sábado, janeiro 26, 2008 |
Buda |
Pois então, continuando a ler o Papa emocional (por contraposição ao intelectual), volto às outras religiões… a esta que lhe trouxe problemas assim na visita ao Sri Lanka em 1995. O respeito sincero não o impediu de amávelmente separar àguas: "If He were only a wise man like Socrates, if He were a prophet like Muhammad, if He were enlightened like Buddha, without any doubt He would not be what He is. He is the one mediator between God and humanity."
Entre as religiões indicadas pela Nostra aetate, é necessário prestar especial atenção ao Budismo, que sob certo ponto de vista é, como o Cristianismo, uma religião de salvação. Todavia, convém logo em seguida acrescentar que as soteriologias do Budismo e do Cristianismo são, por assim dizer contrárias. (…) A soteriologia do Budismo constitui um ponto central, até mesmo o único, deste sistema. Todavia, tanto a tradição budista como os métodos dela derivados conhecem quase exclusivamente uma soteriologia negativa. (…) Na iluminação transmitida por Buda não se fala disso (de Deus). O Budismo é, em relevante medida, um sistema ateu. Não nos libertamos do mal através do bem, que provém de Deus; libertamo-nos dele apenas mediante a distanciação do mundo, que é mau. A plenitude, ou seja um estado de perfeita indiferença no que respeita ao mundo. Salvar-se quer dizer, antes de mais, libertar-se do mal, tornando-se indiferente em relação ao mundo que é a fonte do mal. Nisto culmina o processo espiritual. (…) Assim, não obstante os aspectos convergentes, há uma divergência essencial. A mística cristã de todos os tempos – desde a época dos Padres da Igreja do Oriente e do Ocidente, através dos grandes teólogos da escolástica, como São Tomás de Aquino, e os místicos do Norte da Europa, até aos carmelitas – não nasce de uma iluminação puramente negativa, que torna o homem consciente do mal que reside no apego ao mundo através dos sentidos, do intelecto e do espírito, mas sim da Revelação do Deus vivo.Este deus abre-se à união com o homem e suscita no homem a capacidade de unir-se a Ele, especialmente por meio das virtudes teologais: a Fé, a Esperança e sobretudo o Amor. (…) “Para chegar ao que não gostas, hás-de ir por onde não gostas. Para chegar ao que não sabes, hás-de ir por onde não sabes. Para chegar ao que não possuis hás-de ir por onde não possuis” (Subida ao monte Carmelo, I, 13, 11). Estes textos clássicos de São João da Cruz são, às vezes, no Oriente asiático, interpretados como uma afirmação dos métodos ascéticos próprios do Oriente. Mas o doutor da Igreja não propõe apenas a separação do mundo. Propõe a separação do mundo para a união com aquilo que está fora do mundo, mas não concebe tal separação como um fim em si mesmo, e não se trata do Nirvana, mas de um Deus pessoal. A união com Ele não se realiza apenas na via da purificação, mas por meio do Amor. (…) Ceder a uma atitude negativa em relação ao mundo, na convicção de que ele é para o homem apenas fonte de sofrimento e que, por isso, é necessário um distanciamento, não é só negativo por ser unilateral mas, também, porque é fundamentalmente contrário ao desenvolvimento do homem e ao desenvolvimento do mundo, que o Criador doou e confiou ao homem como tarefa própria. (…) Para o Cristianismo não tem sentido falar do mundo como de um mal radical pois, no principio do seu caminho, encontra-se Deus Criador, que ama a sua criatura, um Deus “que lhe deu o Seu Filho único, para que todo o que n’Ele crer não pereça, mas venha à vida eterna” (João 3, 16) (…) Não é por isso descabido pôr de sobreaviso aqueles cristãos que, com entusiasmo, se abrem a certas propostas provenientes das tradições religiosas do Extremo Oriente, em matéria, por exemplo, de técnicas e métodos de meditação e de ascese. Em alguns ambientes, tornam-se uma espécie de moda, que é aceite de forma bastante acrítica. Deve, primeiro conhecer-se bem o próprio património espiritual, e reflectir sobre se é justo pô-lo de parte de ânimo leve.
João Paulo II, Atravessar o limiar da esperança, Planeta 1994 cbs |
posted by @ 7:07 da tarde |
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9 Comments: |
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significa isto que não há qualquer contradição intra-papam. dizem os dois o mesmo, de maneira parecida até.
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Não sei se vos passou ao lado, mas a acabou a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, em que católicos, protestantes e ortodoxos se reuniram para rezar pela unidade cristã. De ceta forma o espírito deste blog. E por iniciativa dos protestantes.
Cito do Público de 28 Jan:
Papa, protestantes e ortodoxos oram por unidade cristã António Marujo a O Papa Bento XVI, o secretário- -geral do Conselho Ecuménico de Igrejas, Samuel Kobia, e vários líderes de outras igrejas protestantes e ortodoxas estiveram ontem juntos numa oração pela unidade dos cristãos, na Basílica de São Paulo Fora de Muros, em Roma. Bento XVI afirmou que a recomposição da unidade das igrejas cristãs requer toda a "força e energia", mas está acima das possibilidades dos líderes religiosos. "A unidade com Deus e com os nossos irmãos e irmãs é um dom que vem do alto." A celebração encerrou a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, que decorreu em todo o mundo desde o dia 18. Samuel Kobia, queniano, da Igreja Metodista, apelou ontem, numa entrevista publicada no jornal L"Osservatore Romano, a que haja comunhão plena entre as várias igrejas cristãs até meados do século. E disse-se convicto de que as relações da Igreja Católica com protestantes e ortodoxos se tornarão mais intensas. Esta iniciativa começou a ser assinalada há 100 anos. O Papa recordou os precursores do diálogo ecuménico - como Paul Wattson e Paul Couturier -, num tempo em que católicos, ortodoxos e protestantes se consideravam adversários. E destacou que, desde há 40 anos, a iniciativa é preparada em conjunto pelo Vaticano e pelo Conselho Ecuménico, que reúne 350 igrejas protestantes e ortodoxas. No último ano, registaram-se vários passos na aproximação entre as igrejas Católica e Ortodoxa (incluindo o patriarcado russo), bem como entre o Vaticano e os protestantes.
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José, as palavras que te citei foram estas: "as grandes religiões são normalmente divergentes (...) apesar do que tem em comum naquilo que é verdadeiramente essencial" há aqui questões de tom José. Se pensarmos que o essencial é a Revelação de Cristo, não há comunidade inter-religiões, mas, por outro lado, se nos referirmos ao sentido da transcendencia, como uma base comum a todos os humanos, então há algo de comum a todos. Que permitirá diálogo, se houver vontade, e nisso estaremos de acordo, não há contradição nos Papas recentes. Há é tons variáveis, nas aproximações e nos afastamentos entre religiões - as acusações de infidelidade ontem e hoje - e também dentro delas - as acusações de heresia. Mas não haverá contradições intra-papam, concordo.
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desculpa José como de costume, metade do que quero fica por dizer. Fundamentalmente não vi razão para a tua arrelia :) O que dizias no antanho do Guia tem muito da relação universalista e ecuménica que a Igreja de Roma promove. O resto eram bicos a polir com o tempo, e aquilo que hoje somos inclui tudo.
Mas o meu retorno ao JoãoPauloII tem mais é de desmarcação em relação à moda. Na sua morte foi erigido a santo, e agora com o intelectualismo Ratzional, reduzem-no muitos (não falo dos daqui) a um simples. puz-me a relê-lo, mainada, lol
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Sofia também li no Público e congratulo-me. Uma das coisas de que cada vez mais me convenço é de que não precisamos, nem de nos submeter nem, de subjugar para caminhar juntos quando existe boa fé e o Amor de Deus. O Trento é disso prova.
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Cbs, a questão tem obviamente a ver com aquilo que se considera essencial. eu tinha uma visão algo minimalista sobre o essencial fruto, como é usual, dum desconhecimento sobre a minha fé. hoje considero o budismo uma religião perfeitamente legítima, com fortes sementes de verdade, com pontos de proximidade com o cristianismo, mas considero que este tem na sua essência algo que transcende o budismo. se queres que se diga, acho possível ser-se budista dentro do cristianismo. há um gajo do sec.XII, quase um santo, o Meister Eckhart, que fazia a apologia do desprendimento como a maior virtude, maior mesmo que as virtudes tealogais. esse era sem dúvida um budista sem Buda mas era sobretudo um cristão em Cristo. já quanto ao islão, sobre o qual falas em post mais à frente, a diferença está toda no texto do JPII: o islão é uma religião, legítima e estimável mas toda ela de expiação e nada de redenção. a mim fica-me curta nas mangas... quanto ao João Paulo II, percebo o teu ponto, de que todo este entusiasmo com o Ratz pode obscurecer a grandeza e santidade do Wojtila. pode sim senhor mas não deve. aliás grande e universal é a nossa Igreja que depois de ter tido um papa tão grande místico tem agora um papa tão grande filósofo.
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desculpa secXIV, o Eckhart. se tiveres curiosidade vê aqui: http://www.eckhartsociety.org/meister.htm
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e sobre o islão recomendo-te o livro Maomé de Maxime Rodinson, da Ed.Caminho. é um ateu, embora honesto, que tenta honestamente destrinçar algo de verdadeiramente transcendente na vida e obra de Maomé. não o conseguiu. quando o li fiquei a matutar a ideia de que um gajo de fora poderia também não encontrar transcendência na nossa fé. mas isso não significa que sejam coisas iguais, como verás facilmente, comparando a vida de Maomé com a de Jesus.
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significa isto que não há qualquer contradição intra-papam. dizem os dois o mesmo, de maneira parecida até.