quinta-feira, julho 03, 2008
Os "erros" romanos: o dogma da infalibilidade
Peter Seewald: Permita que comecemos por um ponto que os protestantes resolveram muito cedo, o dogma da infalibilidade. O que exprime este dogma realmente? Está bem ou mal interpretado quando se parte de que tudo o que diz o Santo Padre é automaticamente santo e está certo?

Joseph Ratzinger:
Referiu-se a um erro. Este dogma, realmente, não significa que tudo o que o Papa diz é infalível. Significa simplesmente que no cristianismo existe uma última instância decisória, pelo menos segunda a fé católica, que finalmente, as questões essenciais podem ser decididas de modo definitivo e que podemos ter a certeza de que a herança de Cristo está bem interpretada. Esse carácter absoluto está, de algum modo, presente em cada comunidade cristã de fé, só que não se refere ao Papa.
Também é claro para a Igreja Ortodoxa que as decisões do concílio são infalíveis, na medida em que se pode confiar nelas, quando dizem que aqui a herança de Cristo está bem interpretada e é a nossa fé comum. Não é necessário que cada um, por assim dizer, o destile e o retire da Bíblia, mas à Igreja é dada a possibilidade da certeza comum. A diferença para a Ortodoxia, é apenas que o cristianismo romano conhece, para além do concílio ecuménico, outra instância de confirmação, que é o sucessor de Pedro, que pode igualmente dar essa confirmação. (…)

Também houve concílios antes de haver uma teoria sobre os concílios. Os padres do Concilio de Niceia, em 325, o primeiro concilio, nem sabiam o que era um concilio; tinha sido o imperador a convocá-lo. Apesar de tudo, já compreendiam que não tinham sido só eles a falar, mas que podiam dizer (vemos que também o diz o concilio dos apóstolos): “Agradou ao Espírito Santo e a nós” (Act. 15, 28) – quer dizer que o Espírito Santo decidiu connosco, através de nós.
O Concilio de Niceia fala de três primados na Igreja: Roma, Antioquia e Alexandria. Nomeia três instâncias de confirmação, que estão todas ligadas á tradição segundo S. Pedro. (…) Os bispos de Roma souberam muito cedo e muito claramente que se encontravam na tradição de S. Pedro e que tinham também, com essa responsabilidade, uma promessa que os ajuda a corresponder-lhe.
Isso tornou-se claro na crise ariana, quando Roma foi a única instância capaz de enfrentar o imperador. O bispo de Roma, que tem de escutar a Igreja e que não cria sozinho a fé, tem uma função que se encontra, em primeiro lugar, na sequência da promessa feita a S. Pedro. Só foi formulada conceptualmente, em definitivo, em 1870.
Talvez se devesse ainda referir que, entretanto se compreende cada vez melhor, também fora da cristandade católica, que para o todo, é necessária uma instância capaz de manter a unidade. Isto manifestou-se, por exemplo, no diálogo com os Anglicanos. (…) Também noutras partes da cristandade protestante se reconhece que a Cristandade deve, por assim dizer, ter um porta-voz que a exprima na primeira pessoa.
E na Igreja Ortodoxa também se elevam vozes que se manifestam de modo crítico perante a desintegração da Igreja em igrejas autocéfalas (igrejas nacionais) e que, em vez disso, consideram que faz sentido o recurso ao princípio de S. Pedro.
Não é um reconhecimento do dogma romano, mas as convergências tornam-se cada vez mais evidentes.
(Salz der Erde, 2005)
cbs


posted by @ 1:07 da manhã  
2 Comments:
  • At 4 de julho de 2008 às 13:17, Blogger Pedro Leal said…

    cbs

    Parece, então, que a grandiosidade de Roma já lá vai… Agora contentam-se com as “aproximações” quando, ainda não há muito tempo, tinham a “sorte grande”: hoje falam em “tronco”, “centro”, quando antes detinham o exclusividade da salvação; hoje o Papa limita-se a “uma instância capaz de manter a unidade” quando, há pouco mais de meio século, definia os dogmas. Não posso dizer que me desagrade este recuo, parece-me que estão o bom caminho, mas olhando para a história da tua igreja, não estou nada convencido da sua voluntariedade. E não havendo voluntariedade o que muda é apenas a aparência. Mas, sejamos optimistas, podem ser apenas os meus preconceitos a falar…
    Quanto à infalibilidade papal ela serviu para, em meados o século passado, ser proclamado o dogma da imaculada conceição – Maria nasceu sem pecado. Ora, para além do Novo Testamento ser omisso quanto ao assunto (e é um silêncio estranho, dado o invulgar do caso), também afirma a sua impossibilidade – “todos são pecadores” (Romanos 3:10 e 23). Como ficamos, então? O Papa fala acima, e contra, as Escrituras? Ou é escrutinado por elas? É este tipo de questões, de autoridade, que a “infalibilidade” levanta. A ideia de um “porta-voz autorizado” fica muito aquém do dogma.
    Só mais uma coisa. Quando se diz, em relação à infalibilidade, que “não é um reconhecimento do dogma romano, mas as convergências tornam-se cada vez mais evidentes”, é mandar uma camioneta de areia para os olhos dos leitores. Na verdade, o grande óbice à aproximação dos católicos romanos aos ortodoxos e anglicanos, é precisamente a figura do Papa, que está muito longe do conceito de “primeiro entre iguais” que eles aceitam.

     
  • At 5 de julho de 2008 às 15:27, Blogger cbs said…

    Caríssimo Pedro
    Desculpa só agora poder responder-te. Mas também é só para te dizer que no geral estou de acordo contigo:
    Estamos no pós-Vaticano II, de facto muito longe do Sacrum Imperium. Acabou-se o catolicismo triunfante, em frente aparece uma Igreja essencialmente resistente (situação que vocês, protestantes, bem conhecem). E ainda bem. Uma vez, o José dizia-me que só nas dificuldades extremas o Catolicismo se revigora e vivifica. Acredito, e parece-me que o Ratz também. É curioso que, quanto mais difíceis as coisas se apresentam – e estamos em plena convulsão – mais confiança sinto no futuro e na aliança de Deus com o Homem.
    Quanto à Imaculada Conceição, não discutirei agora, mas em relação às expressões “tronco”, e “centro nuclear”, são mera opinião e desejo meus. Friso isto, porque não vi expresso inequivocamente nos textos católicos
    Quanto às convergências sobre uma última instância interpretativa, parece-me que existe, mas apontando fundamentalmente para um Concílio Cristão. Mas, por várias e evidentes razões (por exemplo, é um estado reconhecido) creio ser a Igreja de Roma a mais bem apetrechada para tal papel; de qualquer forma é o princípio o mais importante, e aí…não sei… mas talvez não seja só areia para os olhos.
    Um gandabraço em Cristo

     
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