terça-feira, abril 03, 2007
Intermediação e perguntas
No Blasfémias, Pedro Arroja, o economista que nos anos 80 sugeria a privatização dos rios e desprezava Cristo como um derrotado, anda a postar sobre as diferenças entre católicos e protestantes (aqui, aqui, aqui e aqui, para não ser exaustivo). Sem concordar com tudo o que escreveu, há por ali alguns raciocínios teleguiados, sublinho o que para um evangélico é claro como água: o papel da intermediação. De como a relação com a autoridade e a tensão liberdade/responsabilidade dependem do tipo de ligação entre o crente e Deus: acesso directo ou acesso intermediado (Papa, Igreja, Padre, sacramentos, etc).
Se as doutrinas protestantes não tivessem sido proibidas e perseguidas até há pouco mais de cem anos como seriam hoje os portugueses? Mesmo continuando maioritariamente católicos a confrontação de ideias teria provocado mudanças culturais? Tenho consciência das dificuldades para desatar os nós entre cultura e fé. Por isso, fico-me pelas perguntas. Nos dois sentidos. Entre um católico alemão e um evangélico português qual o mais culturalmente protestante?

Pedro Leal
posted by @ 1:35 da manhã  
7 Comments:
  • At 3 de abril de 2007 às 10:41, Blogger David Cameira said…

    Convictamente afirmo: O CATÓLICO ALEMÃO, aliás , ve-se por este Papa actual !
    é trágico ou talvez não pois a palavra DO SENHOR nunca volta para ELE vazia

    Mais, uma vez até ouvi um irmão evangélico dizer que os frades dominicanos e os monges copistas eram mais evangélicos do q o que nós somos, por vezes...

    E isto tem de nos fazer refletir profundamente.

     
  • At 3 de abril de 2007 às 11:07, Blogger cbs said…

    "a tensão liberdade/responsabilidade dependem do tipo de ligação entre o crente e Deus: acesso directo ou acesso intermediado (Papa, Igreja, Padre, sacramentos, etc)"

    bem, concordo contigo, e o meu modo de ser cristão priveligia muito o acesso directo em detrimento da autoridade eclesiástica (com alguma pena minha).

    mas existe um aspecto positivo e fundamental na Igreja Católica; é a projecção de influencia (leia-se poder) de uma instituição equiparada a um estado, e com uma organização diplomática tão eficaz (mesmo sem as espingardas do Stalin :)

    Seria o Cristianismo aquilo que é sem a estrutura de referencia, diria mesmo o "farol" representado por Roma?
    E digo referencia não só no sentido da adesão católica, como da crítica protestante, pois até por oposição se torna importante que exista para a dimensionar todas as correntes do Cristianismo.

    Teria o Cristianismo (todo) a projecção que tem sem Roma? duvido

     
  • At 3 de abril de 2007 às 11:15, Blogger cbs said…

    Não tenho tempo pra ler agora e com atenção, o doutor Arroja.
    Mas à vol d'oiseaux dá-me ideia que apenas está a defender uma ideia muito em voga actualmente; a consequencia politica das diferenças entre as culturas católica (do sul) e protestante (do norte) que no primeiro caso dá ditadura (aliás Roma é essencialmente hierarquia) e pobreza dependente, e no segundo democracia e espírito santo e comercial.

    Há nesta teoria algum acerto, mas também muita simplificação como é habitual no espírito do norte.
    Há muito mais que se lhe diga...
    mas hei-de ler o Arroja, obrigado pela dica Pedro.

     
  • At 3 de abril de 2007 às 20:51, Blogger zazie said…

    A questão é bem interessante e complexa e sem formação histórica não se apanha. Vale a pena seguir os comentários do CN (Carlos Novais) que é historiador.

    Quanto à pergunta: O alemão.

    Porque o contágio já se deu, porque a Prússia é que avançou para sul e a Prússia é que era evangélica.

    Um portestante tuga é-o apenas de empréstimo. Em termos religiosos e sem o efeito do tal inconsciente colectivo que molda os povos ao longo de séculos.

    O sentido dos termos "católico" e "protestante" não é para ser lido como praticante de religião- Até pode ser ateu, na prática. È para ser lido no sentido que o Weber lhes deu e que teve as maiores repercursões na criação do próprio Estado Nação.
    Foi a passagem do feudalismo para o Estado Nação burguês. As diferenças formaram-se ao longo dos tempos. Hoje em dia tornaram-se apenas um modo de ser, um pano de fundo que ainda faz sentido e qeu tem essa expressão máxima na noção de autoridade (lei invisível) para o protestante- e lei personficada em alguém- para o de tradição católica.

     
  • At 4 de abril de 2007 às 23:36, Anonymous Anónimo said…

    zazie

    Claro que a base cultural é importante. Mas não é o único factor. A experiência religiosa, a conversão e a participação na comunidade religiosa, podem ser aceleradores poderosos da transformação. Falo por experiência própria. Os meus pais são evangélicos de primeira e segunda geração e eu recebi uma educação marcadamente protestante, culturalmente falando. Julgo que muitas vezes se desvaloriza a força da experiência religiosa

    Pedro Leal

     
  • At 5 de abril de 2007 às 02:06, Blogger zazie said…

    Pedro:

    As características que interessam para a classificação das diferenças ocorridas com a reforma estão para além da crença ou não crença que hoje em dia se tenha.

    Prendem-se essencialmente com as consequências da alfabetização e ligação directa com Deus que trouxe para os protestantes a noção de cada pessoa tem autoridade sobre outra- porque cada um interpreta a lei- não precisa do intermediário como na católica.

    isto leva a que a lei seja respeitada por si própria, enquanto que nos católicos se respeite em função da entidade que a representa. Ou seja, numa existe tendência para autoridade invisível e hierarquia paralela, na outra existe hierarquia vertical e personalizada.

    Daqui pode derivar muita coisa, incluindo partilha mais igualitária entre sexos nos protestantes (porque a figura do pater famílias não compete com a da matriarca católica) e mais hierarquizada na católica com essa dicotomia paradoxal entre o mando do patriarca e o grande poder da matriarca.

    Pode-se ir muito mais longe e transpor para os diferentes comportamentos cívicos e ainda para as crueldades bélicas. O facto da tradição protestante dar essa primazia à lei e autoridade a qualquer um função da lei, pode levar a que nem seja preciso processo para a matança- aconteceu com os índios, aconteceu com os boers, aconteceu até com o avanço prussiano.

    É claro que isto funciona de forma esquemática e existem depois contágios regionais. Assim como, muito provavelmente já existiam características diferentes entre os povos do N e os do Sul, o que é evidente e se pode encontrar na poesia trovadoresca a Sul e na Epopeia cavaleiresca a Norte. Parte destas diferenças até se podem observar na diferença entre N e S em todos o N e S onde quer que existam. Por exemplo, cá. O Norte de Portugal aproxima-se de características de N em termos mais gerais e o Sul do oposto (mesmo que separados por poucos kms).

    Agora o que menos conta é o presente. Pelo contrário. As tipologias mantêm-se enquanto não há grande mistura. Quanto mais cosmopolita é o país mais facilmente se esbatem.

    Quanto à adesão a uma ou outra religião os efeitos podem encontrar-se muito mais na célula familiar (porque essa é que os sofreu directamente) mas serão inexistentes enquanto tradições herdadas por inconsciente colectivo formado ao longo dos séculos.

    Como este conta mais que o espaço curto de uma vida, é perfeitamente natural que um ateu de um pais de tradição protestante tenha mais características cívicas e comportamentos próximos destas diferenças que um fervoroso protestante sem esta herança. E ainda por cima vivendo e tendo herança de um pais totalmente diferente.
    ..............

    Claro que eu não desvalorizei a enorme importância das religiões nas sociedades .Quem as desvaloriza é que nega esta importância na sequência da Reforma e diz que se deve partir das leis do mundo e da história oo do contexto social e depois integrar nelas as religiões. Apenas como características acessórias.

    Foi esse também o debate no Blasfémias. Com o João Miranda fiquei sozinha de início e o MP-S, por exemplo até criticou bastante esta posição.

    Mas esse é o grande erro da tradição hegeliana que depois também desemboca na marxista e na nova história. A tal mania das leis e do espírito do mundo, a aparecer sempre de forma determinística e pró-condicionada e a ideia que há uma infra-estrutura económica que determina a tal supra-estrutura espiritual que é seu reflexo.

    Se eu não negasse esta visão não dizia que a Reforma tinha tido uma importância gigantesca na mudança da sociedade. Por si mesma. Sem precisar de me justificar na tal explicação do motivo pelo qual ocorreu ali e não ocorreu noutro lugar.

    O mesmo sucede, em parte, quando se emigra e se consegue integração quase total num país com tradições diferentes.

    Ainda que essa integração nunca seja absoluta, sob pena de nos levar a "alma com ela"

    ";O)

     
  • At 5 de abril de 2007 às 02:15, Blogger zazie said…

    No Blasfémias foram dados exemplos práticos dessas diferenças. Um deles toda a gente conhece. O facto de qualquer pessoa num desses países de tradição protestante ser capaz de denunciar um prevaricador da lei, ou mandar alguém fazer o que deve ser feito, ou obedecer a uma informação legal, apenas por ela. (quem diz obedecer diz o inverso: quando se f*** a lei, f***-se a lei, não o agente que a determina.

    Nos católicos a lei é quem a dita. Por isso só nós é que nos conseguimos desenrascar com tanta lei contrária e abstrusa, porque vamos logo directamente ao chefe de repartição ou mandamos à fava quem a diz, no caso de acharmos que o meco nem é ninguém para nos dar ordens

    ";O)

     
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