Henri Bergson escreveu o essencial da sua filosofia em quatro livros: “Ensaio sobre os dados imediatos da consciência” 1889, “Matéria e Memória” 1896, “A evolução criadora” 1907 e “As duas fontes da moral e da religião” 1932. Foi neste último, que expôs uma teoria sobre moral e a religião, convidando-nos a distinguir aquilo que denominou por moral e religião fechadas, de uma moral e religião abertas, disciplinas do absoluto. Segundo o filósofo, as sociedades primitivas eram sociedades fechadas, nas quais o sujeito actuava unicamente como parte de um todo, com uma abertura mínima à iniciativa individual. Aí a ordem social modela-se pela ordem material, com regras rígidas a que o indivíduo se conforma automaticamente. Essas regras ou obrigações morais equivalem a hábitos gerados na sociedade para garantir a integridade e sobrevivência do corpo social (estamos longe do imperativo categórico de Kant).
O que na outra grande linha da evolução animal, a Natureza realizou mediante o instinto, dando origem á colmeia e ao formigueiro, na linha da inteligência realizou-o mediante o hábito; um hábito de contrair hábitos com a mesma regularidade do instinto. Esta exigência vital no curso da evolução humana, originou uma função fabuladora que explica os sistemas de mitos (este tema será retomado mais tarde pela antropologia, apartir de Abram Kardiner e dos culturalistas americanos) e as superstições religiosas. Segundo Bergson, a inteligência humana, dirige-se fundamentalmente ao fabrico de instrumentos artificiais, mas ameaça sempre voltar-se contra a própria vida. Porque o ser inteligente é levado a pensar apenas em si mesmo e a desprezar os laços sociais. A religião é uma reacção defensiva da Natureza, contra o poder dissolvente da inteligência; os seus mitos e superstições servem para impelir o homem para os semelhantes, subtraindo-o ao egoísmo em que a inteligência o faz cair. Além disso, a inteligência mostra-nos claramente a nossa natureza mortal, e isso representa para uma mentalidade primitiva um segundo perigo, contra o qual reage a religião com o culto dos mortos e a crença na imortalidade. Em terceiro lugar, a inteligência faz-nos perceber a imprevisibilidade do futuro, o carácter aleatório de todos os nossos empreendimentos. A religião exerce aqui também uma função defensiva, dando ao homem o sentido de uma protecção sobrenatural, que o subtrai à incerteza e perigos do futuro. Finalmente, nas sociedades primitivas a religião fornecia, mediante crenças e práticas mágicas, a possibilidade de influenciar a natureza de uma forma superior à que o homem podia alcançar pela técnica. Uma religião assim constituída alivia aquilo que há no exercício da inteligência, de deprimente para o indivíduo e de dissolvente para a sociedade; É uma religião natural no sentido de que é um produto da evolução antropológica, mas é também uma religião estática pois restringe a liberdade criadora do impulso da vida (élan vital), aquilo que permite ao homem ascender e superar a materialidade. Segundo Bergson, uma tal religião é infra-intelectual. cbs |