quinta-feira, maio 15, 2008 |
A Nova Era Já Era Desde a Serpente, Pt 1. |
'Parece-me que a atracção reside no oferecimento duma religião sem arrependimento. Pode-se ter a cura das enfermidades, a prosperidade para os filhos, a paz na alma e até mesmo o acesso a poderes sobrenaturais. (...) É a verdade em relação a todos os movimentos religiosos da Nova Era, principalmente da América do Norte e da Europa. O seu patrocínio pelos altos escalões da burguesia social (a dita 'raça yuppie') não é acidental, pois o que oferece é uma atraente síntese entre o consumismo ocidental e o mistério oriental'.
--Vinoth Ramachandra in A Falência dos Deuses Os seus templos são as lojas de centro comercial, vendendo incensos curativos de cancros, ofertantes de prosperidade (e tosse), velas litúrgicas com olor a chás de mezinha, e ídolos a deuses orientais da fertilidade terrena ou sexual. Os seus livros sagrados incluem Oprah Winfrey e Paulo Coelho no seu cânone, que podem ser lidos no comboio, sob sonares de golfinhos-zen no i-pod, até voltar a casa, para um jantar de sementes de soja, salada biológica, e compostos de Ómega 3.
Sob este paradigma de crente, posso definir a ortodoxia da Nova Era como uma busca pelo divino sem necessidade de o alcançar, louvando a dúvida que o faz comprar mais ítens religiosos sobre culturas alienígenas e seus mistérios estéticos; venerando um deus amoral e sem ética, que não se distingue da bênção que provê, e se ausenta quando o crente age egotisticamente, sem consideração pelo cosmos; amando uma divindade de que é parte, e, por analogia, a mais ninguém que a ele, que outro não é que a si mesmo.
Após 5 minutos de conversação com um crente da Nova Era, vejo a sua cosmovisão desconstruída e provada ilógica, mas sem escândalo de quem me escuta, apatica- e acriticamente. Aí, lembro o que o salmista diz, sobre o homem se tornar no ídolo que adora:
'Os ídolos deles são prata e ouro, obra das mãos do homem. Têm boca, mas não falam; têm olhos, mas não vêem. Têm ouvidos, mas não ouvem; têm nariz, mas não cheiram. Têm mãos, mas não apalpam; têm pés, mas não andam; nem som algum sai da sua garganta. Semelhantes a eles sejam os que fazem, e todos os que neles confiam' (Salmos 115:4-8).
E, após meio paleio, forço-me a não reparar na anemia e abulia a quem dou a Palavra, com a mesma insipiência no trato como a comida sem sabor que digere; a mesma insapiência que a filosofia redundante e inconclusiva que professa. Num breve silogismo falado, concluo que falo com um panteísta, mas sobretudo com um ateu:
'Deus existe em todas as coisas. É o que vocês, cristãos, chamam omnipresença'. Não. A omnipresença significa estar presente em todo o lado. Isso é panteísmo: é afirmar que o deus existe em tudo e todos. 'Sim. Só Deus existe, e nada mais existe. Pois só o amor existe. E o amor é deus'. Mas se assim é, Deus não tem identidade. 'Como'? A identidade pressupõe um Eu e um Outro, pois não posso ser eu mesmo sem que algo outro que eu exista. Se digo 'sou diferente de ti', estou a identificar-me. Certo? 'Concordo'. Mas o vosso deus não pode dizer isso. Ele não tem identidade, pois não tem algo outro a ele. Não tendo algo outro a ele, implica que nada criou realmente. Se nada criou realmente, o seu amor não é amor, mas masturbação cósmica. E eu não posso amar uma pessoa assim, divina ou não. 'Mas deus não é um ser'.
Trata-se, assim, dum ateu que celebra a ilusão de deus conforme explicou Feuerbach, que, pelo contrário, a lastimava:
'A consciência que o homem tem de Deus é a autoconsciência humana; o conhecimento de Deus é o autoconhecimento humano. (...) Os seres humanos são vistos como tendo adorado a própria natureza'.
Tristemente, e em todos os crentes da Nova Era a quem evangelizo, constato os frutos espirituais da sua não-religião. Os mais ricos no seu estudo, logo abandonam a sua atitude piedosa, e após instantes de apologética, ou desistem da sua teologia e recolhem à busca eterna da divindade que não concebem encontrar, ou destemperam-se na ira, evadindo o debate. Nos mais modestos e comuns, é-me óbvia a sua falta de qualquer leitura que não dos seus manuais de auto-ajuda, que não os afastam, porém, dos seus hábitos de cannabis, haxixe, ou ácido; ou duma vida emocional instibilíssima; ou duma solidão que nem o chá dos brâmanes, nem o álcool do festival do Avante! pode redimir.
Resta-me o radicalismo da Palavra contra a cobardia pós-modernista da Nova Era, de que fala, como sintoma dos Dias do Fim:
'Porque virá tempo em que não suportarão a sã doutrina; mas, tendo grande desejo de ouvir coisas agradáveis, ajuntarão para si mestres segundo os seus próprios desejos, e não só desviarão os ouvidos da verdade, mas se voltarão às fábulas' (2ª Timóteo 3:3-4).
Se Deus é amor, Ele tem que se amar com um nome e uma pessoa e uma identidade para que o amemos como ao homem intimamente se sente o amor, e se é amoroso, e se ama a vida e o bem-estar que o crente da Nova Era deseja, então odeia a morte e o pecado, pois se isto amasse, não amaria de todo (João 3:16).
Nuno Fonseca |
posted by @ 2:54 da tarde |
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59 Comments: |
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Pois, estou a ver, mas estupidez e ilusão há-as em todas as formas, até cristã, e deparar com discursos estúpidos ou falsos acerca de X ou Y diz mais acerca da nossa própria natureza do que das teses e práticas a que aderimos ou desaderimos.
Relativamente à religiosidade transversal ou antropológica podes buscá-la em Aldous Huxley, Ernst Junger (um mano protestante que perto dos cem anos de idade virou mano católico;) William Burroughs ou no mano protestante Paul Tillich (para além da grande Marina Abramovic), para apenas referir alguns e sem serem pessoas que conheço e te posso apresentar pessoalmente. Outra coisa é o pot-pourris ou manta de retalhos pseudo-religiosos que se encontra nas prateleiras de supermercados e afins, que isso sim, tem mais que ver com mentiras e ilusões (e que também há, repita-se, na forma cristã).
Relativamente à citação apocalíptica da 2ª Timóteo, eu leio-a sempre profeticamente, isto é, não como uma adivinhação de tempos futuros agora presentes ou ainda por vir, mas como revelação duma estrutura limite (maligna, neste caso) sempre presente e possível.
Um abraço, Nuno
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Bom texto, Nuno. Por estranho que pareça, no essencial estou de acordo contigo.
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Do Burroughts só se aproveita a voz
":O))
Eu também gosto muito de muitos artistas mas deixo de parte quando se metem a inventar religiões.
Um deles foi o Gauguin. Un sacana com talento mas com um vida tão vergonhosa que até mete dó.
E também lhe deu para o panteísmo e coisa tal. Depois propagou a sífilis aquela malta toda e quando morreu, eles mandaram-lhe com os quadros de volta para o grande oceano ":O)))
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Bom texto. A verdade é que o ateísmo deixou de ser "onda" e deu lugar a uma espiritualidade perigosa, igualmente sem Deus. Na revista Novas de Alegria deste mês, vem um texto interessante sobre este tema.
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Olá Hadassah ";O)
Atenção, nada de relaxar. O ateísmo militante está aí em força como não estava desde os tempos da URSS.
Um fenómeno bem complicado porque tem laivos de nazismo e esconde-se nessa treta da "democracia laica" e da religião apenas na esfera privada" e depois tem a Mossad a financiar e a diabolização do selvagem muçulmano está aí.
Está aí como racismo religioso. Nem sequer como política realista de imigração.
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e a trilogia "Cities of the red night", "Western lands" e o outro das estradas, zazie :)
a religiosidade humana é pré-comunitária. não se focam nesta, por si, nem religiões nem invenções destas.
abraço
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Não, nada, rien de rien. Esse sujeito só me convence pela voz.
Agora quanto aos extases artísticos já te respondi no outro post.
E eu até sou uma enorme defensora da mistura do sagrado com o profano nas tradições populares.
Mas isso é outra coisa- é a noção de festa e aí ninguém imita a religião por outras vias. Junta-lhe é o mundo, a terra, os ciclos da vida, a tradição, a comunidade, as celebrações.
E estas misturas são sempre ingénuas, no sentido que nada têm de vedetismo. São formas de manter viva a religião e tradição popular.
Porque a religião, ao contrário destas imitações de extases por ganzas, não é algo que se deva reduzir à esfera privada.
Por isso, sendo pública, também tem de estar relacionada com a lei natural, com as tradições nacionais. Nunca com modas de import/export e ainda menos com desvios que nada têm de ético.
Sou perfeitamente contra os "misticismos charrados".
Ou seja- que se charrem, mas não chamem a isso religião.
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Nem o foco sobre os citados, dos quais apenas um é artista, nem a aferição da religiosidade originária tem que ver com charros nem lei natural. Embora, relativamente à lei natural, dependa um pouco do que queres significar.
Se te referes a qualquer tomada imanente, natural ou cultural (que é o que significa lei natural em certa tradição filosófica, que é a que mais se patenteia hoje em dia em jornais e academias, se bem que de modos diferentes) não terá nada que ver com religiosidade originária. Esta dá-se no limite ou fracasso de toda a universalidade natural ou categorial, animal ou cultural, etc
Quanto às imanências de perturbação da consciência, em termos técnico-religiosos, tanto faz que sejam ganzas ou vinho ou etc; a não ser que conduzam à abertura cega (ou à consciência desta, ao negativo total); pode ser sempre que se dê o início, isto é, que o originário desperte: relação com o eterno a partir da sua negação (nós próprios e etc).
Isto nada tem de contra, evidentemente, com a anulação das leis relativas, naturais, morais, culturais, estéticas etc; o religioso é precisamente, no seu desenvolvimento ou aprofundamento - uma relação com estas.
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é pá, tu és poeta. Nunca percebo o que v.s dizem.
Tenta falar em prosa.
O que eu disse foi simples:
Qualquer "extase" pode parecer-se muito com religiosidade mas não é. Basta charrares para entrares em "levitações".
E, o que eu disse é que isto é o oposto à religião. Porque uma religião- a cristã- a do livro- a de Deus- não é um chuto para a veia nem sensações giras a dar para visões.
Antes pelo contrário- podes não ter nehum desses "efeitos" e teres o sentido ético da religião- Esse é que conta- esse é o principal.
O resto nem é folclore.
Porque, de seguida o que eu disse é que existem mil e uma festas e tradições populares em que o sagrado é louvado, sem ser pela missa, sem ser de forma ortodoxa.
E essas sim, são para se defender, porque consistem na única maneira viva que entrosa as religiões nas socieades.
Sem elas não existia nada. Tinham morrida à nascença. A função ética está nelas- porque são essas tradições que mantém o bom legado moral- a lei natural- que nada tem a ver com as adulterações, ao saber dos interesses, da lei positiva- a tal da dura lex, sed lex.
Ora onde é que aqui entram Marinas e Burroghts e performences artísticas?
Não entram. E depois razão têm os ateus militantes para dizerem que é tudo uma patuscada de espíritos influenciáveis.
E aí têm razão. Porque se o Burroughts dá uma boa tripe católica, então até ir a um concerto ou uma manif passava a ser uma manifestação religiosa.
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isto é, que o originário desperte: relação com o eterno a partir da sua negação
Que nada! mas o que é que interessa o modo como as pessoas se vêm?
Nada! porque a religião não tem nada a ver com isso.
Se me disseses que os filmes de Bergman ou do Bresson alargam o horizonte religioso, plenamente de acordo. Porque é disso que eles tratam.
E aí sim, existe um sentido cristão, sem ser por efeitos de calores na cabeça ou outras coisas. Agora um tema que nada tem de religioso se te faz calores é bom que os separes do sentido ético católico.
Sob pena dos ateus militantes terem razão quando depois dizem que é tudo derivado de espíritos fracos e de umas patranhas que se explicam psicologicamente.
E as tradições populares, as procissões, as festas religosas, nada têm a ver com isto.
Se as pessoas também se emocionam, isso é outra questão- emocionam-se porque são humanas, porque sentem- mas o objecto que as leva a emocionar é que nunca poderá ser comparado com as maminhas da Marina ou as desbundas pedófilas do Burroghts ou qualquer cena muito decente que queira tomar o lugar da divindade.
Por isso estou de acordo com o Nuno. Nós os católicos somos badalhocos porque não prescindimos das imagens e dos sons e das sensações reportadas com a representação do sagrado.
Mas não tomamos um qualquer por vigário de Cristo e nem temos espasmos ou asceses à custa de literatura ou artes do palco.
No extremo tens o S. Bernardo a explicar os motivos e aí nem era foa do contexto religioso. Fora isso é palhaçada new age. Há muito ateu new age
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Sorry ter chamado poesia. Mas é verdade que tenho dificuldade em perceber textos muito burilados e pouco objectivos quando se está a tratar de argumentos bem objectivos.
Por exemplo, não percebi o que querias dizer com esta frase:
a religiosidade humana é pré-comunitária
Que é isso de pré-comunitária? conheces alguma sociedade "não comunitária"?
Eu estava-me a referir à função da religião nas comunidades. Não era viagem ao passado- não era ficção na Idade da Pedra.
Se queres dizer que é "pré-comunitária" por ser do foro psicológico, também não faz sentido- não tens consciência psicológica fora da sociedade.
E não há coisa mais "social" praticamente exclusivamente social que estas "transcendências artísticas"- seja em performences seja na literatura- são 90% social antes de serem o que quer que seja.
A menos que te refiras aos próprios- ao que foi ou é para os próprios- mas aí não vale a pena, porque eles são vedetas, foram vedetas, antes de se ficarem por estas "expansões" apenas pessoais.
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Olá, Zazie.
Negativo significa simplesmente que tudo o que seja que acedas directamente (estética, ética, política, ciência, culinária, embriaguezes, etc) - não é divino.
A própria religião, enquanto actividade ético-social - não exprime o divino. Este exprime-se na relação negativa que tem com tudo o que somos e conhecemos (este é o sentido religioso da mortificação, por exemplo); ou em linguagem "poética": Ele exclui de Si toda a criação, retira-a do nada, e nem o nada nem o tempo e o ser são o divino (o eterno).
Nesse sentido todas as imanências estão no mesmo plano (da ética às embriaguezes); é no retorno à imanência que se pode dar uma ética orientada pelo religioso (Moisés descendo da montanha).
A incarnação seria o próximo berbicacho ;)
abraço
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Ok. Fiquei na mesma. Tu és imbatível em debates.
Vou passar a fazer assim. Respondo em verso e já está.
":O)))
beijoca
(aposto que mesmo em teste americano conseguias traduzir a cruzinha por um qualquer sinal fora do contexto
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mais c' est très simple, Zazie, tenho a obsessão dos protestantes: perante Deus, nada somos (de divino) ;)
e agora, constitua-se a relação (com Deus)
que coisa...
beijocas
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PS: mas alguma razão deves ter, que eu sou incapaz de preencher questionários de cruzinhas e suponho que nos testes seria uma confusão. e a minha mãe azucrina-me a cabeça há anos a dizer que "corto cabelos em quatro"... :)
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ehehe
Vamos lá a ver. Eu fiz-me desentendida porque percebi que tu estavas a fugir à questão. O facto de falares por verso não impede que saibas pensar.
E percebeste bem a questão que eu coloquei.
A resposta ao post da Marina não passa por aquela citação do Kierkegaard. Essa é que foi fuga. Porque não se trata de rezar a ídolos, pensando em Deus, com mais verdade que quem reza a Deus sem empenhamento.
Trata-se que aquela pieta da Marina Abramovic nada tem a ver com verdades de religião e muito menos de ligação a Deus.
Se tivesses de a explicar ias dar precisamente aqui. Tem valor estético mas nada tem de verdade cristã.
No entanto ela chamou pieta a uma performence nua com uma mulher ao colo, no lugar de Cristo. Stromboli Pietá.
Para explicares o simples nome que ela lhe deu tinhas de fazer mais do que fugires para aquela citação do Kierkegaard perfeitamente fora da questão.
E isto não significa que eu não goste do que faz a Marina. Gosto, pois. Mas não me lembrava de a colocar a seguir a uma pietá do Miguel Angelo, num blogue religioso.
A menos que conseguisse sustentar a razão pelo que o fazia.
E isso tu não conseguiste.
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a citação do Kierkegaard não vinha responder a nada, Zazie.
quanto ao valor estético, ele vale por si. aqui voltamos à relação do natural – o estético, para o caso – e o divino. e das duas uma: ou o natural exprime indirectamente o divino, ou o divino é-lhe totalmente estranho. passa-se que é difícil estabelecer uma estranheza absoluta entre a criação e o criador, embora haja quem o afirme. parece-me nesse caso que fará mais sentido o gnosticismo com o demiurgo distinto de deus, isto é, com a natureza como obra duma força desviada de deus, desvio este que por ser de vontade (do demiurgo) ofusca totalmente a relação com o divino. se a natureza actual é desvio da criação primeira, ela tem registo desse desvio (indícios do criador). ou seja, os valores e verdades naturais não estão totalmente separados de deus.
que uma intensidade estética seja uma representação bíblica (Miguel Ângelo) ou outra (Marina) não garante maior ou menor acesso à verdade natural. para a próxima espeto aqui um Caravaggio, pronto ;)
outro ponto são as verdades naturais revelarem e constituírem a criação, interna ou externamente, mas não terem nada que ver com a face de deus, a tal que se morre ao contemplá-la directamente. que a religião seja a ordenação do natural e humano, em via e preparação do face a face, sim; que se confunda essas condições e exercícios com uma relação directa com deus, parece-me perigoso. chama-se a isso idolatria. que se idolatrem representações, ritos, pessoas, a bíblia ou o que for – a ilusão é a mesma.
mas eu não estou aqui para sustentar nada, o contrário estaria porventura mais correcto.
e muito menos vou explicar uma mulher com outra morta ao colo sobre cinzas, com céu e vulcão ao fundo e remissão para a iconografia cristã. deves estar a brincar comigo ;)
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«a citação do Kierkegaard não vinha responder a nada, Zazie.»
OK. Reconheces que não responde. E o engano foi esse. Porque a escreveste no seguimento deste post e em resposta aos outros a criticarem-no.
De facto o post do Kierkegaard nunca poderia responder a este.
Este pode ter muita justificação. Uma delas foi teorizada por Kant no juízo de gosto e na sua ligação à transcendência.
O que eu queria separar era a leitura desta performence da Marina em relação às tradições populares com paganismo à mistura dos cultos religiosos.
E separá-la também das manifestações artísticas imbuídas de forte religiosidade- caso do Bergman, Dreyer, Bresson.
A partir daqui podíamos conversar.
Mas só depois de isto ter ficado bem separadinho.
Bem separadinho ehehe
Ainda por cima, a Marina que até é neta de santo ortodoxo e que tudo o que faz se prende com um misticismo onde o sexo e o sofrimento coincidem. Ela nunca poderia ser usada a propósito do Dia da Mãe, como no post anterir foi usada a Pietá do Miguel Angelo.
Eu até considero (estritamente do ponto de vista cristão) esta Pietá uma apropriação bem herética
( e não estou a fazer o menor juízo acerca do caso. Também não me incomodam nada as heresias artísticas).
Agora o que não faço é transformar heresias artísticas em variantes de aproximação a Deus.
E bota um Caravaggio à vontade. Porque aí, até aquela morte da Virgem não é herética.´É difícil sustentar esta ideia mas é possível.
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«e muito menos vou explicar uma mulher com outra morta ao colo sobre cinzas, com céu e vulcão ao fundo e remissão para a iconografia cristã. deves estar a brincar comigo »
Bem, se te lembraste da imagem a seguir ao post da Pietá do Dia da Mãe é porque tens alguma ideia acerca da imagem.
Não me vais dizer que escreveste Pieta no Google e te saiu isto e daí teres botado post.
E ninguém pedia "explicação artistica" mas sim, explicação da escolha- do sentido, da ideia, do motivo, do que faz lembrar esta Pietá da Marina e que tem ela de religioso.
Porque foi precisamente a partir daqui que se foi ter ao new age. E depois à tua fuga para o Kierkegard. Que foi uma boa fuga- bem certeira para os evangélicos. mas não para os outros.
";O)
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O que estava em causa foi isto:
«Relativamente à religiosidade transversal ou antropológica podes buscá-la em Aldous Huxley, Ernst Junger (um mano protestante que perto dos cem anos de idade virou mano católico;) William Burroughs ou no mano protestante Paul Tillich (para além da grande Marina Abramovic)».
Com isto é que não concordo.
Mas não vou querer debate aqui no Trento. Quando calhar de se falar no asunto, tudo bem.
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Uma nota. A foto da Marina Abramovic, baseia-se no Stromboli do Roberto Rossellini. Um filme neo-realista onde a Ingrid Bergam faz de lituânia imigrada.
A Pietá da Marina é uma mistura de muita coisa e o cristinanismo só vem ao caso, pelo facto de ela se ter apropriado dele.
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E com isto fiquei foi com vontade de rever o Stromboli do Rosselini.
Um grande filme que também foca a mesma questão- a Natureza e a lei natural da tradição da comunidade- brutal mas verdadeira nos seus ritos e o que lhe é externo e está em situação de conflito- o casal. Uma variante de tragédia grega aqui simbolizada pelo futuro da Itália pós guerra.
É claro que a Marina sabe estas coisas e não foi por acaso que trocou a figura do martírio masculino por uma pieta onde a sacrificada é a mulher.
Não há-de ser por acaso que ela tem um avô embalsamado como santo e um pai como herói nacional de guerra.
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É verdade Vítor, caso não se tenha percebido: eu não critiquei minimamente o post com a Marina. Nem por questão religiosa ou pertinência no blogue. Nunca. Nem tinha dito nada. Não tenho a menor mania de purismos.
Só comentei quando achei que havia contradição teórica.
Apenas por esta razão- a contradição apontei-a. Nada naquilo consiste em aproximações religiosas. E mesmo as sagradas não me parecem consistentes (ainda que ela tenha outras performences onde o sagrado é aflorado). Esta é demasiado cinéfila e a apropriação religiosa é muito mais herética que outra coisa.
E também não me incomoda nada o herético, nestes termos. Foi apenas a tal religião natural que achei despropositada e essa sim, nunca me convenceu. Por isso o seguimento do New Age, quando a performence da Marina nem tem nada de new age.
Agora censuras a posts ou pedidos de explicação, nunca. Se pareceu isso foi engano. Eu só estava a achar inconsistente a explanação teórica e verdadeiramente contraditória quando seguida do exemplo do Kierkegaard.
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Só não encontrei pertinência no sentido de sequência do Dia da Mãe e da Pieta do Miguel Angelo.
Mas, mesmo aqui, nunca por me escandalizar uma coisa destas num blogue religioso.
Pas du tout. Pois se eu até sou católica badalhoca.
Apenas me preocupei com a inconsequência. E é um facto que misturas com new ages e outras variantes "espiritualistas de moda" nunca gramei. Porque então prefiro a mistura com o pagão mas bem popular. Agora elitismos de super-mercado, como lhe chamou o Nuno, não. E o que é artístico apenas o leio como artístico. Se tocar no religioso, desenvolvendo-o tudo bem, é mais um acréscimo. Agora se o desvirtuar para outras coisas que nada têm a ver com uma noção ética de Deus, não me convencem. Não me convencem religiosamente. Esteticamente até podem convencer. Isso depende. E é outra história.
Ainda que mescalinas para utopias hippies nunca tenham feito a minha cara. Prefiro o Huxley do Admirável Mundo Novo- porque esse é que temos bem à porta (politicamente- ideologicamente).
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Ok, zazie. Mais focadamente: reconhece-se que a disrupção e o transversal são a expressão do irrespondível eco (embora tal até seja bazófia;)
O Kant, porque não: “(…) não existe nenhuma razão demonstrativa empírica para impor o juízo de gosto a alguém.” Isto para a Marina, isto é, considero o seu trabalho expressão estritamente na imanência (o natural); o que eu estava aqui a pôr era a sugestão de que o imanente levado à forma estética (o belo em Kant) contém e acutila um eco, um vestígio indirecto do divino (um pouco à Plotino, tens razão nesse toque do platonismo). Mas se seguir a tua distinção, vou de encontro ao resto que atabalhoadamente sugeri, e aproximamo-nos da problemática do sublime em Kant (com as obras abertas à transcendência de si (o Bergman, Dreyer, Bresson, e permite-me acrescentar-lhe o Tarkowski, curioso, apenas cinema;). O belo consiste numa conjugação das faculdades (a imaginação, o entendimento e a sensibilidade) na unidade da representação estética, a adequação entre idealidade e expressão é perfeita no seu género ou esfera estética; o sublime consiste na divergência das faculdades, elas não se reúnem, há um soçobro de sentido, e aqui, um pouco paradoxalmente relativamente aos próprios pressupostos estéticos de Kant, a representação sensível (a obra de arte) extravasa o conceito, nenhuma unidade é dada.
Quanto à Marina, deixando esse toque da genealogia ortodoxa de santidade;) percebo um pouco o que dizes, a religiosidade dela é absolutamente imanente (não sei se conheces o trabalho “Épico erótico balcânico”, é dos últimos e anda por aí ;) Mas o trabalho dela é, nesse sentido da imanência, bastante mais aprofundado e experimentado, não se restringindo à sexualidade genital ou whathever: estou a pensar no “The onion” e naquela coisa da muralha da China com o Ulay. Se não conheces e não estiveres para te dar ao trabalho, a malta pode descrever a cena aqui para a palheta; já agora, na colecção Berardo (urgh;) pode-se ver o “Biography” que pode ser uma boa introdução ao trabalho da senhora.
Religiosamente, eu associo “heresia” a escolha duma das naturezas de Cristo em detrimento da outra. Não classificaria o “Peta” de herege, talvez de blasfemo, ou de paganismo invadindo o cristianismo, não sei. Mas isto são palavras, claro.
Não topei essa associação Rosselini; até porque (eu sei, eu sei, bolas, o Rosselini…;) nunca vi nenhum filme do Rosselini.
Quanto à explicação da escolha ou do que for, por consistência de pressupostos com o que já disse que não explicitarei – pois, elas não existem, seria uma completa tanga de converseta (ou então, sou eu a esconder-me ;)
Relativamente ao Kierkegaard e à Marina, para contradizer o anterior com uma escondidela, diria o que o outro anunciou para sua obra: “O meu método será muito simples: nomearei o que amei, e o resto, sob essa luz, far-se-á suficientemente entender.”
um abraço, zazie
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PS: ok 2, menina esperta, sim, o que não concordas é também a comichão para mim, o problemático desta desgarrada, e corresponde a saber se há continuidade do natural para o religioso. Mas eu se for/fosse para seguir a indicação bibliográfica, deixaria cair os chatos do Huxley e do Tillich e ficava-me pelo Burroughs (depois do Caravaggio, segue citação deste desmano, sem voz que isso do youtube e afins é demais para este mais ou menos voluntário netroglodita;) e pelo Junger. Mas não penso que haja contradição entre “As portas da percepção” ou o “A filosofia perene” e o “Admirável mundo novo”. E o facto dos freaks e os hippies o convocarem não torna a obra do Huxley refém de utopias, nem pouco mais ou menos (enfim…)
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Vítor:
Entendo-te perfeitamente se este debate fosse meramente artístico. Assinava praticamente tudo por baixo.
Só um pequeno senão. Seja lá qual for a proximidade com o sagrado das obras de todos eles, elas foram obras artisticas antes de serem actos religiosos.
Nunca tiveram uma mera função religiosa- foram e são comerciais. vendidos como literatura ou como arte paralela à arte plástica (este é aliás um combate da Marina- a dignificação da performence como carreira artística).
Donde nunca poderia enquadrar os seus discursos em formas pessoais de misticismo.
Se houve ou não é com la´com eles- Mas nunca seria connosco enquanto espectadores.
Do mesmo modo que eu não filmo e vendo uma missa ortodoxa ainda que me extasia esteticamente com ela.
Mas se apenas me extasiasse esteticamente com ela não ia lá enquanto cerimónia religiosa.
Era aqui que queria chegar.
Quanto aos hippies é outra história. Também não vou dizer que o Huxley teve alguma culpa da apropriação new age que fizeram dele.
E, mais uma vez, a minha crítica não era artística mas religiosa.
Tu é que não viveste essa treta em primeira mão. Eu vivia-a e garanto-te que era imperioso, por liberdade de espírito, mandá-los pentear macacos.
A única apreciação artística que fiz foi do Burroughs mas isso é gosto pessoal. Até já fiz post de concurso das vozes mais charmosas de todos os tempos e ele foi incluído. O facto de não considerar grandemente a sua literatura não vem ao caso.
Podia apenas vir na enorme separação de um decadentista como o Burroughs de uma obra mística, com bom aprofundamento das tradições de folclore e muita verdade da Marina.
E mesmo esta Pietá é bem inteligente, juntamente com toda a evocação que ela fez das margens do Báltico, da marginalidade da sua terra e da ferocidade das suas memórias comunistas.
P.S.
Desgraçado: vê-me o Rossellini todo!
";O))) beijocas
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não percebo lá muito bem essa restrição da experiência estética. se um crente pode abrir-se ao divino a partir dum pôr do sol ou dum sorriso ocasional, porque não poderá fazê-lo numa intensidade artística? nada disso tem a ver, claro, com postar obras artísticas na prateleira de itens religiosos ;)
pois, o Rosselini, ok. fixe. no outro dia um amigo meu dizia-me: que inveja tenho de quem não leu o Proust, ainda tem a possiblidade de ter o prazer de o ler pela primeira vez ;) e tu, se não leste o "Western lands" (Terras do Poente) e o "Cities of the red night" (Cidades da noite vermelha), dá-lhes uma vista de olhos. e voltaremos a essa do decadentismo do Burroughs...
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Começando pelo fim. Não me convences quanto ao Burroughs. Isso seria na adolescência- que me daria para insistir no que não me tinha agradado à primeira.
Agora nem pouco mais ou menos. Há muito mais coisas para ler que sei que hão-de fazer falta.
(mas olha, reparei que tu gostas do Céline e aí sim, aí a vida seria outra sem o ter lido).
Voltando à questão estética. Tem piada aparecer alguém a dizer-me isto quando eu é que costumo ser apelidade de "crente estética" e outras coisas no género.
Mesmo aqui no Trento já tive longos debates a defender as imagens e a própria estética. E não eram apenas os evangélicos que a criticavam, eram mesmo os católicos.
Mas tu estás a fazer um raciocínio falacioso.
Eu já tentei explicar. Qualquer coisa, até uma simples montanha, a natureza, a vida, em geral, nos pode abrir portas para o sagrado.
E sei do que falo porque, ao contrário de v.s não tive qualquer ensino religioso. Digamos que permaneci num estádio selvagem sem nunca me ter deixado contaminar por ateísmos. E esse estádio selvagem levou-me à noção de sagrado. Às grandes interrogações metafísicas ou inquietações do sentido da vida. E isso aconteceu naturalmente em miuda. Donde, sei perfeitamente que o sagrado tem acesso sem necessitar de doutrinação.
Agora levanta-se a outra questão. E essa foi questionada teoricamente pelo S.Bernardo. Aquela famosa epístola a propósito do desvio que os capitéis e decoração fantástica do românico fazia em relação à mística da devoção dos monges.
É claro que sempre usei este exemplo do S. Bernardo em termos históricos e até para defender a preservação da decoração das fúrias puristas dos iconoclastas (coisa que ainda se repetia no século XIX, citando-o para não se restaurarem essas "poucas-vergonhas".
Mas percebo perfeitamente onde o S. Bernardo queria chegar. Há uma competição sensitiva e o prazer pelas "disformidades formosas, e formosas disformidades"- ou seja, mais do que o Belo- o feio também é estético. E não pode existir um "lugar" preenchido por 2 efeitos distintos com sensação indêntica.
Se eu estou a assistir a uma performence ela pode evocar uma série de questões que até podem aproximar o espírito do sagrado. Mas não impõem o respeito que o sagrado exige.
E é aqui- no respeito que não é o respeito pelo espectáculo, nem da parte do espectador nem da parte de quem o executa que tudo se altera.
Porque nenhum escritor nem nenhum artista pode exigir que a sua obra, ou a sua actuação seja respeitada como uma iniciação religiosa- nem sequer eles o fazem- estão meramente a provocar o pensamento e os sentidos. E vendem-nas enquanto arte, nunca enquanto práticas religiosas.
O mesmo se passa em relação ao espectador. E, se este se enganar e achar que o prazer estético que daí retira é um sentimento místico, então está a desnaturalziar o sagrado.
Porque aquilo que é sagrado não é aleatório nem anda ao sabor da "inspiração de cada um". Nem sequer é questão que "se leve para casa" como complemento de satisfação do dia. É outra coisa- é uma abertura para algo acerca do qual o respeito é tão grande que nem é comunicável.
E aqui- no tal respeito que não é comunicável- a lei e a ética impóe-se. Não apenas como "uma verdade da arte" mas como uma exigência para com algo que nos transcende. E esse não é o artista nem o objecto que provocou este sentido. Não tem face, não se traduz por semelhança e é sempre único e uno.
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Dou-te um exemplo prático.
Existem também diferenças entre noções de sagrado que se prendem com a própria natureza e ritos do seu devir e outras que são religiosas.
No caso dos rituais artísticos da Marina ou até nos verdadeiros rituais primitivos o que é invocado é isso- o sentido da Terra- a sacralidade da vida e dos seus ritmos. No caso de um Dostoiévski ou de um Bresson é diferente porque aí está em questão o humano- e a própria religião que dele sempre se ocupou. Não é rito pagão.
Mas podes dar-te conta de outra dimensão que faz a ponte entre um e outro.
No meu caso, como andei anos "on the road" a fotografar para estudo tudo quanto era igrejinha, capelinha ou ermitério medieval, vivi situações que implicam essa diferença.
E vivia-as com um bom pé de fora da religião, no sentido institucional, já que é mais ou menos esse o meu estádio.
Lembro-me de uma caminhada com uns amigos em busca do ermitério de S. Pedro das Àguias, no Tabuaço. O intuito era de estudo, não tinha objectivo religioso em ir à sua procura. O deles era de "diversão" aproveitando umas pequenas férias diferentes, fazendo-me companhia (numa situação até excepcional, pois teria de ir sozinha por ocupação de parceria caseira e sem carro).
Quando demos com ele, as reacções foram diferentes e é óbvio que o meu extase é sempre o mesmo- passo-me com os monstrinhos, com as gárgulas, com todo esse mundo que é o meu mundo.
E o ermitério tem uma longa história, porque o local tanto serviu para fuga religiosa de um asceta mouro, como depois para outra fuga ascética de um místico cristão. E daí passou a lugar de culto que, no entanto, está perfeitamente desactivado, já que o que existe é ruína mais arqueológica que local para se celebrar missa.
Pois bem, a dada altura, estava eu bem ocupada no exame de tudo aquilo e à amiga que ia comigo, dá-lhe para se por a fazer macacadas no local, na brincadeira, como ideia herética e patuscada que lhe veio à cabeça, possivelmente até pelo insólito da questão- estarmos perdidos num local ermo, com defiladeiros tremendos- indo à boleia, apenas por causa "das minhas pancadas"- como eles lhe chamam.
E, nesse momento, com a palermice dela, nem sei bem como foi, mas dei-lhes um berro e mandei-os dali para fora.
Porque senti que aquilo era heresia e senti-o sem saber diferenciar em nome de que culto. Era heresia porque o local é sagrado. E este sentimento que tive foi da mesmíssima ordem que teria numa qualquer igreja católica no meio da cerimónio ou mesmo no momento da Eucaristia.
Mas não foi por associação lógica e muito menos por referência directa que o silêncio e o respeito se tornou imperioso. Nem eu me dei conta.
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Para concluir: está visto que uma imposição de um silêncio numa performence nunca seria desta ordem.
E é um facto que pode ser parecido. Também existem silêncios imperiosos quando se está a ouvir um Requiem ou a assistir a um filme. Mas não são estes. Nunca poderão ser estes nem confundidos com este respeito.
E é por isso que nunca entendi o problema da iconoclastia com a "representação do sagrado. Porque a dimensão é de outra ordem perante as diferentes "representações". E até acho que a única verdadeira "representação" que pode ser herética é a do ritual- por isso nunca poderia ser evangélica (a heresia aí é a dançaria e palhaçada humana, ou o demasiado terreno do efeito do verbo do pastor), mas sinto-me bem num templo ortodoxo.
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para quem não teve ensino religioso, andas religiosamente muito pertinente ;)
claro que a estética apenas pode ser uma antecâmara do místico (é o que distingue a relação icónica com uma imagem, em que se visa a remissão ou transparência com o sagrado, e a idolatria que retém o divino na representação)
mas da religião também fazem parte as antecâmaras. e isto não é mero jogo de classificação. trata-se do religioso ser a actividade histórica, social e pessoal, que tem como sentido conduzir das antecâmaras ao sagrado.
no cristianismo isto é perturbado, no sentido em que há um abalo da separação profano/sagrado, desde logo no próprio signo da incarnação, o vosso corpo é o templo de Deus diz S. Paulo (depois há o rasgar do véu do templo, que era o que separava o altar onde só o sumo sacerdote acedia, da maralha; a quebra do sábado, Jesus ser o que hoje se chama um leigo, o ataque aos doutores da lei, a reconstrução do templo em 3 dias, etc)
o que me interessa aqui é que o abalar da separação sagrado/profano do cristianismo tem a tensão de tornar o profano sagrado, e não o de profanar a sacralidade, como por vezes se age e interpreta.
num mundo cristão, tudo seria sagrado, a criação inteira como transparência do criador. certa idade média tentou isto directamente. claro que é, relativamente, um equívoco. mas ainda assim, respeitemos esses loucos equivocados, sempre estão mais remetidos para o sagrado do que certa laicidade cristã que faz do sagrado uma espécie de agente decorador da moral utilitarista. isto é, sem mitos nem tabus, a ética não passa de contratualidade humana. eu percebo muito bem que o laicismo esteja historicamente conectado ao ateísmo, pois o religioso terá sempre um lado indomável: dar sepultura a um irmão morto é mais alto que qualquer lei humana ;)
seja como for, a lei não é a ética. e numa cultura laica, as leis devem ser laicas. isto é que é politicamente o problemático… e é um assunto complicado como o raio ;) cheio de armadilhas, quero eu dizer.
ah, o Céline, consegue o que poucos conseguem: atingir o paradoxo da obra ser maior do que ela própria. larger than life and twice as natural, dizia o Lewis Carroll, não do Céline evidentemente. conseguir ir ao fundo do desespero mantendo um equilíbrio com o cómico, foi o que ele fez. e é muito simples: quem sai incólume da leitura do Céline, é porque… não o leu, fez outra coisa qualquer com as frases (esta é um bocado abusiva, eu sei, pachiênchia :)
but uncle Bill will be back :)
uma vénia, Antígona
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Olá,
Estou sem tempo mas só de passagem:
Não existem leis laicas ou leis religiosas. Existe jusnaturalismo e juspositivismo.
E eu defendo a supremacia do jusnaturalismo.
Em termos genéricos, significa apenas que as grandes questões estruturais- as tais que derivam de um saber milenário- não podem ser alteradas à custa de lobbies e interesses de voto partidários.
E isto sim, é um grande problema destas "democaquices" que tendem a desligar as pessoas e a transformá-las nessa tal aldrabice do "cidadão" que mais não é que um número e um instrumento domesticado, sob a alçada do poder estatal.
(E sei que se entrassemos no debate dessa palhaçada dos casamentos gay íamos estar em absoluto antagonismo. Quanto a isso já tenho por aí testamentos com o Luís. Nem vale a pena retormar. Mas é apenas para dar uam ideia por onde passa a fractura. Passa por aqui. Como já passou pelo aborto. Ou virá a passar pela eutanásia e restante pacote de mundo-às-avessas.
Penso que quem defende a religião devia ter bem presente estas questões políticas- bem entendidinhas, antes de se deixar levar por modas, só com o medo de poder passar por "velho do restelo".
A questão do casório gay, como tentaste enunciá-la no teu blogue não tem a menor sustentação. E aí a retórica nunca poder ser literatura porque o que está em causa é a célula familiar. Não é amor e muito menos formas de união entre as pessoas. E, se entra no domínio laico, deve-se ao facto do laico se ter apropriado do domínio religioso.
Pelo que se torna comodismo fácil dar o flanco e dizer que não entra no território religioso.
Por essa lógica nem o social entrava. Já entrou, porque a militância jacobina é que é poder. E a militância jacobina, ao tornar-se poder adulterou as regras do jogo. Não há laicismo em causa, já que só o Estado é que tem de ser laico. Não existe nenhuma sociedade laica, pelo simples facto que só existiria se existisse uma socieade ateia. A religião não é um favor que o Estado faz de permitir a sua existência viva. E nada diste tem a ver com democracia ou direitos humanos ou o tanas. Apenas com a noção de Ordem e com o oposto- o que des-ordena- o que des-orbita.
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Só uma nota: a lei tem de ser ética. Não existe lei "não-ética".
A ética é o fulcro da lei. Nem faria sentido de outro modo.
O que podes dizer é que a moral e a conduta de cada um se pode reger por uma lei, uma ética, maior que o Direito. É claro que sim. Nem poderia ser de outro modo, pois ele é que deriva da moral. Mas como tudo isto se perde muito mais rapidamente do que se levou a construir, é bom que quem entende que há fundamento divino, não brinque também ao "demiurgo". Porque aquilo que se altera em nome dos outros não vai ser refeito pelos mesmos num futuro que está para além do seu tempo de vida.
E eu entendo estas questões do mesmo modo que entendo a ecologia.
Não existe um mero valor traduzível de forma monetária de um floresta, de um eco-sistema. Porque, na verdade, ele é produto da Criação e essa não é obra nossa.
Logo, até uma floresta tem uma "lei natural" um direito natural a ser respeitado e que só se pode traduzir de uma forma sagrada. O que destruirmos não repomos nem refazemos.
Do mesmo modo se passa com tudo o que tem esse fundo milenar em que se estruturaram todas as sociedades. Durante milénios. Esse passado, esse saber, não pode ser deitado para o lixo por um qualquer ser humano que ache que tudo tem de mudar a partir do dia em que ele nasceu.
Aqui sim, seria a soberba humana a substituir-se a Deus.
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Com a agravante de o fazer por mero capricho, por mero desejo de destruir essa ordem.
E aqui sim, entra a longa tradição das orfandades de minorias que sempre desejaram fazer lei dos seus casos de excepção.
Os casos de excepção têm enquadramento dentro da Ordem. Esta é que não pode ser virada às avessas em nome da sua destruição.
As rábulas de vitimização são demasiado perigosas. Porque são falsas questões de intolerância e umbiguismo que quer fazer cobrar diferenças naturais ao trato igualitário humano. Trato esse que não é nem pode ser uma nova natureza. Já nos bastam os frankenstoinos de todos os tempos.
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Uma "cultura laica" é apenas aquela em que o Dia do Corpo de Deus é feriado para uns e dia de procissão e festa popular na rua para outros.
Uma cultura laica é apenas aquela onde o Natal é período de festividade e consumismo para uns e festa religiosa com consumismo q.b. para outros.
Uma cultura laica é apenas aquela em que os fins-de-semana são dias de levar a família para as catedrais de consumo e dias de pausa e convívio de população na igreja, para uma maioria.
E assim por diante. Uma "cultura laica" é apenas uma abastardamento burguês, capitalista, egoísta, sem esntido de uma cultura popular onde as coisas ainda têm sentido.
A laicização consiste apenas nisto- saber que já se estragou muito e dizer que "está feito"; tudo muda, e deixar estragar mais ou dar ainda uma forcinha para que seja estragado mais rapidamente em nome do "presente".
É a grande poltranice da irresponsabilidade do desenraizamento. De toda a falta de perspectiva histórica e de verdadeiro empenhamento social.
Aquilo a que se costuma chamar "espírito de tolerãncia" para caracterizar o abastardamento burguês é mera indiferença por esse abastardamento.
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Esta história da "cultura" e da "sociedade" laica é, de facto, um berbicacho.
É berbicacho porque até é anacrónica, para nós- Europa. A laicização europeia foi feita à conta de uma tomada de poder doutrinário ateu e depois consegui estabilizar-se no dito estado moderno. Com uma gigantesca parte do religioso que foi tomado à vida comunitária, aos pequenos grupos sociais, aos municípios, aos diferentes ritmos não homogeneizados, como na paisagem natural.
Mas não é cultura- não há acréscimo algum cultural. O que há é retirada de funções religiosas por parte do Estado. E as vantagens nunca se mediram por retiradas religiosas da sociedade viva. Pelo contrário. O religioso até foi sempre um bom contraposto aos totalitarismos estatais- precisamente por lhe ser independente. Temperou-o. Mesmo nos piores casos- Inquisição. foi preciso interessar ao Estado e chamá-la a si, para fazer por ele aquilo que lhe interessava.
O problema acontece agora devido à globalização. Porque é impossível que tudo se "funda" tudo se una e mescle. Os excessos de fusão levam às reactivas de separação. Sempre foi assim. Como o multiculturalismo é inviável (só o foi viável por colonialismos ou mundos novos) impõe-se agora a dita laicidade como uma espécie de "limpeza" religiosa onde se apagaria o principal factor identitário. Que, se não o é para os autoctenes (por força do abastardamento burguês) é-o para os "desalojados". Para aqueles que se separaram das suas raízes, dos seus parentes, até.
E é por isso que o laicismo tanto pode aparecer como uma medida estratégica de imposição de limites aos imigrados, como um campo de avanço e retaliação de outro tipo de proselitismo- o neo-ateísmo que encontra agora o momento ideal para se fazer passar por minoria ostracizada.
No caso da Holanda do Wilders até já vai pior, aparece já como um integracionismo em que se pretende proibir até a fala de outra língua na rua. Claro que não estão a pensar no inglês.
Razão pela qual eu vejo com muito maus olhos esta militância a que chamam laica.
Porque é um facto que muito tende para se dissolver mas é bom que se preserve a cultura de cada país. E esta só é preservada se não lhe apagarem o próprio sentido histórico. Ora o laicismo não tem história. Não existe. O laicismo é um arranjo de poder e cidadania onde a única coisa que é histórica ainda marca o calendário.
Que em França os muçulmanos já tivessem reivindicações para incluir feriados islâmicos nesse mesmo calendário dá ideia do problema.
Do mesmo modo que pode dar, se o "laicismo" quiser apagar os religiosos (os que remetem para a tradição religiosa dos países), como já quer por cá, até no nome das escolas.
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A Hedwig' s question do casamento é no sentido sacramental, e não no sentido jurídico. Há uma relação entre ambas, ou não, é outra question, ou aprofundamento da mesma.
Quanto a não existir lei não-ética, isso passa-se, penso eu, pelo totalitarismo, pela absoluta universalidade da ética - também não existe, nesse sentido, divertimento, profissão, intersubjectividade, arte, etc etc etc - que não estejam sob o jugo da exigência ética.
Mas a lei, a gestão dos interesses e processos e finalidades da sociedade não é, nem por si nem exclusivamente ética. Pode parecer, dada a sua forma de enunciação, que tem mais que ver com o bem e o mal do que a estética ou a culinária. Mas em absoluto, isso não é verdade. A lei é política, e constitui-se nos processos e sentidos da polis em que se sustenta. Tentar impor leis a uma polis que não derivem do seu sentido é puro equívoco; crie-se resistência e operadores de modificação da polis, então. A lei é um resultado, não é um princípio (como a ética).
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Tentar impor leis a uma polis que não derivem do seu sentido é puro equívoco; crie-se resistência e operadores de modificação da polis, então exacto. E é a isto que se chama jacobinismo ";O)
........ «A Hedwig' s question do casamento é no sentido sacramental, e não no sentido jurídico. Há uma relação entre ambas, ou não, é outra question, ou aprofundamento da mesma.»
Não. Só existe uma coisa chamada casamento e faz parte das relações de parentesco e da base da família.
É assim há milhares de anos, com variações- podendo até ser polígamo. Agora o que nunca poderá chamar-se casamento é união do que não tem por base o par oposto que está na base de atribuição de parentesco.
Fora isso existem tantos modos de ligação por afecto como contratos entre pessoas. E, nesse caso, é válido para homo como para irmãos e tios que partilhem uma casa. Não há diferença.
A diferença só aparece quando isto se transforma numa militãncia política em que nem se sabe quem pede e quem são os interessados. Existem sempre grupos que se auto-elegem por causas contra a Ordem em nome de mudanças imperiosas porque sim. Porque eles querem fundar um mundo novo a partir dos seus caprichos e interesses egoístas.
De outro modo, em achando que a humanidade é que atribui o valor ao par, então não havia nada que pudesse "deter" a formação da famíla a partir de um par irreprodutível.
O que significa que, seguindo a lógica do humanismo, era perfeitamente válida a utilização de fêmeas incubadoras ou machos dadores, para a continuação desse casalinho juridicamente tão patusco e tão humano.
Isto é absoluta predação. E nem sei como é que ainda se pode usar a chantagem emocional quando a perspectiva que fica pela frente é das mais crueis e utilitárias.
Cada parzinho a usar o sexo fora desse par para continuar o capricho familiar. E as criancinhas a serem usadas e um futuro em laboratório à custa de tanto totó à solta e indiferente às consequências.
A religião vem tanto à baila para impedir isto quanto vem pela uso de cobaias humanas ou pela manipulação genética e uso de embriões.
E só mesmo por complexo de "diferença" é que há tanta gente a alinhar na palhaçada.
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A menos que se diga: não, o casamento homo é apenas laico e a lei vai impedir que passem do casal amoroso.
Isto é tão idiota como dizer que o casamento foi feito para dar amor às pessoas.
E não lhe podem atribuir estatuto igual para depois os impedirem de serem "família igual". O que significa que é uma forma de parentesco aberrante que nunca existiu precisamente por não ser base familiar para nada.
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Oh tenho muita pena mas a Hedwig' s question não é a Zazie' s question.
Lê o post e os comentários e podemos começar a partir daí (não me está a apetecer repetir exposições que já lá estão, como essa da sacramentalidade).
Evidente que, e reiterando, podem relacionar-se as questions, mas de preferência sem as indistinguir.
PS: e não sejas incauta, Antígona, a expressão de vida e sentido dum personagem (Hedwig, para o caso, criação do John Cameron Mitchell) não tem como fundamento defesas generalistas, militâncias e outros publicismos subservientes.
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Sim, eu li o teu post e os comentários e reparei que o título é uma coisa depois o post fala de outra.
O que dizes no post e nos exemplos dos concílios modernos em nada se relaciona com o casamento gay.
Se queres dizer que a homossexualidade é humana e não erro da criação, aí entras numa questão teórica da Igreja.
Mas nada disso pode permitir o malabarismo à circo Chen de saltar para a diferença entre sacramentos e casamento como contrato civil.
Ainda que não se tenha percebido se defendes o segundo e apenas decidiste teorizar sobre a questão da sexualidade e Deus.
O que eu digo é mais pragmático poruqe é esta a realidade perante a qual as pessoas se podem confrontar, tal como a Igreja, nas suas directivas.
E no que disse tentei mostrar-te que a questão do sacramento só se pode colocar se as relações de parentesco não se baseassem na procriação e no sentido de família.
Como se baseiam nelas, desde que o mundo é mundo, desviar para questões amorosas, como se essas apenas afectassem essas duas pessoas, é algo anti-social e anti-religioso.
Não consigo encontrar nenhum ponto válido para se considerar casal a uma relação destas.
E não vejo como é que todas as relações familiares e de parentesco podem ficar a salvo das alterações que algo biologicamente desigual pode provocar se tratado como falsamente igual.
As normas sociais não são feitas para excepções. Donde não se pode invocar que este casal apenas seria legitimado para família pré-existente de algum deles ou para adopção. Porque o que é legitimado é o uso de terceiros para lhe dar continuidade. E esse uso nada tem de "casal" nem de dignidade humana e muito menos de parentesco.
Qualquer homem que duas lésbicas usem como dador de esperma fica numa estranha situação de parentesco, caso não se torne anónimo.
E o mesmo é válido para qualque "barriga de aluguer" que 2 homens usem para dadora do filho de ambos.
O que não consigo entender é como isto nunca é falado.
Porque esta realidade, de facto, nada tem de dignificação humana mas de puro egoísmo utilitarista.
E é por isso que esta treta dos casamentos gay é mais uma forma mercantil de destruição dos valores. Das tradições e de tudo o que unia as pessoas para além do hedonismo egoísta e das contas aos efeitos afrodisíacos do IRS.
Aqui, com o Luís, ainda conseguimos ficar num ponto teórico que não nega esta verdade. A tal questão da natureza da homossexualidade, do ponto de vista religioso. Se pecado porque produto da queda, se fruto de erro divino, questão que já na Idade Média tinha sido resolvida.
Agora o casório é que está absolutamente out mesmo destas reflexões.
O sacramento para os gay é igual- baptismo, comunhão, última unção. Não vejo que diabo de sacramento se queria incluir entre aquilo que a natureza impediu de se procriar por acasalamento.
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Eu sei que te desagrada tocar nas militâncias e em todo esse lixo menor.
Mas então eu faço-te a vontade e volto a repetir:
Que sacramento? de que sacramento faláste tu a propósito de um título de casório gay?
Que sacramento é que podia estar em causa entre todos os que existem na Igreja?
A minha resposta é simples- nunca poderia estar em causa um sacramento de uma cerimónia naturalmente inviável.
De resto existem todos, excepto o casamento polígamo entre a Igreja Católica. Só este é que poderia ser teorizado e questionada a sua pertinência.
O outro- o contra-natura (à letra- sem folcore de militâncias) não existe. No sentido biológico e fundador de uma iniciação que tem por fim continuar o ditame- crescei e multiplicai-vos".
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Clarificando. Dizes: «Relativamente à esponsalidade entre um homem e outro, entre uma mulher e outra, e evidente e precisamente, entre uma mulher e um homem – não há que tergiversar, e a sua presença sagrada pode ser enunciada à papo seco: os seus frutos são a bondade e a beleza. Misturados, digamos assim e naturalmente, com perturbações negativas e conflituais, como tudo na temporalidade desajustada da vida aos trambolhões em que nos debatemos e abraçamos.»
O teu erro teórico foi este: os frutos da esponsabilidade entre um homem e um homem ou entre uma mulher e uma mulher são a bondade e a beleza.
Não faz sentido. Os frutos do agapé humano é que devem ser isso- a bondade e a beleza.
E nesse sentido de Amor incluem-se muitas relações onde o sexo não é o germen delas mas o género- pai-filho/a; irmãos; amigos, etc,. etc. O agapé não tem sexualidade, tem géneros diferentes.
Mas só existe esponsalidade por união sexual. E é a partir desta que a esponsalidade implica algo mais- a célula base familiar do "crescei e multiplicai-vos (o facto de muitas serem estéreis não altera o fundamento primordial).
O teu erro inicia-se logo a partir desta confusão. Tomaste por válido algo que não existe e retiraste dessa união específica- matrimonila- base da família- frutos que são abrangentes à humanidade e ao sentido de Amor cristão.
Foi falácia lógica.
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matrimonial e outras gralhas.
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A falácia é a mesma caso tenhas usado a expressão: "os seus frutos são bondade e beleza" como o produto da união e o que ela gera.
Porque a única forma de existir descendência é por sexo oposto.
Da união sexual entre 2 pessoas do mesmo sexo não há qualquer fruto de esponsal.
Nunca poderias equivaler este par ao par natural dando-lhe precisamente o sentido matrimonial primordial- "gerar frutos".
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Ai, Antígona, exprimi-me mal… eu não quis dizer que as militâncias ou as preocupações e ocupações políticas, assim como as contextualizações históricas – sejam algo de desprezível ou menor. Tudo é maior quando colocado no seu lugar adequado, da culinária à metafísica.
O que eu quis dizer é que o Hedwig’ s tune não releva nem remete directamente para sentidos generalistas e comunitários (o político e o histórico geral) mas para representações duma particularidade: afirmação dum modo de ser e existir duma persona (o privado e o histórico pessoal), assim como convocações relativas a essa persona (quem conhece a obra do senhor Lou Reed verá de imediato a remissão mais evidente). Não constitui de modo nenhum uma defesa política ou jurídica seja do que for, até porque o lado punk do tune está-se bem fodendo para essas perspectivas, a sua urgência de viver põe a coisa noutro patamar, no de desafio prévio a tudo e todos a partir dessa urgência.
Relativamente à problematização irónica dos Concílios de Berlim e da polissexualidade divina (irónico não significa que os conteúdos não são sérios, como é evidente, não estou a falar de anedotas;) claro que pressupõem a relativização da moral da procriação, isto é, a sua não exclusividade relativamente ao aspecto sacramental da união amorosa.
A questão da família procriativa ser uma universalidade antropológica é historicamente falsa. Que o patriarcalismo foi a forma social que mais poder efectivo deteve, e nessa efectivação dominou e destruiu (embora não totalmente) outras formas de assegurar a procriação, isso é certíssimo. Mas isso só lhe garante mais força, não mais justeza ou amor ou até eficácia de reprodução (no sentido biológico, claro, não no sentido cultural). Há inúmeras outras formas, de Esparta às culturas amazónicas de assegurar a procriação. E mesmo que não as houvesse, não seria tal que impediria a inovação (era o que faltava!) Esta terá de ser impedida a partir de fundamentos de sentido (legitimamente quero eu dizer, na prática pode ser impedida pela lei do mais forte, a maioria por exemplo).
A homossexualidade não é contra-natura – deixando agora de lado as questões de natureza primeira e natureza decaída. A sexualidade natural, dos animais aos humanos, não releva factualmente de nenhuma exclusividade heterossexual – deixando de lado agora os anjos. Isso não lhe confere, como é evidente, nenhuma legalidade, também o assassínio não é contra-natura; e aqui voltamos ao parágrafo anterior.
Fazer do “crescei e multiplicai-vos” genésico uma afirmação universal da família procriadora é problemático exegética e antropologicamente.
Mas há, claro, um lado provocatório, na colocação da agapé como único fruto sacramental, na infinidade dos seus modos de ocorrência (isto é, tornar esponsal toda a relação) em conexão com a decisão de exclusividade do casamento. Esta foi aliás e evidentemente uma das questões debatidas nos Concílios de Berlim ;)
beijoca
PS: não percebo muito bem porque raio estamos na palheta disto aqui… não que me aborreça ou outra coisa do género, mas acho curioso…
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PS 2: não me digas que a culpa é do tio Bill LOL
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Realmente, não sei porque ficámos aqui na palheta com isto. E ainda por cima não consigo mudar de nick.
Calhou, porque li o post, tu és inteligente e não está cá o Luís. Isto é para ser directa e explicar que não me quero ouvir a mim mesma.
Sempre que uma questão teórica é desenvoliva por alguém inteligente e que não tem o mesmo ponto de vista que eu, tenho dificuldade em resistir a debate.
Mas agora, como já vai para aí uma série de confusões onde o que eu (zazie) disse, foi adulterado, vou apenas repor a questão.
1- Onde é que leste que eu acho que a homossexualidade é contra natura?
Não podes ter lido em parte alguma porque o que eu referi como contra natura é o que nunca existiu, em sociadade alguma (primitiva ou não) desde que o mundo é mundo- as relações de parentesco serem feitas a partir de um acasalamento da mesma espécie.
2- Esta questão nada tem a ver com "patriarcal" ou "matriarcal" que me parece um mero chavão que nada diz.
Para já nem sei porque é que as sociedades contemporâneas hão-de ser chamadas patriarcais quando a até no apelido podem ser à escolha- o da mãe ou do pai (em Espanha sempre foi o materno)e quando a figura de chefe de família já nem existe.
Mesmo que fosse patriarcal ou matriarcal em nada alterava a questão de fundo- um par da mesma espécie não é nem nunca foi um casal e as suas relações sexuais ou felicidade amorosa não estão impedidas nem são alteradas pelos simples facto de não se lhes reconhecer aquilo que a natureza não reconheceu- a complitude que gera a vida.
3- Esta questão também já foi explicada (escusavas de voltar ao início) que não tem nada a ver com haver ou nãio haver reprodução em caso de estirilidade. Pelo simples facto que uma coisa é não existir por acaso, outra por regra e impedimento biológico.
E esta questão também não é acessória porque então não havia esponsal igual.
A noção de casamento é isso mesmo- um momento a partir do qual as relações de parentesco são atrobuídas.
E são atribuídas em termos universais- nunca caso a caso. E nunca por forma artificial de querer gerar frutos dentro de um casal que os não pode gerar autonomanente.
4- A partir daqui é que eu expliquei que há imoridade. Atribuir um mesmo sentido- como direito de cidadania que tanto é válido para um rapaz e uam rapariga que vão fazer filhos como para dois rapazes ou duas raparigas que são capazes de ter o mesmo desejo em função de lhes estarem a atribuir um papel social falso, só pode gerar males sobre terceiros.
Qualquer terceiro que entre neste casal para lhe completar a função (que não está impedida por lei - se estivesse só havia casório para gay que não queria filhos ou já os tinha)implica a introdução de um terceiro que não tem estatuto familiar neste par e que é um mero uso para sua satifação de relação social e de parentesco contra natura.
Posso estar errada nisto, mas só se me provarem com argumentos acerca do que eu disse e não acerca de outras coisas que não escrevi. ..........
As militâncias servem apenas para pormos os pezinhos na terra e percebermos que nem sequer pensamos muito naquilo em que tomamos partido. Porque, se não existissem militâncias que trouxessem estes temas para cima da mesa nem sequer escrevíamos acerca deles.
É por isso que acho que quem gosta de pensar tem uma boa oportunidade para se interrogar antes de dar como arrumada a questão.
No teu caso, como és inteligente, és bem capaz de o fazer. Mas reparei que o não tinhas feito. Daí uma série de incongruências tomadas logo como ponto de partida.
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atribuídas e outras gralhas.
Fica aqui o motivo pelo qual peguei no tema.
Deve ser o tal "efeito antígona".
Não consigo entender como é que as pessoas não se dão conta da gigantesca responsabilidade histórica que consiste na mudança de algo estrutural em que acentam milhares de anos de sociedade.
Aqui está "apenas" em causa a forma primeira de continuação da espécie e rituais que lhe estão associados tendo por finalidade a preservação da família.
Se isto é algo acessório que se pode mandar para o lixo, sem consequências de maior porque amanhã já cá não estamos e quem vier que feche a porta, então não se trata de mudanças para a sociedade mas de indiferenças e total irresponsabilidade pelo próximo, e pelo futuro que queremos deixar.
E é por isso que eu vejo todas as questões estruturais como "sagradas" e como um ordenamento ecológico que pode ser espatifado por ignorância, egoísmo, indiferença e oportunismo.
O que é estrutural é sempre moral. Não se mudam leis destas como se muda uma alínea de um decreto. E isto até o poder laico o sabe, razão pela qual se fazem referendos para estas questões e não se faz para alterações no código da estrada.
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Esta antígona com cara de rato ficou muito geitosa
ehehehe
beijinhos Não é para responderes. Foi apenas para esclarecer o que não entendeste ser "a minha questão".
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e assentar é com 2 ss. O musaranho é um tosco.
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ahahahaha Que anormalidade. Encasquetei que era o musaranho e, em vez de escrever, do mesmo sexo, escrevi da mesma espécie
aahhahahahaha
Eu sabia que isto ia descambar. Nunca consigo pensar nesta palermice sem me vir à cabeça o casório com a ovelha ou com a piriquita.
":O))))))
Mas foi sem querer ahahahah
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A propósito: as amazonas e os mannerbund são desorbitações sociais. Fiz uma série de posts acerca disso- os ursos e as rosas das ursas.
É um tema que até me agrada bastante, precisamente por aflorar a negação da iniciação positiva que gera a família.
Daí as meninas selvagens e os selvagens peludos, contaminados pelas regras que não se iniciaram com o oposto sexual.
Daí toda a utopia homoerótica e a longa tradição com exorbitação social.
Não, nunca existiu uma sociedade ordenada naquilo que é precisamente o enunciado por excelência da sua desagregação.
O que podias dizer é que todas as Ordens sabem integrar estes polos de desordem.
Claro, nós é que perdemos essa sabedoria milenar e agora vivemos dessa mentira neutra a que chamamos "cidadania".
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Não existe melhor símbolo do perigo desagregador que a lenda das Amazonas. Salvas da extinção pelos marinheiros em viagem iniciática.
De facto, os gregos já falaram disto tudo e a nós bastava relê-los para não se fazerem tantas asneiras em nomes de "progresso" ou de maior sabedoria.
Ingnorância e basófia, sim- é o retrato do presente.
Mas os mannerbund estão aí, e bem a par desta outra contra-natura que é a mesclagem universal que a globoalização trouxe.
E é por isso que eu digo que existem condições bem propícias ao desenvolvimento de uma outra forma de nazismo. Até o mannerbund faz parte da mesma utopia.
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Sim. Tens alguma razão quanto à butade do “patriarcal”. Razão, porque no fundo, trata-se mais do lugar e sentido das categorias de feminino e masculino; alguma, porque a sua expressão é dada adentro da organização social. A butade deve ser do Hedwig ;)
É certo que o casamento tem que ver com o parentesco; e é certo que a assumpção de justificar-se estritamente o casamento, pela entrega mútua até à morte numa conexão erótica e amorosa, espatifa a exclusividade do parentesco fundado na procriação (não sei se é pior do que a violentação do tabu do incesto, pois este apenas fecha a procriação na mesma casa ou família, e o outro fecha-a totalmente, quero dizer no sentido biológico).
Seja como for, é muito difícil distinguir antropologicamente o que é universal e o que é regional.
As amazonas LOL não estava a pensar nelas mas nos trabalhos de campo nas tribos da Amazónia da etnologia e da antropologia, em que se depara com inúmeros modos de gestão da procriação. E Esparta era Esparta, mas mesmo em Atenas lá muito atrás no tempo, pretender que a união entre o Sócrates e a Xantipa tem algo que ver com a família moderna tem um certo facilitismo que esfuma um bocado o problema.
O patriarcal não tem que ver com a linhagem nominal apenas; há uma distribuição de tarefas e acções sociais e culturais relativamente ao feminino e masculino.
Mas tens toda a razão, seja como for. Não se pode passar do plano da interrogação ontológica e teológica (a tal estapafurdice de todo o indivíduo da espécie humana executar totalmente o seu género – isto é, feminino e masculino seja ele homem ou mulher – aliada à mais estapafúrdia questão da polissexualidade divina) para o plano social e cultural, assim sem mais.
Até porque isto é do mais obscuro que há (no sentido societal e cultural está antes ou para lá do tabu; no sentido ontológico está antes ou para lá, como sempre, de toda a representação e categorização; e no sentido teológico, está antes ou para lá… de tudo ;)
Bem, mas neste sentido, o teu lapsus linguae está correcto: cada pessoa executa a espécie totalmente, e até, numa plenitude que o comunial não consegue (desta não tenho de todo de todo a certeza; é uma espécie de hipótese de trabalho;)
Sim. È preciso cuidado, tens razão. Sequer interrogar estas coisas é de uma imensa responsabilidade e perigo. O problema é que por vezes é a própria realidade a pôr-nos o problema, e não pensar no assunto poderia ser ainda mais irresponsável (falo por mim, claro, e por não pensar refiro-me a manter a tentativa de compreensão APENAS em compreensões prévias; apenas está gritado porque deve precisamente ter-se em elevada conta e atenção todas as compreensões prévias, interrogando-as; parte da resposta, se não toda, está aliás nelas).
beijoca, ó interpeladora
PS: musaranho?... ‘tá certo LOL para esquizofrénico, esquizofrénico e meio
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PS 2: também penso que há situação propícia aqui no burgo ocidental para uma "certa forma de nazismo". aliás, alguma formatação impositória de comportamentos sob a capa de liberalização anda com as garras muito afiadas... e que coño es manerbund?
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ahahahha Essa das amazonas ainda foi pior que a troca de espécie
":O)))) Toma lá o mannerbundo dos sobrinhos do pato Donald
":OP Claro que não faz sentido ir-se buscar exemplos da Amazónia para a pós-modernidade decandentona europeia. Já tive esta conversa com o Machamba que se farta de rir com ela.
E tem razão, pois se até a poligamia é proibida em nome da modernidade, íamos agora inventar exemplos de amazonas quando a questão é basicamente proselitismo para ocupar lugar.
Há um aspecto que se perdeu. O sentido das "margens". Interessam-me as margens, os "baldios", os "terrenos vagos" e o papel que desempenharam artisticamente mas não só.
Antes da formação do Estado moderno existia esta noção de Ordem "orgânica" com ritmos próprios onde se integravam as tais margens. Até os bons habitats naturais a reflectem- existem recortes, funções diferentes no campo, nas pastagens, no ager, no saltus. Ora a ordem moderna é a do cimento- mata tudo. Seca tudo à sua volta. Impõe-se como padrão único.
E é nelas (nas margens) que tu tanto encontras a marginalia decorativa que subverte a iconografica religiosa, como encontras as vivências paralelas, na margem da dita Ordem onde se exorcizam muitas desorbitações.
É este o sentido do "corpo rabelaisiano". E é este o sentido que eu penso que uma sociedade que sabe resistir à terraplanagem consegue manter e dar sentido a todas esses desvios. No sentido literal daquilo que sai da órbitra- como lhe chamava Sto Agostinho.
Esta vivência de um Ordem que integra desordens "marginais" foi destruída pela terraplanagem citadina do jacobinismo. Da tal mentira onde tu és um nº e te chamam cidadão.
E a confusão depois vem disso. Em se perdendo as margens, estas querem ser centro, quando nunca o poderão ser porque, precisamente, por natureza, desligam, em vez de unir- desorbitam.
Mas existem. E isso implica que o natural seria voltar a dar-lhes o estatuto orgânico que já teve (e que ainda vai tendo, por exemplo, por cá- porque somos também um país à margem, com as grandes vantagens que daí advêm e que são entendidas negativamente. Precisamente por se julgar que o que tem mais destaque ainda é cópia de ordem. Quando não é. As margens querem o lugar do centro e o mais que se consegue com isto é criar desorientações- caos- sem-sentidos tomados por o seu inverso- pela boa lei que até está escrita no código.
Esta questão da gayzada via-a precisamente aí- como está, como nós ainda temos- integração social, vivência sem escândalos desde que cada um no seu lugar- sem querer passar pelo que não é. E mais- sem querer tirar do centro- família- o que é família. Sendo que a felicidade nunca passa por atribuições de parentesco nem ritos. Porque a felicidade nunca é dada por decreto.
E- como sei que isto atinge o futuro e pode estar nas nossas mãos as consequências, não entendo como se possa tomar, de ânimo leve, um pressuposto, cujas consequências não podemos prever.
E pior- ter estas certezas apenas por medo de parecer "antiquado" ou "reaça". Apenas para satisfazer nem se sabe bem o quê ou quem, já que hoje em dia temos representantes auto-eleitos que fazem a festa sozinhos.
Basta-lhes ter um bom megafone. Do resto trata o sistema da partidocracia.
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Bisou ó "ente da mesma espécie"
":O)))))
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Pois, estou a ver, mas estupidez e ilusão há-as em todas as formas, até cristã, e deparar com discursos estúpidos ou falsos acerca de X ou Y diz mais acerca da nossa própria natureza do que das teses e práticas a que aderimos ou desaderimos.
Relativamente à religiosidade transversal ou antropológica podes buscá-la em Aldous Huxley, Ernst Junger (um mano protestante que perto dos cem anos de idade virou mano católico;) William Burroughs ou no mano protestante Paul Tillich (para além da grande Marina Abramovic), para apenas referir alguns e sem serem pessoas que conheço e te posso apresentar pessoalmente. Outra coisa é o pot-pourris ou manta de retalhos pseudo-religiosos que se encontra nas prateleiras de supermercados e afins, que isso sim, tem mais que ver com mentiras e ilusões (e que também há, repita-se, na forma cristã).
Relativamente à citação apocalíptica da 2ª Timóteo, eu leio-a sempre profeticamente, isto é, não como uma adivinhação de tempos futuros agora presentes ou ainda por vir, mas como revelação duma estrutura limite (maligna, neste caso) sempre presente e possível.
Um abraço, Nuno