quinta-feira, dezembro 06, 2007
Uma teoria da religião 4: Elogio
Henri Bergson tem uma filosofia evolucionista. Cedo influenciado pelo evolucionismo naturalista de Herbert Spencer, acaba por divergir da mecânica darwinista do seu inspirador de juventude; e irá mais longe de forma diferente, criando um evolucionismo espiritualista, que identifica o processo contínuo da evolução com o devir da consciência (a duração).
Na “evolução criadora”, seu livro principal, a vida é apresentada como uma torrente de consciência (élan vital) que se insinua na matéria subjugando-a, mas mantendo-se ao mesmo tempo condicionada por ela.

“Na realidade, a vida é um movimento, a materialidade é o movimento inverso, e cada um destes dois movimentos é simples, uma vez que a matéria que forma um mundo é um fluxo indiviso, como indivisa é a vida que a atravessa, recortando nela seres vivos. Destas duas correntes, a segunda opõe-se à primeira; não obstante a primeira obtém alguma coisa da segunda; daí resulta aquele modus vivendi que é, precisamente, a organização(Évolution créatrice, p. 271)

Acompanho este filósofo em quase toda a linha. Á medida que o fui lendo, e amando, pensava para mim próprio: dizes tudo o que sinto e que gostaria de ter sido eu a dizer. Literalmente tiras-me as palavras…
Mas apesar de “Les deux sources de la morale et de la religion” estar entre os livros do mestre que mais aprecio, onde que a escrita elegante – prémio Nobel em 1927 – se transforma abertamente numa oratória criativa, é também aqui que reside a parte mais frágil e menos bem justificada da sua filosofia.
Essa fragilidade na teoria da religião de Bergson, aparece-me nitidamente em quatro questões essenciais:

Em primeiro lugar, a entidade divina que pretensamente é intuída pelos místicos das diversas religiões, e que Bergson utiliza como prova da existência de Deus, é no mínimo teologicamente muito discutível.
Contudo, nisto estou com totalmente com ele. Acrescentaria até que outros místicos hão-de intuir o mesmo Deus único, noutras humanidades por essas galáxias fora; Não manifesto de todo “a tendência humana, ao falar de Deus” de “colocarmo-nos como centro dessa descoberta” de que fala o Tiago Oliveira; vejo a nossa humanidade, nesta “pale blue dot”, como apenas uma entre outras “Africas”, “Américas” e “Oceanias” da imensidão cósmica.

Em segundo lugar parece haver um panteísmo pressuposto na mística de Bergson. O filósofo identifica com alguma facilidade a substancia do humano com a substância de Deus, fala de um impulso vital que “é divino se não for o próprio Deus”. Repete a ideia panteísta e romântica, que liberdade humana se identifica com a espontaneidade criadora da força cósmica.
Esta identificação não pode ser aceite por nenhuma das três religiões do Livro – muito menos pelo catolicismo, para onde foi a simpatia de Bergson no fim da vida – e nenhuma delas pode considerar o universo como “uma máquina de fazer deuses”, os próprios homens, como se lê em “Les deux sources”.
Deus é distinto e antecede a Sua Criação e o Homem - que aliás também não se identificam em absoluto. Cristo reafirma essa distinção entre Criador e Criação e consequentemente faz cair qualquer panteísmo hipotético.

Em terceiro lugar a questão da natureza de Jesus que na filosofia biológica de Bergson é o místico por excelência, um Supra-humano. A natureza de Jesus assim imanente, tem até algum paralelo com o Super-homem nietzscheano, ignorando a natureza transcendente, e una do Filho com o Pai.
Em quarto lugar a questão do Mal na moral absoluta bergsoneana.
O filósofo parece aceitar a necessidade da morte e a inevitabilidade das catástrofes como uma lei inexorável da dialéctica universal, consequência do livre jogo em que se cruzam o impulso vital e a restrição da materialidade, élan vital versus matéria. E no mesmo passo ignora a existência do Sedutor, da voz oposta a Deus por trás da tentação humana; parece ignorar o crime, o mal intencional que existe para lá da Natureza.

Nestes três últimos pontos não acompanho o mestre.

Mas por outro lado – e nisso o admiro – num momento em que a mecânica avassaladora do racionalismo positivista triunfava sobre a espiritualidade, ensinou-nos a recolocarmo-nos no conjunto da Criação, a sentirmo-nos em comunidade com o Universo. Reafirmou, de uma forma original, a validade da religião e da intuição de Deus, reconheceu a experiência mística como forma de subtrair o homem à condição radical da incerteza, e ofereceu-nos uma “certeza” razoavelmente justificada sobre o futuro humano.
Bergson oferece-nos uma concepção francamente optimista do mundo, através da filosofia, reforçando a religião:

“Existe um optimismo empírico que consiste simplesmente em verificar dois factos: em primeiro lugar, que a Humanidade julga boa a Vida no seu conjunto porque está ligada a ela; em segundo lugar, que existe uma alegria sem mescla, situada para lá do prazer e da dor, que é o estado de alma definitivo do místico.” (Deux Sources, pag. 280)
cbs

posted by @ 5:27 da tarde  
1 Comments:
  • At 12 de janeiro de 2008 às 20:59, Blogger VIDA SÁBIA said…

    Sem dúvida, Bergson é um vitalista, ele reverencia a vida e procura seu fundamento último. Sua mística, fruto de sua construção filosófica evolucionista, é uma apologia à vida e é o seu fundamento. Deu-nos a entender que o processo evolutivo do élan vital transporta o ser humano ao interior da dinamicidade da vida, elevando-o a uma realidade supra-humana, ou melhor, acima do que lhe proporciona a inteligência ao desenvolver a capacidade do conhecimento intuitivo. Esse conhecimento coloca o ser humano em contato com a força criadora divina em que ele experiencia a VIDA em plenitude.
    Bergson é coerente com sua filosofia ao abordar a temática da mística, em que o ser humano desenvolve sua espiritualidade calcada na intuição, elevando-o passo a passo ao Absoluto num movimento indefinido de auto-realização, através do impulso da vida.
    A mística em Bergson não é uma simples teoria conceitual, mas uma prática sensível do espírito humano, possível àqueles que se guiam pelo conhecimento intuitivo e se movem no tempo real da consciência, que Bergson chama de duração.
    Não resta dúvida que este tema é um tema complexo e não esgota o assunto. Em todas as épocas, desde a antiguidade até a era moderna, a mística fazia-se e faz-se representar por grandes personagens que comungavam e comungam com a realidade, tida como suprema, de várias formas inspiracionais.
    Em Bergson, vimos que a mística pode ser independente de toda e qualquer religião, porque é um processo natural de evolução em que uma força criadora, o élan vital, culmina no Absoluto místico, que é a fonte da vida.
    Para salvaguardar sua filosofia evolucionista vitalista, quis dar um cunho puramente racional ou filosófico ao abordar a temática da mística que, podemos dizer, constitui o ápice de sua metafísica: “a filosofia deixa de lado a revelação que tem uma data, as instituições que a têm transmitida, a fé que a aceita: ela deve se ater à experiência e à razão .” (BERGSON, p. 1188).
    Mas, como todo tema filosófico não se esgota, vale a pena levar avante a reflexão sobre o tema da mística, na expectativa de avaliar seu alcance e utilidade ao ser humano. Não seria oportuno discutir o sentido de religião dentro da temática da mística? Uma religião constituída não poderia ter a missão de encaminhar seus adeptos a uma atitude de consciência receptiva imediata ou intuitiva em que se possa realizar a plena vida de amor divino? A religião não poderia ser um embrião para suscitar a mística e realizar uma verdadeira conversão (convergir) para aquilo que o ser humano mais anseia, mas não sabe que caminho seguir? É a mística uma fraude, uma anomalia ou um alicerce seguro na prática da verdadeira religião? Não poderia ser a mística o denominador comum a todas as religiões? Não se evitariam, assim, as suas divergências? Não concordam todas com a existência de um Ser Supremo que o ser humano quer contactar? Como unir-se a ele? Não haveria a possibilidade de unificar as várias teologias, com suas divergências doutrinárias, nesse quesito da mística?
    Assim, ao concluir este trabalho, deixamos em aberto todo esse questionamento para futuras reflexões, enfatizando que o ser humano está ávido por espiritualidade, e, de uma maneira ou outra, vai construindo sua religiosidade em busca de Deus, pela intuição da força criadora.

     
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