sexta-feira, abril 17, 2009
O rebanho odeia-os, eles odeiam o rebanho
" — Eles são, para o povo cristão, os outros, os que se encontram nas margens do rebanho. O rebanho odeia-os, eles odeiam o rebanho. Quereriam ver-nos todos mortos, todos leprosos como eles.

— Sim, recordo uma história do rei Tristão, que devia condenar Isolda, a Bela, e a fazia subir à fogueira e vieram os leprosos e disseram ao rei que a fogueira era castigo leve e que havia um pior. E gritaram-lhe: dá-nos Isolda, que pertença a todos nós, o mal acende os nossos desejos, dá-a aos teus leprosos, olha, os nossos farrapos estão colados às chagas que gemem, ela, que a teu lado se comprazia com os ricos tecidos forrados de baio e com as jóias, quando vir a corte dos leprosos, quando tiver de entrar nos nossos tugúrios e deitar-se connosco, então reconhecerá deveras o seu pecado e terá saudades deste belo fogo de sarças!

— Vejo que, sendo um noviço de São Bento, tens leituras bastante curiosas — gracejou Guilherme, e eu corei, porque sabia que não devia ler romances de amor, mas entre nós, rapazinhos, circulavam no mosteiro de Melk, e líamo-los de noite à luz da vela. — Mas não importa — continuou Guilherme —, compreendeste o que queria dizer. Os leprosos excluídos quereriam arrastar todos na sua ruína. E tornar-se-ão tanto piores quanto mais os excluíres, e quanto mais os representares como uma corte de lémures que querem a tua ruína tanto mais eles serão excluídos. São Francisco compreendeu isto, e a sua primeira escolha foi ir viver entre os leprosos. Não se muda o povo de Deus se não se integrarem no seu corpo os marginais."

"O Nome da Rosa", Umberto Eco (tradução de Maria Celeste Pinto, Edição Difel, pag. 198)

timshel
posted by @ 7:49 da tarde  
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