstracções sociais, que se costumam designar como religião?” Volto a perguntar: Onde está o Deus vivo? E ainda: O que significa então a eucaristia? (E poupa-me à estória do banquete e do encontro que para isso vou à tasca LOL O que se faz nas missas católicas e ortodoxas e no culto protestante… não é um banquete.)
Abraço em Cristo, mano
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Oi Vitor pois o melhor mesmo é eu ir à procura desse livro. E vou. Muito me vai entristecer se o Ratz entender a mística como secundária. Será para ele, Santa Teresa de Ávila, uma maluca?
Quanto ao Juízo final, se o preço da salvação geral - judeus, islamicos, ateus, etc. - fosse eu ser o unico a ir pro caraças, vá k nao vá... agora cristãos, meu! só se o deus fosse Vishnu ou assim, lol
Quanto ao Cristo vivo, creio que Ele vive em cada um de nós, cada um que o aceita verdadeiramente. E a Eucaristia (poupo-te aqui então a definição do Catecismo) é um rito simbólico, cujo significado ultrapassa a memória da ultima Ceia (ir cear juntos às Docas, com Ele no pensamento, é que me parece um bocado redutor, lol); no fundamental, julgo ser o reconhecimento, em comunhão, da Sua Palavra, da Sua morte e da Sua ressurreição, mas não sei... diz-me tu.
abraço em Cristo
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Segundo o papa João Paulo II a Eucaristia é "verdadeiramente um pedaço de céu que se abre sobre a terra; é um raio de glória da Jerusalém celeste, que atravessa as nuvens da nossa história e vem iluminar o nosso caminho"
Tá na wikipedia e é tão bonita esta definição ;)
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Well, well, a definição da eucaristia pelo João Paulo II é muito... re-ligiosa ;)
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PS: Não tenhais medo... penso que o livro do Ratz não te vai entristecer, não. Mas a maioria dos santos são malucos, pá, where' s the problem LOL
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Precisamente. Os santos parecem malucos, sofrem a maluqueira... mas no fim, não saõ malucos. Essa a diferença. Olha pá, hoje fiquei a ver a dobrar, lol, devo tar com muito maior perspicácia na fé; por isso vou porcurar o Ratz e a Fé, verdade, e tolerância
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Porra! feito travesti outra vez! sou eu a eme, porra :) abraços
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O que vem no Bhagavad-Gita, em 7, 21-25 é:
“Seja qual for a incarnação que o homem devoto quer adorar pela fé,
Para este homem, torno, eu, inquebrantável a sua fé,
E revestido de tal fé ele aspira à adequação a essa incarnação.
(…)
Aos deuses vão os sacrificantes dos deuses. Os meus adoradores vêm a mim.
(…)
Este mundo aflito não me reconhece. Eu não nasço nem pereço.”
Há evidentes diferenças com o cristianismo, assim como semelhanças, como é evidente, mas não se trata de imagens e figuras e sim de incarnações vivas. Ratzinger, que é óptimo na patrística, derrapa sempre aqui para a propaganda. Outra dele é que o judaísmo e o cristianismo não são místicos (como as religiões) mas proféticos, filosóficos e históricos, para voltar a cindir as religiões (místico, o inefável) do cristianismo (racional, histórico). Isto é uma treta porque há uma mística cristã, assim como há filosofia e história nas outras religiões. Em termos classificatórios, a única religião que se distingue com evidência das outras é o budismo, visto que não exige fé nem relações com divindade(s). A tal ponto que há quem nem a considere uma religião, pelo menos no sentido moderno – é realmente mais semelhante às escolas filosóficas da antiguidade do que ao sacrum facere que de algum modo caracteriza o religioso. Enfim…