Deixem-me passar a polémica suscitada pelo
uso da expressão opção preferencial pelos pobres. Usá-la dá nisto: crispa. É bom. Mas não a uso para benefícios políticos de sacristias menores (como o fez o ministro da Defesa que invocou uma senhora de Fátima para dizer que tínhamos sido salvos das marés negras de um petroleiro). Também me escuso ao debate entre o Uganda e a Noruega, porque se os pobres só ganham nas disciplinas de meio-fundo e fundo do atletismo, os noruegueses também só nos batem no
curling, uma espécie de jogo da malha com lições de como encerar o chão. Gosto dos dois desportos para estar agora a esgrimir argumentos igualmente válidos para ambos.
Mas, coloco-me do lado do Carlos. Deve ser coisa geracional. «A opção preferencial pelos pobres que a Igreja deve assumir é uma opção primordial pelos que sofrem, pelas vítimas, pelos explorados (há que não ter medo das palavras), pelos pecadores.»
E, se me perdoarem o
auto-plágio, explico ao que venho quando defendo a
opção preferencial pelos pobres como a radicalidade do amor de Jesus aos outros. Essa radicalidade é política, não tenho medo das palavras, não as escondo em simpatias mansas ou apaziguadoras.
A
9 de Fevereiro de 2005 [a dias de uma eleição legislativa, que atirou a direita (que, como nunca, se dizia próxima de deus - minúscula propositada! - e se reivindicava de matriz cristã, como no já citado caso "Prestige") para a oposição, depois da total bandalheira na casa do senhor], dizia eu que:
«Ao católico, cabe participar na política? Cabe. Como um dever quase sacramental. Se o templo foi tomado pelos medíocres, devemos procurar a expulsão dos vendilhões - ou pelo menos da sua mediocridade, com critérios de exigência. É mais cómodo e fácil gritar
pobre país, o nosso e mantermos o apoio ao nosso clube, só porque é o nosso clube. Mas, para lá desta quase fatalidade de adepto, vale a pena ensaiar rupturas.
E que rupturas são essas?
O apelo do senhor padre lisboeta [na campanha] é um apelo
habitual, quase farisaico - o de quem olha para a maçã e prefere sempre o lado mais lustroso, porque tem medo de trincar a parte mais pisada. Pede-se que não se vote naqueles que
atacam a vida. Por uma vez, gostava de ouvir alguém gritar o mesmo - mas contra o
ataque à vida que é a pobreza e a miséria. [...]
[...] numa altura em que o desemprego bate à porta de milhares; em que o imigrante é erradamente visto como alguém que está a mais ou
apenas diferente; em que os ricos estão mais ricos e os pobres mais pobres; em que a produtividade só é medida pelo lado do trabalhador ou que a necessidade de
cortar despesas signifique despedir; em que a Saúde está entregue a uma lógica cada vez mais de
clientelismo e não de assistência; em que na Educação se valorizam "rankings" que sublinham a alegada excelência de escolas privadas, escondendo o trabalho
social que muitas não fazem; em que a Justiça é lenta e perniciosa para os que estão sobretudo à margem; em que o Fisco penaliza quem trabalha por conta de outrem, facilita a vida à banca e às grandes empresas e continua a permitir a evasão dos mais ricos; em que os impostos vão penalizando quem não já paga e não aqueles que deveriam pagar; em que a Segurança Social, dita na falência, sem nunca ter atingido patamares de Estado-Providência, continua a ser atacada, para cobrir défices artificiais e auxiliar seguradoras; em que as empresas de serviços públicos laboram em pretensos mercados abertos, mas mantendo situações de inegável monopólio e comprovável sobranceria face aos utentes/clientes; em que...
A lista é longa, porque é longa a lista de problemas. Mas que fazer? Remetermo-nos à sacristia e sair a horas certas para pequenas acções de caridade (esquecendo o imenso alcance da palavra na sua origem)? Ou lutarmos para que estas coisas mudem? Para que estes
atentados à vida acabem?
[...] De uma vez por todas, temos de apontar o dedo daqueles que se proclamam cristãos, mas no dia-a-dia atacam os seus semelhantes, criando dificuldades
aos ciganos, que roubam com o rendimento mínimo. Mais rendimentos mínimos houvesse! Ou que seguem uma política de
privatizar porque o Estado é mau gestor. Acaso não foram eles os gestores da coisa pública? Os vendilhões do templo dizem-nos que é útil a sua competência, mas confiaram a Nossa Senhora o que não fizeram no ambiente. Os auto-proclamados detentores da verdade empurram-nos para o colo de questões menores, chamadas de civilização, apenas para ganhar no jogo de malícia ao balcão da cervejaria
de que aquele afinal é maricas. Zelam por virtudes que não praticam, rezam quando ficam na fotografia. Tudo coisas pequenas, mas que não têm problemas de trazer à liça para laçar mais votos. [...]
Demagogia feita à maneira, apontam-me o dedo. Mas, neste tempo, há que romper discursos caridosos ou politicamente correctos ou maioritariamente consensuais. Neste tempo, a Igreja devia dizer: é preciso fazer uma
verdadeira opção preferencial pelos pobres. A direita no poder desde 1979, com um interregno de seis anos de governos de Guterres, e com a agravante do descalabro dos dois últimos anos, não tem condições de se reivindicar da doutrina social da Igreja.
Nem muito menos de proclamar a defesa da vida, da vida dos mais pobres.» [Fim de longa citação.]
Disse-o em Fevereiro de 2005 (e
aqui acrescentei um caso prático, o do rendimento mínimo garantido, para não votar na direita). Sinto-o ainda mais, hoje. Não por estar desempregado, de uma forma nojenta e arbitrária porque o cabrão de um administrador liberalóide entendeu que sim. Porque entre os desempregados descubro que sou um privilegiado pela rede de amigos que tenho, pela família que me apoia. E pela esperança que não se fina. Mas é este mundo, em que os mais pobres são esmagados pelos mais fortes que recuso.
E que leio nas palavras de Jesus como a sua opção mais radical: a defesa dos vulneráveis e fracos e frágeis e explorados e desempregados pelos
teixeiraspintos e belmirosdeazevedo e paesdoamaral deste país, as bem-aventuranças sim! (que
ousei torná-las próximas).
De G.K. Chesterton, aceito que «há algo de mais radical na Boa Nova dos Evangelhos - a opção preferencial por mim». Mas, apenas como pretexto para. Como início de. Para que eu saiba construir um mundo sem guerras com base na evidência da mentira, mas também com um mundo em que a pobreza será peça de museu, como estimou Muhammad Yunus. Se assim for, o reino dos Céus estará entre nós.
[Ainda sobre a política e as igrejas:
E a Universidade?E se uma Igreja partida...]Miguel Marujo
Gostei, Bom Natal.
Uma coisa é certa, se se combate a caridade partindo da tal ideia que tudo está na "aprendizagem" para se deixar de ser pobre, então os evangélicos acreditam que é possivel "porduzirem-se" pobres de sucesso
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