terça-feira, janeiro 22, 2008
E por vezes ainda, o ecumenismo é claramente demais...
Quando o timshel se sai com uma destas "Segundo Skinner, a felicidade nada mais é que a produção de comportamentos premiados. Para o Catecismo da Igreja Católica também."

Não só não vem nada disso no Catecismo como essa afirmação não pode sequer ser apelidada de cristã. Se queres uma definição de farisaísmo acabaste de a fornecer. Também tenho muitas simpatias intelectuais fora do cristianismo mas não tenho a desonestidade intelectual de forçar a Igreja a dizer coisas que não diz só para que as minhas simpatias estejam todas muito integradas.

Mas vejamos o que diz o Catecismo:

Capítulo primeiro

A dignidade da pessoa humana

II. O desejo de felicidade

1718 As bem-aventuranças respondem ao desejo natural de felicidade. Este desejo é de origem divina; Deus pô-lo no coração do homem para o atrair a Si, o único que o pode satisfazer:

«Todos nós, sem dúvida, queremos viver felizes, e não há entre os homens quem não dê o seu assentimento a esta afirmação, mesmo antes de ela ser plenamente enunciada». [1]

«Como é então, Senhor, que eu Te procuro? De facto quando Te procuro, ó meu Deus, é a vida feliz que eu procuro. Faz com que Te procure, para que a minha alma viva! Porque tal como o meu corpo vive da minha alma, assim a minha alma vive de Ti.»[2]

«Só Deus sacia».[3]

1719 As bem-aventuranças descobrem a meta da existência humana, o fim último dos actos humanos: Deus chama-nos à sua própria felicidade. Esta vocação dirige-se a cada um, pessoalmente, mas também ao conjunto da Igreja, povo novo constituído por aqueles que acolheram a promessa e dela vivem na fé.

III A bem-aventurança cristã

1720 O Novo Testamento emprega muitas expressões para caracterizar a bem-aventurança a que Deus chama o homem: a chegada do Reino de Deus, a visão de Deus: «Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus» (Mt 5, 8); a entrada na alegria do Senhor; a entrada no repouso de Deus:

«Lá, descansaremos e veremos; veremos e amaremos; amaremos e louvaremos. Eis o que acontecerá no fim sem fim. E que outro fim temos nós, senão chegar ao Reino que não tem fim?».[4]

1721 De facto, Deus colocou-nos no mundo para O conhecermos, servirmos e amarmos, e assim chegarmos ao paraíso. A bem-aventurança faz-nos participantes da natureza divina (1 Pe 1, 4) e da vida eterna. Com ela, o homem entra na glória de Cristo e no gozo da vida trinitária.

1722 Uma tal bem-aventurança ultrapassa a inteligência e as simples forças humanas. Resulta de um dom gratuito de Deus. Por isso se classifica de sobrenatural, tal como a graça, que dispõe o homem para entrar no gozo de Deus.

«Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus". É certo que "ninguém pode ver a Deus" na sua grandeza e glória inenarrável e "continuar a viver", porque o Pai é inacessível. Mas, no seu amor, na sua bondade para com os homens e na sua omnipotência, vai ao ponto de conceder aos que O amam esta graça: ver a Deus [...] porque "o que é impossível aos homens é possível a Deus"».[5]

[1] Santo Agostinho, De moribus Ecclesiae catholicae 1. 3, 4: CSEL 90, 6 (PL 32, 1312)
[2] Santo Agostinho, Confissões, 10, 20, 29: CCL 27, 170 (PL 32, 791).
[3] São Tomás de Aquino, In Symbolum Apostolorum scilicet «Credo in Deum» expositio, c. 15: Opera omnia, v. 27 (Parisiis 1875) p. 228
[4] Santo Agostinho, De civitate Dei, 22, 30: CSEL 40/2, 670 (PL 41, 804).
[5] Santo Ireneu de Lião, Adversus Haereses, 4, 20, 5: SC 100, 638.

E o Catecismo até tem o condão de não ir directo ao assunto. Para isso temos o nosso tão mal-amado escolástico, tão "formal", mas que na sua formalidade tem o condão de ser absolutamente claro:

Article 5. Whether man can attain happiness by his natural powers?

Objection 1. It would seem that man can attain Happiness by his natural powers. For nature does not fail in necessary things. But nothing is so necessary to man as that by which he attains the last end. Therefore this is not lacking to human nature. Therefore man can attain Happiness by his natural powers.
Objection 2. Further, since
man is more noble than irrational creatures, it seems that he must be better equipped than they. But irrational creatures can attain their end by their natural powers. Much more therefore can man attain Happiness by his natural powers.
Objection 3. Further, Happiness is a "perfect operation," according to the
Philosopher (Ethic. vii, 13). Now the beginning of a thing belongs to the same principle as the perfecting thereof. Since, therefore, the imperfect operation, which is as the beginning in human operations, is subject to man's natural power, whereby he is master of his own actions; it seems that he can attain to perfect operation, i.e. Happiness, by his natural powers.
On the contrary,
Man is naturally the principle of his action, by his intellect and will. But final Happiness prepared for the saints, surpasses the intellect and will of man; for the Apostle says (1 Corinthians 2:9) "Eye hath not seen, nor ear heard, neither hath it entered into the heart of man, what things God hath prepared for them that love Him." Therefore man cannot attain Happiness by his natural powers.

I answer that, Imperfect
happiness that can be had in this life, can be acquired by man by his natural powers, in the same way as virtue, in whose operation it consists: on this point we shall speak further on (63). But man's perfect Happiness, as stated above (3, 8), consists in the vision of the Divine Essence. Now the vision of God's Essence surpasses the nature not only of man, but also of every creature, as was shown in the I, 12, 4. For the natural knowledge of every creature is in keeping with the mode of his substance: thus it is said of the intelligence (De Causis; Prop. viii) that "it knows things that are above it, and things that are below it, according to the mode of its substance." But every knowledge that is according to the mode of created substance, falls short of the vision of the Divine Essence, which infinitely surpasses all created substance. Consequently neither man, nor any creature, can attain final Happiness by his natural powers.

Reply to Objection 1. Just as
nature does not fail man in necessaries, although it has not provided him with weapons and clothing, as it provided other animals, because it gave him reason and hands, with which he is able to get these things for himself; so neither did it fail man in things necessary, although it gave him not the wherewithal to attain Happiness: since this it could not do. But it did give him free-will, with which he can turn to God, that He may make him happy. "For what we do by means of our friends, is done, in a sense, by ourselves" (Ethic. iii, 3).
Reply to Objection 2. The nature
that can attain perfect good, although it needs help from without in order to attain it, is of more noble condition than a nature which cannot attain perfect good, but attains some imperfect good, although it need no help from without in order to attain it, as the Philosopher says (De Coel. ii, 12). Thus he is better disposed to health who can attain perfect health, albeit by means of medicine, than he who can attain but imperfect health, without the help of medicine. And therefore the rational creature, which can attain the perfect good of happiness, but needs the Divine assistance for the purpose, is more perfect than the irrational creature, which is not capable of attaining this good, but attains some imperfect good by its natural powers.
Reply to Objection 3. When imperfect and perfect are of the same
species, they can be caused by the same power. But this does not follow of necessity, if they be of different species: for not everything, that can cause the disposition of matter, can produce the final perfection. Now the imperfect operation, which is subject to man's natural power, is not of the same species as that perfect operation which is man's happiness: since operation takes its species from its object. Consequently the argument does not prove.

Summa Theologica, Primeira parte da segunda parte, 5ª Questão, Artigo 5, de S. Tomás de Aquino.

O que para a Igreja constituí há séculos a felicidade é a visão beatífica ou a "vision of Divine Essence" (há que admirar a capacidade de síntese dos escolásticos). Que é sobrenatural e alcançada pela graça.

Perdoem-me os leitores do blog a extensão do post, mas julgo que é útil mesmo para os nossos irmãos protestantes perceberem aquilo em que realmente a Igreja Católica acredita.

Luís
posted by @ 12:53 da manhã  
5 Comments:
  • At 22 de janeiro de 2008 às 11:49, Blogger Scott said…

    Tive sempre uma certa revulsão misturada com fascínio relativamente ao catecismo e outras expressões de fé mais formalizadas. Confesso, que isto bem pode fazer parte da herança protestante, mas mesmo assim, isto não explica tudo.

    Os meus problemas psiquiátricos à parte (eh eh), acho que há necessidade de equilíbrio. Por um lado, os exemplos de pessoas que viveram segundo o coração do Senhor é encorajador e desafiador. É bom ver que, sim, é possível aproximar-se a Deus. Emular as actividades das pessoas que nos apresentam como bons exemplos também é benéfico as vezes. Porém, vejo problemas graves quando achamos que a mera actividade ou rigorosa obediência às regras nos justifica. Trata-se de um relacionamento e não apenas duma religião vazia. Os fariseus foram criticados por isso e assim somos avisados.

    Já opinei em outros comentários que os dez mandamentos funcionam como um espelho através do qual podemos ver se as nossas actividades estão a reflectir a presença de Deus nas nossas vidas ou não. Servem como uma desrição do povo de Deus e não como prescrição para uma vida feliz ou uma nação próspera. Servem como forma de avaliação e não de fórmula para a vida (se bem que se eu conseguisse apenas cumprir os dez, seria uma pessoa mais agradável). Sempre que limitamos a nossa vida a actividades prescritivas, torna-se a prescrição em ídolo e perdemos a vista do objectivo final que é o relacionamento recto com Deus.

    Também lamento por este comentário ser tão extenso, mas condiz com o poste original, não condiz? :)

     
  • At 22 de janeiro de 2008 às 11:55, Blogger Tiago Cavaco said…

    Luís, és grande, Luís, és grande.

     
  • At 22 de janeiro de 2008 às 17:57, Blogger Luís Sá said…

    Scott,

    Não diria melhor. Isto merecia estar em post.

    Um abraço, em Cristo

     
  • At 22 de janeiro de 2008 às 18:10, Blogger timshel said…

    Estive a escrevinhar uma resposta mas o texto saíu um pouco mais longo e ainda mais um pouco menos ortodoxo do que pensava.

    Por isso, em vez de aqui responder, vou postar no meu blogue, reservando o trento para as minhas intervenções mais ortodoxas :)

    abraço

     
  • At 22 de janeiro de 2008 às 18:18, Blogger Luís Sá said…

    Sobre a questão das expressões de fé formalizadas é preciso relativizar o catecismo.

    A grande expressão de fé formalizada é e contínua a ser o Credo de Niceia. É essa que proferimos todos os Domingos na Missa. E são os Concílios que continuam a definir ou a aprofundar a doutrina.

    O catecismo é uma exposição da fé católica tentando ser o mais abrangente possível. É uma exposição, não é nenhum texto sagrado nem nada impede que a sua composição venha a ser revista para explicitar melhor este ou aquele assunto. Sobretudo foi feito tendo em vista uma finalidade muito prática, o de saber-se aquilo que são os conteúdos de fé da Igreja Católica. Como neste caso se constata, julgo que poderá ter sido feito até mais para se saber aquilo que não são os conteúdos de fé da Igreja Católica. Teve um claro propósito ecuménico, como é dito na introdução do mesmo.

     
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