sexta-feira, fevereiro 23, 2007
literatura comparada
Estava eu a começar a desbravar o estendal que se soltou ao desafio do Tiago Oliveira, já pronto a umas bocas para consumo interno romano, quando vejo que o Tim Cavaco evoca aqui o mítico cântico Amazing Grace de John Newton, o verdadeiro paradigma do homem redimido, twice born como hoje se diz . E achei giro pois há uns tempos na saudosa Terra da Alegria andei às voltas com a coisa tentando demonstrar evidências estilísticas na diferença entre católicos e protestantes. Quem quiser e tiver paciência, pode ir aqui e aqui.
Seja como fôr, não resisto a pôr aqui o cântico todo, na versão original e nas traduções que considerei serem a protestante e a católica. Para que, percebendo-se as diferenças se consiga perceber as identidades. Vamos então a isto e desculpem lá se os enfado.

Versão original:

Amazing grace! (how sweet the sound)
That sav'd a wretch like me!
I once was lost, but now am found,
Was blind, but now I see.

'Twas grace that taught my heart to fear,
And grace my fears reliev'd;
How precious did that grace appear,
The hour I first believ'd!

Thro' many dangers, toils and snares,
I have already come;
'Tis grace has brought me safe thus far,
And grace will lead me home.

The Lord has promis'd good to me,
His word my hope secures;
He will my shield and portion be,
As long as life endures.

Yes, when this flesh and heart shall fail,
And mortal life shall cease;
I shall possess, within the veil,
A life of joy and peace.

The earth shall soon dissolve like snow,
The sun forbear to shine;
But God, who call'd me here below,
Will be forever mine.

When we've been there ten thousand years,
Bright shining as the sun,
We've no less days to sing God's praise
Than when we'd first begun.

Tradução minha que eu penso poder dizer ser protestante:

Oh! que espantosa graça (e doce som)
que salvou este náufrago que eu sou!
Estando eu perdido me encontrou,
estando eu cego se me revelou.

Foi uma graça que me tornou temente,
mas uma graça com que meus medos aliviei;
Tão preciosa se me revela esta graça,
desde que finalmente eu acreditei!

Através de perigos, tormentos e abismos,
finalmente consegui chegar;
Foi essa graça que me trouxe a salvo,
e será ela que a casa me irá guiar.

O Senhor prometeu-me o meu bem,
na Sua Palavra guardo a minha esperança;
Ele será o meu escudo e me dará o pão,
enquanto a vida não cansa.

Sim, quando a carne e o coração falharem
e a vida mortal passar para além do véu;
possuirei então a alegria e a paz
na vida eterna, no Céu.

A Terra bem cedo se desvanescerá,
o Sol perderá o seu brilho antigo;
Mas Deus, que aqui me chamou,
estará para sempre comigo

E quando Lá estivermos dez mil anos,
brilhando como o Sol no firmamento,
não teremos menos dias para Deus louvarmos
do que desde o primeiro momento

Tradução minha que me sinto autorizado a dizer que é católica:

Oh! misteriosa graça, doce dom,
salva este náufrago que eu sou!
Estou perdido, não vejo, não ouço som;
Apenas espero a mão de quem nos amou.

É uma graça que eu temo mas Te peço,
Tão preciosa ela me aparece!
Quero tê-la mas não a mereço,
Será que apenas crendo ela acontece?

Passei perigos, tormentos e abismos,
E outros ainda me surgem para passar;
Sei que sem a graça não conseguirei,
Sei que sem ela não me irei salvar.

A minha fé sabe que o Pai me prometeu o bem,
e o Verbo é fonte da minha esperança.
Mas será que o outro, o que me pede o pão,
será que a ele o meu amor alcança?

Espero o fim da minha carne mortal,
e espero ver-Te, para além do véu,
estar junto de Ti e em Ti, ó sem igual;
será esse sim o verdadeiro Céu.

Pois a Terra cedo ou tarde fenecerá,
e desaparecerá este mundo ambíguo;
E Tu que aqui nos criaste e puseste,
Chamar-nos-ás a todos para contigo?

Mas, há-de cumprir-se a Aliança,
e para sempre Te louvaremos,
quando a Ti nos reunirmos finalmente;
pois hoje, já e aqui o fazemos.

Digam coisas.

José
posted by @ 4:22 da tarde  
5 Comments:
  • At 23 de fevereiro de 2007 às 17:11, Anonymous Anónimo said…

    Digo que vale mesmo a pena reler os teus textos sobre a Graça postados na Terra da Alegria e que, tendo em conta a presente conjuntura trentista, não fica nada mal republicares aqui a 2ª parte do teu Amazing Grace.

     
  • At 23 de fevereiro de 2007 às 18:54, Blogger knit_tgz said…

    Bem, a segunda não é uma tradução no sentido correcto do termo... É uma adaptação (fala a filha de tradutores...) Traduzir implica respeitar o sentido e o espírito do autor.

    Curiosamente, acho que a versão original não é "não-católica". Nós acreditamos que a graça nos salva. O que acreditamos é que a graça sem obras é morta. Mas deixem-me sugerir (ok, comigo a comentar tanto, começo a fazer concorrência aos membros de pleno direito deste blogue...) que leiam a "Joint declaration on the Doctrine of Justification by the Lutheran World Federation and the Catholic Church", aqui ou aqui

    Só a graça santifica, é nisso que acreditamos também os Católicos. O que acreditamos é que as obras mostram se estamos a "abrir as portas a Deus" ou à graça ou se estamos a obstinar-nos em não O seguir.

    A tua "tradução"/adaptação fala da "conversão do dia-a-dia", por assim dizer, ao passo que a tradução que chamas "protestante" fala da grande conversão que te faz passar de seres não-cristão para seres cristão. Como convertida na idade adulta, tenho noção da "grande conversão", do "antes estava perdido mas agora fui encontrado". É assim, é exactamente assim. Há um antes e um depois. Mas também há a do dia-a-dia.

    E agora calo-me, que não sou membro do blogue e estou a escrever demais!

     
  • At 24 de fevereiro de 2007 às 00:40, Anonymous Anónimo said…

    José

    Uma das diferenças que encontro entre a tua adaptação “católica” e o texto de John Newton é que tu usas o “espero” e os pontos de interrogação enquanto o inglês é bem mais convicto.
    A knit_tgz toca, e bem, na questão da conversão. O hino tem lá tudo. O momento da conversão que traz consigo a consciência do estado miserável em que nos encontramos (inapelavelmente perdidos) e a alegria do encontro e da certeza da salvação.
    (Por coincidência há um par de semanas comecei a reler (num ritmo muito lento….) a biografia de John Newton. Tem o sugestivo título “De traficante de escravos a pregador”).

    Pedro Leal

     
  • At 24 de fevereiro de 2007 às 02:13, Blogger cbs said…

    José
    fico mesmo sem palavras e cheio de dores no cérebro, como diz a minha sobrinhita :)

    não passo de um leigo aqui caído.
    é melhor ler antes de falar como diz a Knit_... o problema é que fico mudo, lool

     
  • At 20 de outubro de 2007 às 17:38, Anonymous Anónimo said…

    A fé na salvação não está em nós, mas em Cristo! E ENQUANTO confiarmos nEle, JÁ ESTAMOS salvos!

    Não por capacidade de nossa miserável e permanente condição, mas pela JUSTIFICAÇÃO no sangue.

    Assim, onde nos vemos miseráveis na cruz, vemos a esperança na ressurreição de Jesus Cristo I Pedro 1:3), onde obra se completa. A nossa confiança então, pelo Espírito, em um outro estágio transcende a morte, e passa para o plano da ressurreição, e sempre temos que tentar voltar a esse estágio no Espírito, através da fé na cruz, a qual já foi consumada!

    O perdão imerecido nasceu na cruz. Mas Cristo não pode permanecer para sempre crucificado em nossos corações, porque onde a imerecida conversão nasce na morte de Jesus Cristo, a confiança na justificação e a esperança do reino nascem na ressurreição! Não podemos nos esequecer de que embora Ele morreu, mas JESUS ESTÁ VIVO!

    Assim, a confiança nasce a partir de uma tumba vazia.

    Só assim podemos dizer, como a JUSTIFICADA serva e humilde e humana Maria: "E o meu espírito se alegra em Deus meu Salvador; Porque atentou na baixeza de sua serva; Pois eis que desde agora todas as gerações me chamarão bem-aventurada." (Lucas 1:46-48)

    Todos que ao Filho adoram também são bem-aventurados! Porque também se diz: "Uma mulher dentre a multidão, levantando a voz, lhe disse: Bem-aventurado o ventre que te trouxe e os peitos em que mamaste. Mas ele disse: Antes bem-aventurados os que ouvem a palavra de Deus e a guardam." (Lucas 11:27-28).

    Porque a nossa JUSTIFICAÇÃO está em nosso Salvador, conforme I João 2:2, I Timóteo 2:5, Romanos 3:10, Romanos 3:23-24 e I João 1:8, 10.

    E só assim poderemos dizer conforme Paulo, o apóstolo, em 2 Timóteo 4:7-8: "Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé. Desde agora, a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, justo juiz, me dará naquele dia; e NÃO SOMENTE A MIM, mas também a todos os que AMAREM A SUA VINDA.

    A Paz Salvador,
    Anderson Paiva

     
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