sábado, janeiro 09, 2010
O problema do fundamentalismo
Li há uns anos no blog "a bordo" uma excelente definição dos problemas do fundamentalismo.

"O problema do fundamentalismo, cristão ou islâmico, socialista ou capitalista, é outro; não é o de advogarem doutrinas e referentes; o problema é de não deixarem na teoria e na prática, espaço para os aceitarmos. O problema é que parecem imunes ao facto de Deus nos ter conferido liberdade."

Várias vezes os Papas e a Igreja Católica se têm pronunciado contra o fundamentalismo mas devo admitir nunca vi ninguém colocar tão bem o problema do fundamentalismo como o Fernando nesse post que referi: o problema do fundamentalismo é que parece imune ao facto de Deus nos ter conferido liberdade.

O fundamentalista é, contudo, aparentemente, “justo”. A sua rejeição da liberdade tanto se aplica aos outros, como, aparentemente, a si próprio. Explicarei depois porque digo “aparentemente”.

Esta rejeição da liberdade assume duas formas quando em comunicação com alguém com quem se sinta em divergência. Na primeira forma, repete obcessivamente uma cassette, recusando um verdadeiro diálogo assente na argumentação e contra-argumentação. Na segunda forma, que é mais normal, o fundamentalista, quando confrontado com argumentos que coloquem em causa as idiossincrasias pessoais que julga serem a “Verdade” (quando na realidade são apenas a sua verdade) afasta-se do diálogo com o outro diferente e fecha-se na sua seita recusando qualquer tipo de comunicação.

Quando anteriormente disse que o fundamentalista apenas aparentemente rejeita a liberdade para si próprio, é porque na realidade, penso que ele quer apenas, em nome da "defesa da Fé", preservar tão somente a possibilidade de se manter num quadro que lhe permita um certo conforto psicológico. O fundamentalista religioso quer a Fé sem as agruras de chegar a ela pela Razão. No fundo tem receio da Razão. Mas, como referiu um certo Papa, “A Fé e a Razão constituem como que duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade.” O mesmo Papa que disse “Não tenhais medo!”

A expansão actual do fundamentalismo religioso (e não religioso) é uma das manifestações actuais de uma componente fundamental da natureza humana: a irracionalidade. Contudo, se outra razões não houvesse para não ter medo, bastaria recordar os dois mil anos de história que a Igreja Católica tem atrás de si no combate à irracionalidade (muitas vezes feito de aparentes alianças com ela – em qualquer guerra de longo prazo, em certos momentos, o inimigo não se pode combater de frente).

Gostaria de concluir sublinhando aquela que, do meu ponto de vista, é a mais grave consequência do fundamentalismo: a violação, por uma razão demasiado irrisória, do mandamento do amor. Para o fundamentalista, o outro é alguém de quem nos afastamos, apenas e tão só, porque pensa de um modo diferente.

timshel
posted by @ 3:32 da tarde  
12 Comments:
  • At 9 de janeiro de 2010 às 16:12, Blogger cbs said…

    por isso penso que o fundamentalismo é só paixão sem Amor, isto é, egoísta e portanto cega.

     
  • At 9 de janeiro de 2010 às 17:39, Blogger zazie said…

    Este post é be mpertinente.

    Mas esqueceste-te de um outro aspecto que entra sempre na perigosidade do fundamentalismo - a causa.

    Eu não penso que o fundamentalismo seja sempre danoso por não ouvir.

    O problema aparece quando quer mudar os outros.
    E para isso existe a imperiosa razão da causa.

    Aconselho um estudo espantoso (o sujeito andou 10 anos para o escrever) acerca do milenarismo.

    "Na senda do milénio. Milenaristas revolucionários e anarquistas misticos da Idade Média.

    É do Norman Cohn e vai muito para além da Idade Média. Chega mesmo ao século xix com alguns exemplos de continuação dessas seitas na América.

     
  • At 9 de janeiro de 2010 às 17:46, Blogger zazie said…

    Quanto ao fundamentalismo actual ele mostra até outra coisa- os terroristas têm todos boa formação universitária e não lhes falta racionalidade alguma na Causa.

    Eu creio que o que se mistura é a ideologia.

    E o estudo do Norman Cohn- apenas pelas fontes- mostra bem (ainda que ele nem o refira) que a ferocidade acontece quando a ideologia leva à divinização pessoal.

    Todos os fundamentalistas acreditam estar a cumprir uma missão necessária.

    E passam para lá da Moral precisamente por se considerarem escolhidos e divinos- tudo o que fizerem é armagedónico e necessária purificação para o dito Bem eterno.

    E querem-no bem terreno, mesmo matando-se.

    São muito mais racionalistas do que parece.

    A irracionalidade total gera tontinhos.
    E os tontinhos só são perigosos se forem usados pelos que têm cabeça.

    Agora o detalhe de ouvir ou não ouvir os outros, bah.

    Ás vezes até é obra de misericórdia deixar entrar por um ouvido e sair pelo outro.

    E dizer que sim, para ser simpático

    ":O))))

     
  • At 9 de janeiro de 2010 às 17:51, Blogger zazie said…

    Mas eu ando numa de maior preocupação (ou embirração- para ser mais verdadeira) com as matilhas cagadas de medo e a hostilizarem tudo o que vem com a marca do "terrorismo" por ser islâmico.

    Tenho pavor aos medricas. Esses imbecis estão sempre prontos para empurrarem a galvanização do medo.

    E gente medrosa e histérica é mil vezes mais perigosa que um fundamentalista apenas com vontade.

    Esses é que acabam sempre na poltranice de desejarem guerras para que outros morram e eles se sintam mais seguros à custa disso.

     
  • At 9 de janeiro de 2010 às 17:54, Blogger timshel said…

    possivelmente tenho uma visão incompleta da problemática mas penso que poucas vezes o fundamentalismo é perigoso por querer mudar as ideias dos outros, excepto quando o quer fazer através da violência ou da coerção

    se pensar em grandes correntes do fundamentalismo islâmico, judaico ou cristão (para só falar nas grandes religiões), eles raramente são proselitistas, são auto-suficientes, muito ufanos da sua fé e, a sua ideia fundamental não é exactamente a conversão mas a antes a conquista (ou então a conversão é vista quase como uma conquista, por vezes mesmo territorial)

    e, isto por uma razão simples: o fundamentalista detesta confontar-se com opiniões contrárias. O diálogo para eles é tão somente uma fonte de autoridade a debitar sentenças e o catequisando beber acéfalamente as verdades do seu ayatola (seja ele cristão, judeu ou muçulmano)

     
  • At 9 de janeiro de 2010 às 18:03, Blogger zazie said…

    Sim, tens razão.

    No sentido de nem gostar do debate teórico.

    Quem gosta de ideias até gosta de as confrontar e de ser desarmado pela surpresa do pensamento.

    Mas eu estava a pensar noutra coisa- as pessoas normaizinhas- as que vivem com a cabeça vazia e feitas pelos media também podem tornar-se muito perigosas ao passarem carta branca às exclusões e diabolizações sociais.

    E eu, que tenho a mania de ser politicamente incorrecta, por não ter possivelmente o gene do racismo, às vezes esqueço-me que há muita gente que o tem.

    E esse gene é tão estúpido que consegue criar necessidades de extermínio ou de exclusão (tem de se começar pela exclusão, para legitimar a necessidade de extermínio) que nem precisa de fé em nada.

    Essa forma surda do nascimento dos grandes movimentos de extermínio e guerra só sabe o que é quem o viveu.

    E nós, como não vivemos, não sabemos o que isso é e tendemos a achar que é falso problema.

    Eu não penso assim. E temo mais quem se recuse a uma patuscada com um "terrorista de raça diferente" do que um tipo de raça diferente demasiado agarrado aos livros sagrados.

     
  • At 9 de janeiro de 2010 às 18:05, Blogger zazie said…

    Outra coisa,

    Aconselho-te vivamente o livro do Cohn.

    A generalidade das pessoas desconhecde em absoluto o que foram esses movimentos de massas milenaristas e tendem a atribuir à Igreja chacinas feitas por eles.

    Vais ver que vais ficar parvo, em o lendo. E são fontes. Ele nem sequer orienta para nada.

     
  • At 9 de janeiro de 2010 às 18:10, Blogger zazie said…

    Uma causa não quer mudar ideias, quer mudar o mundo.

    Nunca te esqueças disso.

    São autistas e parece que nem são proselitistas precisamente como tu dizes- trata-se de ganhar terreno.

    Por vezes esse terreno até é tempo.

    Mas há sempre uma gigantesca dose de racionalidade para haver liderança.

    Como disse, os tolinhos sozinhos não vão a lado nenhum.

     
  • At 9 de janeiro de 2010 às 19:55, Blogger zazie said…

    Ainda a propósito desta historieta do fundamentalismo, lembrei-me de um post maluco que li por mero acaso.

    Como é óbvio, tudo o que lá vem escrito, bem embrulhado pela aula artística, podia ter qualquer outra personagem que, por caso, era indiferente.

    o que não é indiferente é a absoluta certeza nessa vontade de acção com que o maluco a justifica.

    aqui .

    É anormal, mas, sem querer, ele acertou na função da acção quando se está cheio de certezas.

     
  • At 30 de dezembro de 2015 às 02:31, Blogger John said…

  • At 5 de outubro de 2016 às 08:49, Blogger Unknown said…

  • At 21 de dezembro de 2016 às 21:59, Blogger Unknown said…

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