sábado, fevereiro 24, 2007
Evangelizar a partir da Cultura
"[...] A lgreja tem muito a aprender, como diz o Vaticano II «da história e da evolução da Humanidade» (Gaudium et Spes, nº 44). À Igreja é também proporcionada uma ajuda por todos aqueles que se afirmam seus opositores, se sentem adversários, ou se experimentaram perseguidores (cf. idem).
A história evangeliza a Igreja. Obriga-nos à conversão, à mudança. Desinquieta-nos a voz de Deus na voz do tempo. Sempre, de novo nos evangeliza. Permanente e continuadamente desafia-nos a uma nova evangelização o Espírito que «dirige o curso da história [...] renova a face da Terra, e está presente à evolução humana» (Octogesima Adveniens, nº 37).
Neste processo de (nova) evangelização da lgreja, encontram-se, face a face, “revelação-palavra” e “revelação-acontecimento”. A partir do interior da realidade histórica, na sua continuada leitura crítica, explicitando o Acontecimento nos acontecimentos, protagonizando a antecipação do novo na acção e pela acção, evangelizamos e somos evangelizados.

"O Reino está no vosso meio! O Reino foi aproximado"
(Lc 17, 21; Mc 1, 25).


«O Espírito Santo é o agente principal de evangelização: é ele, efectivamente que impele para anunciar o Evangelho, como é ele que, no mais íntimo das consciências, leva a aceitar a Palavra da Salvação. Mas pode-se dizer igualmente que ele é o termo da evangelização: de facto, somente ele suscita a nova criação, humanidade nova que a evangelização há-de ter como objectivo, com a unidade na variedade que, a mesma evangelização intenta promover na comunidade cristã. Através dele, do Espírito Santo, o Evangelho penetra no coração do mundo, porque é ele quem faz discernir os sinais dos tempos – os sinais de Deus – que a evangelização descobre e valoriza no interior da história» (Evangelii Nuntiandi, nº 75).
A humanidade nova, o objectivo da evangelização, já se experimenta espalhada nas culturas. Uma história outra, em gestação, está sendo suscitada, difusa no nosso processo histórico.
Nas sociedades, na consciência, nos factos, no destino dos povos, sempre, pelas «sementes da Palavra» (Evangelii Nuntiandi, nº 53), na actuação do Espírito, na história, a partir dela, o Evangelho existe como realidade histórica.
O missionário chega sempre atrasado: antes dele chegou o Espírito, já actuante dinamicamente nos processos culturais. «Deus-Trindade chega sempre antes que o missionário. O primeiro missionário e evangelizador é o próprio Deus-Trindade» (L. BOFF, Nova Evangelização na perspectiva dos oprimidos [Fortaleza 1991] p. 80).

O mundo é, assim, reconhecido como o lugar do Evangelho. Poder-se-á, então, realizar a leitura da história no Evangelho e o esforço de ler o Evangelho na história.
A evangelização não se dá fora da cultura. Nem o Evangelho se identifica com as culturas, mas identifica-se nas culturas. E a fé apresenta-se mais como atitude de encontro com o Acontecimento, do que como a apropriação de um credo. Ela é também o sentimento estético, descodificação e desejo de transformação da história, antes vivida como espiritualidade do Acontecimento do que como uma dogmática. O evangelizador «ou é um contemplativo e místico ou não será um missionário autêntico» (L. BOFF, loc. cit.). Esta dimensão contemplativa, na história, é a virtualidade da profunda é intensa inserção na mundaneidade, capaz de discernir o sacramento na história, e descodificar na leitura do meio a possibilidade do radicalmente novo tornado próximo.
Experimenta-se, por consequência, uma marcada diferença entre a afirmada necessidade de «evangelizar a cultura» e a urgência de quem se sente desafiado a evangelizar a partir da cultura. Não se trata de implantar modelos, mas de potenciar o que a Trindade, os homens e as mulheres estão construindo de nova criação.
O cristão não é «a alternativa a este mundo corrompido», a única possibilidade de salvação. Evangelizar a partir da cultura, discernir como viver a fé no diálogo reconhecedor da autonomia e da pluralidade da Cidade e das especificidades culturais, exige que os cristãos não se posicionem paralelos a nada, mas numa cidadania feita com outros, acolhendo o que o Espírito suscita em todos, tudo o que contribui para a realização da Utopia, a utopia do Reino de Deus.
O ponto de partida da evangelização só pode ser a realidade concreta, em atitude de escuta do inesperado em cada momento, sujeitos da história procurando conferir-lhe um sentido, experimentando o confronto plural de valores e a diversidade de projectos, cúmplices da construção de um mundo mais humano, mais justo.
A evangelização, muito mais do que uma estratégica, emerge como uma atitude de vida, supõe um jeito de crer e querer a história, atitude de vida mais importante que a força do poder dos meios a utilizar (cf. Lc 9, 51-62; 10,1- 9). [...]"

Esta longa citação que aqui vos deixo (e para a qual rogo a vossa paciência) é o texto «Evangelizar a partir da Cultura», da Equipa Nacional do Movimento Católico de Estudantes, datado de 3 de Setembro de 1993, em cuja redacção tive a felicidade e o desafio de participar, num debate intenso de leigos (jovens leigos!) e presbíteros, numa experiência de vocação como uma só. No fundo, para voltar a dizer um pouco mais de mim.

Miguel Marujo
posted by @ 12:58 da manhã  
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