Eis a pequena semente que sopra fugaz em todas as coisas e rostos, no soçobro da alma nós a vimos e vivemos, inteiramente na sua vinda em plena e divina estranheza.
Toda a nossa ida ao bem e ao belo, e toda a nossa justa ira, no oposto se elevavam e dirigiam; mas o próprio deus nos visitou na carne e no rosto do seu filho, humilde entre todos. Não na mentira nem no disfarce, sem logro e sem ilusões ele nos mostrou o deus verdadeiro, que adentro de todas as coisas e relações se esconde, mostrando-as e libertando-as no agir próprio delas; e que fulgura dito e contradito em todas as palavras e actos, que se buscam a si próprios, na medida em que se perdem no apocalíptico tempo.
Nós queríamos um mundo de luz e força que separasse os iníquos dos justos e deflagrasse nos primeiros a destruição; mas ele trouxe a luz do mundo no seu ser, a que desde o princípio dos tempos jaz na noite primeira, no segredo da vida que põe em marcha as coisas que são, no nada que foram e no vazio que serão. Ainda hoje e sempre, raramente o reconhecemos e amamos, a alma é traiçoeira, e a vontade de força e poder é o espinho que a nossa inteira carne continua a rasgar, e a resgatar; pois é na fragilidade do mundo e no rumor da sua fugacidade, que o deus a si próprio nos conduz.
Soubemos o que sempre fora dito pelos santos e profetas: que toda a potestade que se forma como poder de si, é força de morte; a segunda morte, a que apodrece a alma na vitória de inacabáveis destruições; a que ergue as torres do orgulho e nos separa da criação, fechando e sufocando a vida, num mundo que se pensa justificado no nada de si; a que nos afunda nas trevas do isolamento mais fundo; esse, que vem do desespero e da separação primeira; que erguendo-se tonitruante clama vir reconfigurar a vida à sua maneira e adequação, e que nesse clamor abafa a única coisa em que estas afinal se desvelam: o sopro de si que se perde no outro e na criação, e que estes ama na sua inteira diferença; e que nas infindas e originais formas e forças da vida, se reencontra mergulhado no verbo do deus criador, a quem tudo retorna depois do vazio, em divina plenitude.
vítor mácula |
fixe