terça-feira, junho 16, 2009 |
O deus pão |
“Jesus está no deserto e repousa. Então chega o diabo: “És tu o Filho de Deus, então diz às pedras que se tornem em pão. (…) Eis que não só tu passas fome mas milhões de pessoas morrem de fome. Eles são fracos e incapazes de entusiasmo por ti, por Deus, se não lhes deres, primeiro, o pão. Todos eles esperam num deus, estão ansiosos por um mensageiro de Deus que os ajude; mas o seu primeiro desejo é que lhes dêem de comer. Então sim, deixarão tudo e seguir-te-ão, a ti se apegarão, adorar-te-ão e endeusar-te-ão, caso consigas o que nenhum homem consegue. (…) Caso não o faças, eles odiar-te-ão, maldizer-te-ão, expulsar-te-ão, porque entendem que tu não os amas. Ao contrário, concluem que os odeias. Pois, se os amasses, ter-lhes-ias dado pão. Se és Filho de Deus, então manda que as pedras se tornem em pão e satisfaz a eles e a ti”. Jesus reconhece nessa voz, que aparenta ser de amor intercedente, a voz do diabo. Foi um reconhecimento nunca antes visto. Ele repele o diabo: “Nem só de pão viverá o homem, mas de toda a Palavra que sai da boca de Deus”. Certamente poderia produzir pão, mas os homens o adorariam como aquele que lhes fornece pão e não como o Deus que também na fome, na privação, até mesmo na cruz e na morte, ainda é Deus. Não seria amor Deus iludir o homem acerca do que Deus realmente é. Concerteza ganhar-se-iam milhões de corações. Mas para quem? Certamente para o deus do pão da felicidade, nunca, porém, para Deus, aquele que tem honra em si mesmo. Não aquele que é Deus até sob a cruz e na morte. Deus manifesta-se a si mesmo por si mesmo e jamais pelo pão.”
Um texto de Dietrich Bonhoeffer, de 1932, em Tentação.
Pedro Leal |
posted by @ 12:07 da manhã |
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68 Comments: |
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um dos argumentos mais usados plo Tentador, julgo ser esse; a necessidade da boca, justifica sempre tudo..
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pois.
o problema está em pensar a coisa como distinção exclusiva, que constitui a nossa ideia espontânea de Deus enquanto Totalmente Outro, Nada-de-mundo, etc
mas o Deus revelado em Jesus Cristo faz uma crase do divino/humano, tornando-os, enquanto “via, verdade e vida” mutuamente inclusivos; o deserto cruza-se com a comunhão, a verticalidade com a horizontalidade, a oração com a acção, a ascese com a sociabilidade, o sagrado com o profano etc; a dificuldade é sempre ser-nos mais fácil escolher um dos termos em detrimento do outro, ou explicar um como remissão para o outro, anulando a tensão e esbatendo o escândalo revelador da cruz; esta impele a manter ambos na sua distinção e simultaneidade: Jesus é o pão do céu E multiplicador dos da terra; o Deus dos céus E presente nos pequeninos a quem se dá de comer, se visita na prisão, etc
abraços
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O Vítor tem razão. Não esqueçamos que Jesus, confrontado com o facto de a gente que o seguia não ter que comer, realizou o milagre da multiplicação do pão.
Essa questão da tentação é um pouco diferente - era a fome de Jesus, não dos outros.
E o que é isso de Deus manifestar-se por si mesmo?
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E a velhice é uma benção, digo-vos eu meus filhos, é um fenómeno quase santificante... as fomes, esvão-se todas ;)
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Claro que o Vitor tem razão e este é mais um post à "ética protestante"- dinheiro e riqueza é bom caminho para os ricos chegarem a Deus, mas é tantação se forem pobres.
Nada de novo- as parábolas dos desperdício dos perfumes servem para se adorar Mammon, estas, para dizer a imbecilidade do último parágrafo:
«Deus manifesta-se a si mesmo por si mesmo e jamais pelo pão.”»
Jamais porquê?
Porque é que dar pão a quem tem fome é obra do demo quando até a samaritana se preocupou com Cristo?
Isto é mais uma prova que os evangélicos são cristões.
Não há nada a fazer- só o comprovam em cada escrito-.
Andam a vender neoliberalismo nas Igrejas e caracanhol como grande dignidade para os ricos e dizer que para os pobres basta cheirarem o ar que têm o alimento espiritual.
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Isto só tem piada por outra questão- é um fenómeno social e quase civilizacional.
Há 40 0u 40 ou 50 anos os antepassados próximos deles eram todos esquerdalhos- comunas, mesmo- e usavam o evangelho como arma política contra os católicos e poder que lhes era mais adverso.
Uma geração depois já os filhos vendem neoliberalismo porque isso agora é que estás a dar e a forma de subverter a boa estrutura católica dos portugueses até é esta.
Não me venham com tretas. Isto é fenómeno de importação e moda mais política que religiosa.
Em Inglaterra não vejo anglicanos com estas pancadas.
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Nada sei quanto à imputação de “carcanhóis bushistas” à Convenção Baptista Portuguesa, de qualquer modo, creio que existem outras alianças baptistas, alem dessa. Agora, um ponto é que, mesmo não conhecendo todos os baptistas portugueses, dou o testemunho das dezenas que conheço; a maioria está bastante mais à esquerda do que o neoconismo americano – sendo o Tiago Cavaco uma das raras excepções. De facto, como diz o Pedro, politicamente parece distribuírem-se mais à portuguesa do que à americana.
Outro ponto é o Dietrich Bonhoeffer. Aquilo que me parece na análise que faz da Tentação (de Cristo e de Adão) é que distingue entre a mão do Diabo e a mão de Deus. Claro que o pão é necessário para a boca, mas e de onde vem ele, do Pai ou do Tentador? O discurso do diabo “Pois, se os amasses, ter-lhes-ias dado pão. Se és Filho de Deus, então manda que as pedras se tornem em pão e satisfaz a eles e a ti” é manipulador; se não quebras a ordem natural (transformar pedras em pão) serás odiado; se a quebras dás-me razão... Cristo resiste e domina o tentador respondendo “Nem só de pão viverá o homem, mas de toda a Palavra que sai da boca de Deus”. Salvo erro, a questão não será tanto de distinção exclusiva, entre divino e humano, Vítor; nem de o gesto de dar pão a quem tem fome ser obra do demo, Zazie.
Salvo erro, o que Bonhoeffer diz é: “Certamente poderia produzir pão, mas os homens o adorariam como aquele que lhes fornece pão, e não como o Deus que também na fome (...) ainda é Deus” ou seja, “Deus manifesta-se a si, mesmo por si mesmo, e jamais pelo pão” ou seja ainda, trata-se de resistir ou aceitar a oferta, e não é indiferente o lado de onde ela vem. Segundo julgo, para Bonhoeffer a compreensão da Tentação passa por aqui: como não sei distinguir quem me oferece a mão, a resistência ao diabo só é possível, garantida, na submissão totla à mão de Deus.
Não se trata de separar as dignidades dum rico e dum pobre, um podendo ganhar carcanhol, ao outro bastando o alimento espiritual. Todos tem direito a ser ricos, segundo a ética de Bonhoeffer, mas têm também é de atender a com quem é feito o negócio. Não é muito diferente daquela história recente dos diamantes de sangue.
Depois a sua vida foi nisto exemplar (vejo-o como um herói do séc. XX) pois em vez de aceitar o pão que lhe ofereceram - dos nazis, e ser-lhe-ia fácil assobiar para o ar - denunciou a mão criminosa, pagando com a vida. Melhor, muito melhor do que eu, de certeza...
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Quem é que falou em Convenção Batista Portuguesa?
Acaso é a Convenção que anda a fazer palestras sobre os cristãos e o dinheiro?
Este texto é pura treta e já houve quem explicasse o motivo.
Mas é hipócrita por que, ao mesmo tempo, os evangélicos passam o tempo todo a reabilitar a sacralidade da riqueza.
Ou seja, o pão para a boca é tentação do demo, mas se forem luxos e offshores para os ricos, é vontade divina.
A propósito, não é propriamente propaganda mas é uma informação.
Há muito que ando a tentar um verdadeiro debate acerca do mito da globalização com uma série de bloggers, entre os quais se inclui o Helder do Insurgente, o CN (e até o das conferências que já foi do Trento- o Luis Aguiar).
Para a semana está prometido com uma recensão do Falso Amanhecer do John Gray.
Eu achei a obra excelente e tem a vantagem que assim escusa-se de deitar água benta na política-
Vamos debater política e não é preciso chamar a isso outras coisas (incluindo cristianismo).
Quem quiser pode entrar, até creio que era excelente um debate alargado.
Eu não tenho jeito para mobilizar nada mas o tolinho do Jaquim do Portugal Conmtemporâneo lembrou-se disso.
Normalmente prefiro estas coisas em directo nas caixinhas mas até tenciono fazer uma recensão do livro.
Portanto, podem aparecer que aí é que é o lugar indicado e Deus não tem nada a ver com a história.
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Já o Diabo, não digo nada...
":OP
(o Tim há-de pensar que eu me converti ao comunismo por até lhe estar a dar razão a uma pequena parte.
Mas não converti- e precisamente por ver no internacionalismo o germen de comunismo e liberalismo que gostei de o confirmar no Gray- afinal até estou bem acompanhada.
Quanto ao detalhe que liga ao Tim, já se sabe- o pó aos burgueses.
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Essa submissão total à "mão de Deus" que se manifesta por si mesmo- o que quer isso seja é a mentira base.
Esta ideia pode traduzir-se no mesmo que a Jihad diz ou na mais primitiva forma de magia- adora-me e entrarás no meu reino- o demo diz o mesmo.
E há uma passagem bíblica que eles gostam muito de ler à letra e que está na base desta adoração que não se exprime por mais nada e que anda perto de um capricho autista- o famoso sacrifício de Abraão.
Eu sei ler o sacrifício de outro modo. Se calhar até aprendi a lê-lo na literatura ou no cinema de Bergman- e a única coisa bonita que tem é a ganhar-se de dar-se valor único ao filho que se tem, perante a ameaça de o perder- Isaac é oferecido duas vezes ao pai e este só perante a sua perda o recebe em toda o sentido divino que o ser humano também tem.
Mas isto é leitura minha que nada tem a ver com catequeses.
Estes cristões evangélicos passam a vida com ela na boca para a lerem como qualquer fanático islâmico ou rabínico (são gémeos, esses dois).
E dessa leitura o que fica é isto- um Deus impiedoso que se revela sem nada de humano e até com as maiores crueldades que poderia dar à sua obra.
Quem não ganhou para o susto foi o Isaac.
Sempre achei demasiado caricata esta leitura literal e no lugar de quem pede o sacrifío podia estar o mesmo demo.
O alimento espiritual não é oposto à caridade e só por muita hipocrisia se consegue inventar dicotomias antagónicas onde elas não existem.
Este texto é pura agit prop capitalista, na sua forma mais cínica e boçal
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A demagogia da leitura que todos papagueiam até já a sei de cor:
Amar a Deus é o primeiro dever e quem acha que apenas pelas obras ao próximo tem a salvação está a negar Deus.
Isto é falácia de tal modo bimba que só comprova que nem teóricos já têm.
É óbvio que o amor ao próximo é uma continuação do amor a Deus, e essa puta desse "jamais" do texto até mete nojo.
Isto era o mesmo que dizer-se que Deus não tem nada a ver com a obra que fez e nós só nos ligamos a ele se dermos em autistas em relação à sua obra.
Pior, isto é dizer-se que não há diferença entre a voz do demo e a divina- porque ambas são exclusivamente auto-referenciais.
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Zazie não me faças de parvo. foste tu que uns postes abaixo puseste isto "que a necessidade de passarem o tempo a darem vivas ao Bush e à guerra se devia ao facto da CBS_USA patrocinar a Convenção Baptista Portuguesa" atribuindo a alguem que não sei quem. Mas foi por ti que li, e ainda pareces sugerir que seja verdade. Até pode ser verdade, não faço ideia.
E já agora. Qual o texto que é hipocrita? porquê?
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Mas eu até era capaz de mostrar o cinismo deste texto com outros que já li aos mesmos evangélicos.
Em se tratando do papão do comunismo até são capazes de se lembrarem dos euquitas que eram tão fanáticos por Deus que deram em jejuar, acreditando que podiam prescindir do alimento terreno.
Como é óbivio, neste caso, rematam a parábola contando que eles se exterminaram assim- por recusarem os bons dos bens terrenos.
E aqui já não há demo a tentar com o pão- aqui há falsa crença por não abraçar as necessidades terrenas.
Com um pouco mais, e já estão na ética protestante e no bom do capitalismo que até o Weber lhes reconheceu.
É por já os topar há muito e saber que isto é k7 igual em toda a parte- do Brasil, às américas, às garagens de subúrbios que lhes conheço as manhas.
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já percebi qual o texto e quais as "razões" do insulto.
peço desculpa por ser lento.
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Não, não falei disso agora.
O que deixei em baixo é cópia literal de uma informação dada por um evangélico aqui no blogue.
Ora escreve essas palavras no Google e vais ter ao post onde foram ditas.
Não inventei nada. Nem sabia,foi aqui contado e foi contado para explicarem a necessidade de agradecerem ao lobby pois era o mesmo que apoiou o Bush.
E foi dito isto e contado isto, textualmente por um deles.
Os bens da Convenção Bapista Portuguesa serem todos da CBS Americana foi também contado pelo mesmo.
Desconhecia em absoluto isto e nem falei no assunto neste post.
neste post citei os encontros do Luis Aguiar- um neoliberal que é vai là à igreja do Tiago Cavaco.
Se o Tiago Cavaco é chefe da Convenção Baptista Portuguesa, é assunto que desconheço e não misturei nada.
Porventura tu lá sabes e a mistura é toda tua.
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Mas trata de confirmar essa merda no Google porque o Pedro Leal já enfiou a viola no saco por o ter feito.
Não fui eu que disse, não sabia, foi um evangélico que o contou aqui, nestas caixinhas.
E isso nada tem a ver com este texto e muito menos com as palestras que o Luis Aguiar e mais aquele imbecil ornitorrinco do Raposo andam a dar
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As razões ?que razões?
Nunca debati política com o Tiago Cavaco mas já tive uns mini-debates com o Luis Aguiar no Portugal Contemporâneo.
Até tenho boa impressão dele, é um capitalista anarquista da escola austríaca- para eles tudo se resume à inexistência do padrão ouro.
Não há aqui nada de pessoal- o teu asar é veres-me como um duplo dos teus ressabiamentos.
Eu nem tenho o menor ressabiamento com o Tiago Cavaco- sempre o li, sempre lhe disse tudo directamente, a existir ressabiamento é dele pois precisou de me atirar para a primeira página para atirar com a porta, e à custa de um mistério que nunca esclareceu.
Segundo ele, uma vez eu disse-lhe uma coisa má e nunca lhe pedi desculpa.
Como ele nunca acusou nada, eu não sou bruxa. Pois, pela minha parte, mal ele entrou em tricas de merdas de papoilas e outras gajas bombas inteligentes, eu acusei logo e disse-lhe, em directo e em cima da ocasião o que tinha a dizer.
Como vez, nãpõ há aqui Tiago para nada e o que escrevi é absolutamente teórico.
Até te podia linkar uma série de blogues onde as mesmas coisas são ditas.
Não há sequer originalidade portuguesa nestes mitos do "baixa-te e adora-me" e se fores rico tens as portas abertas do céu, mas se fores pobre, é bom que não penses que vens à boleia deles".
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azar, phónix, com z.
Escrevi demasiado à pressa,
Para a semana, já sabem, quem quiser falar claro e sem meter Deus ao barulho, pode vir ao debate.
Basta ler o John Gray~.
Cada macaco no seu galho- prefiro agit prop com bandeira em vez de cruz.
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É óbvio que o texto é este texto do post!
Que diabo de texto é que havia de estar a comentar neste post?
":O?
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é pá, peço desculpa, mas é-me impossivel ler agora com atenção. tenho que sair.
mas quero esclarecer só isto: - quando referi o meu amigo Tiago Cavaco (secalhar fiz mal)foi para dar um exemplo do que poderás considerar um "bushista" "neoliberal" etc. Mas apenas para referir que é excepção, a maioria dos baptistas que conheço tá-se cagando para o Bush. - Não disse que o Tiago era chefe da CBP e, apesar de lá ir muitas vezes, nem sei a que associação pertence a igreja dele; mas duvido mesmo que haja um "chefe" numa associação de igrejas protestantes. - É óbvio que o texto é este texto do post! Tens toda a razão, eu é que sou lerdo e não percebi logo.
Mas quanto aos temas do post, também é óbvio que não és tu, nem eu, nem ninguém, que estabelecemos a agenda de assuntos. Se me apetce falar de gambesinos falo, como tu fazes aliás sem problemas. Achei que vinha a proposito. Talvez mal, e depois?
E good evening
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Não, eu não considero nada e mrelação a ninguém pessoalmente.
Limitei-me a comentar este post-.a caracterizar a besta que é autor do texto postado e a caracterizar os evangélicos.
Coisa que, como disse, é idêntica na América, no Brasil, ou cá (para referir locais onde já li as mesmas ideias e sei que assim o são)
Não me interessa para nada nenhum de v,s em particular- sorry mas é mesmo assim- V.s dão-se uns com os outros, são amigos, e eu estou fora disso- nunca nenhum de v.s me viu ao vivo e, tirando a velha e boa amizade com o Tim, a outra malta é mais ou menos coisa de html.
É claro que há simpatias inevitáveis e esses fraquinhos também toda a gente os conhece- o malandro do CC, que está tramado por eu o curtir e o Vítor.
O Rambo Evangélico até está bem perto desse fraquinho gratuito, por nem sei que motivo.
Porque sim, sei lá. A única pessoa com quem me pego (agora) é contigo
":OP
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Até consegui ficar amiga da diácona da Porcalhota.
ahahahahahaha
E não quero estragar essa boa pacificação porque há-de ter sido milagre
":O))))))
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Outra coisa, em passagem alguma do meu comentário a este texto falei de bushismo ou apelidei o texto de bushista.
Que eu saiba o Bush não é do tempo da Reforma.
O que caracterizei foi a incompatibilidade centenária de um mundo católico e de um mundo protestante na sua versão de perseguição dos pobres e eleição do valor dos ricos.
E quem falou disso não foi o Bush~; entre muita gente até foi o Max Weber.
No fim-de-semana a ver se arranjo tempo para fazer o outro post dedicado à famosa "caridade protestante".
É coisa de iconografia, mas também é histórica e até ilustra muitíssimo bem um outro estudo- o da história da loucura- feito pelo Foucault.
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Toda a questão reside no "Se és Deus ... " amigos! Não encontro neste texto conotações nenhumas com ideologias, mas apenas a simplicidade da explicação de que, Jesus não precisou de provar nada, porque Ele É.
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olá zazie :)
os melhores milagres são esses. Aqueles que nos surpreendem. Que não pedimos nem esperávamos, jamais...
O post...
não sei ler a mente do Pedro. Mas parece-me que ele quer aqui passar uma mensagem que não é a cristologia de D. Bonhoeffer. Ela é complexa de mais para a remetermos para esta ou outra gaveta das nossas considerações atávicas.
O Vitor já focou o essencial. Mas podemos continuar a dialogar sobre o texto do post.
O Deus de Jesus não é o deus das nossas necessidades. Também é. Mas não é só. Claro que o Homem vai sempre atrás do imediato. E nos tempos que vivemos nem se fala. Mas Deus quere-nos para mais. Satisfeita a nossa fome dos "pães" materiais (sim, porque de barriga vazia não há santos) procuremos o que nos dá Vida. Creio ser esta a mensagem cristã e por conseguinte a de D. Bonhoeffer.
O tentador quer sempre que nos entretenhamos com os "pães doces"...vencer isto não é nada fácil. Acho eu!
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O que é isso de Deus se manifestar por si próprio?
E o que é isso do "jamais" pelo pão a dar a quem precisa?
É apenas isto e tudo está contido nesta passagem.
De qualquer forma, a escolha do post também não se separa das mesmas e eternas questões e essas já as sistematizei.
De resto nunca li este sujeito- fico-me pela passagem seleccionada, coisa que também deve ter a sua intenção- não se posta partes de texto por acaso.
E o encadeado até está aqui, na primeira página do blogue, sem precisar de ir às caves-
Anda-se a falar do pão para os pobrezinhos que pode ser pecado e do pão-de-ló para os ricos que é preconceito nosso (católico).
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Mas insisto- não sei o que é Deus manifestar-se por si próprio.
E esta é que é a questão de base.
Para os evangélicos existe a tal magia de ligação directa que apenas pede que se adore.
E essa adoração a Deus passa a ser tarimbada na sua veracidade tanto mais quanto mais afastada possa estar do humano- do colectivo- da vida- da Obra de Deus.
E daí a tal eterna fixação na história do sacrifício de Abraão-.
Que é lida à letra- como a maior prova de venerar Deus, apenas por obedecer a uma voz que é a dele.
E isto para mim é uma grande treta.
Sempre embirrei com esta leitura do Abraão-
E cheguei a dizer que era a única passagem bíblica de humor negro.
Lendo à letra, só pelo humor negro se pode imaginar o susto que o Isaac apanhou.
È claro que eu gosto da passagem mas a minha leitura nunca poderia ser textual.
Está aí em cima a que tenho, e nem sei se é herética e estou-me pouco lixando para isso.
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A cena do Abraão até dá uma caricatura lixada se não for entendida na dupla dádiva de um filho.
Ia o pai e mais o filho e bode à conta do gajo estar convencido que devia matar o puto.
E depois, Deus mandava um anjo segurar in extremis o braço do palonço e dizia-lhe que não era a sério- era apenas um teste para ver se ele lhe obedecia.
E lá voltavam os dois para casa, mais o bode, de orelha murcha e o puto ainda borrado do susto.
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"O que é isso de Deus se manifestar por si próprio?" perguntam o CC e a Zazie...
não imaginava que esta mensagem deixasse algum católico/cristão tão intrigado...
Deus apenas não se se reduziu à prova material, nem à tentação de seduzir os homens à custa de favores.
Ele manifesta-se por si próprio, sem "artifícios", sem "estratégias", movendo-se apenas pelo Amor.
Já o diabo, ao contrário, não se manifesta por si próprio, usa de serprentes e de maçãs lustrosas...
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Pois, continuo na mesma.
Quando é que o milgre da multiplicação dos pães não é obra do demo e o que é isso de Deus se manifestar por si próprio.
A resposta foi tautológica e apenas diz que se vier coisa boa, é demo- se for "por si próprio" é Deus.
E o que é isso de ser por si próprio?
O que é uma manifestação de Deus por si próprio, aqui, na terra, e não no Além ou no julgamento final?
E porque é que essa manifestação jamis poderá ser acompanhada de milagre de multiplicação dos pães.
Eu sei que não vale a pena.
Há mesmo um iato impossível de transpor entre católicos e protestantes.
E dei-me conta disso, muito recentemente, estando a ler uma entrevista de um realizador protestante ao Bresson, que era católico e ele admirava profundamente.,
Foi o caos. Durante anos o Bresson até proibiu que ela fosse publicada.
Foi o autismo absoluto. E é curioso porque grande parte das razões são também estas.
Não sei. Ainda por cima eu nem me posso considerar católica.
Mas li as respostas do Bresson e entendi tudo- está lá a complexa e riquíssima história do catolicismo que é tanta coisa e o seu contrário.
E isso é incompreensível para um evangélico. Como o foi para o desatino do Paul Shrader.
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Dou um exemplo que pode ilustrar este detalhe da manifestação de Deus.
O Bresson, numa passagem do Pickpocket- põe o carteirista a dizer que foi crente durante 3 minutos.
E o Bresson até é tido por um jansenista, por estar mais perto da salvação pela graça que pelas obras- era-o por via de Pascal
Na entrevista o Shraeder não entende e diz-lhe que o herói até era ateu.
E ele explica-lhe que se lembrou desse diálogo por ter sentido isso no funeral da mãe-. Perante a mesma música que usou no filme, ele sentiu, por uns breves 3 minutos a presença de Deus. E disse que 3 minutos até era muito tempo- um milagre, para se poder sentir essa presença de Deus, e sob o efeito da igreja, da despedida e do magnificat.
O Shrader não entendeu. A partir daí foi o desatino absoluto com cada um falar para si próprio. Impossível o diálogo e tratou-se de um tipo que andou desde miúdo a tentar esta entrevista.
Mas o aspecto religioso que poderia uni-los foi o mesmo que levou ao absoluto fracasso o encontro.
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Bom, parece que faz falta explicar o contexto da citação - não dá, como percebem, para postar no blog o capítulo inteiro... Bonhoffer começa por se insurgir contra os que defendiam que primeiro se devia tratar do fisico da pessoa, e quando a pessoa tivesse tratada (barriga cheia, roupa decente, etc) então estaria em condições de ouvir o Evangelho. Oitenta anos depois não é difícil encontrar por cá quem pense assim. Não é uma questão de ser espiritualista (só o espírito é que conta) mas a tentação de pretender amarrar Deus às nossas prioridades. Quanto aos milagres, a verdade é a esmagadora maioria dos que deles beneficiaram não estavam com Jesus na hora da Sua morte, nem estiveram com os primeiros cristãos, depois. O "pão" terá desviado do essencial?
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Pois, depois desta explicação do Pedro pode-se constatar que a minha leitura não se afastou da intenção dele.
È isso mesmo- a tal falsa dicotomia e incompatibilidade entre a caridade mais básica da sobrevivência- a pequena obra com o famélico- contra a verdade da revelação, que para os pobres só pode ser verdadeira se estiverem em jejum.
Como eu disse, e podem confirmar nas parábolas dos encontros dos "cristãos e o dinheiro" a história dá uma viragem a 180 graus se a revelação se passar com ricos.
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E, não é por ser bruxa, e por esta historieta ter séculos e não ter sido inventada pelo Pedro Leal.
Ele repete a tal "caridade e ética protestante".
Uma coisa que até a mim, que não curto explorações ideológicas dos pobrezinhos e sou anti-comuna visceral, me faz virar as costas de tal modo é boçalidade burguesa.
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A riqueza do protestantismo não está em jogo; pode fazer-se um estudo comparativo entre Bonhoeffer, Barth, Ellul, Tillich, Vahanian, etc e perceber toda a complexidade dialéctica e problemática duma certa dessacralização dos ritos, entre imensas outras coisas; curiosamente, em Bonhoeffer, ao contrário do que este post e debate parece indiciar, é a humanidade e fraternidade de Cristo que é intensificada ao seu limite; e é esta que nos conduz à comunhão com o Deus “em si próprio”, que se revela enquanto acção no sentido relacional de “amar como acto de criação e doação de vida”, de ser-com-o-outro, ser-para-o-outro, etc; e nada disto nega, como é evidente, uma certa relação histórica e processual entre o protestantismo e a ascensão da burguesia e do mercantilismo como produtores de valores e dinâmicas sociais. Seja como fôr, penso que a interpelação protestante está no centro de uma série de reformismos católicos, da Contra-reforma em que se desenvolveu uma certa mística, iconografia, ascese e acção social, até ao Concílio Vaticano II e por aí em diante. O protestantismo americano desenvolveu-se em outras condições; há relações mais ou menos evidentes entre certos horizontes milenaristas e a conquista do território americano, por exemplo; eu disto conheço quase nada, mas percebo que é assaz complexo e rico, cheio de tensões e contradições, etc das “teologias da morte de Deus” até à pretensão de um cristianismo politizado e mediatizado.
Os “três minutos de fé” deve ser uma das interpelações bressonianas que mais me bateram, claro ;) E distingue brutal e existencialmente a fé da crença, moral, ideologia, opinião, cultura, sentimento, identidade grupal, etc; pois perante a morte tudo isso vai de borco. Outra é a dum preso no “L’ argent”, pondo-se de joelhos junto à sua tarimba enquanto a ambulância baza e dizendo: “Rezo sempre pelos suicidas”. É a minha costela gótica LOL
Onde se pode ler essa conversa do Shrader com o Bresson?
Bjocas, abraços
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Zazie, que história é essa do debate blogueiro sobre a globalização?
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“Quanto aos milagres, a verdade é a esmagadora maioria dos que deles beneficiaram não estavam com Jesus na hora da Sua morte, nem estiveram com os primeiros cristãos, depois. O "pão" terá desviado do essencial?”
Isto coloca várias questões, Pedro: - Qual a factualidade dos relatos evangélicos nas suas convergências e divergências? Como pretender saber quem esteve ou não esteve na hora da Sua morte ou com os primeiros cristãos? Os evangelhos não são crónica histórica nem jornalismo.
- O “pão” aqui inclui curas, reanimações vitais, signos, etc; como separas tu isto do “essencial”? Pareces o Husserl que ao retirar todas as determinações da rosa pretende ficar com a “ideia pura de rosa” LOL Há espírito sem acção, amor sem actos, salvação sem libertação concreta e determinada?
- A pretensão de ser um puro e santamente motivado, numa interpelação de que aqueles que se converteram porque a filha reviveu e assim foram arrebatados pelo amor de Deus o não são, parece-me bastante perigosa: todos nós chegamos a Deus a partir dos nossos pecados, senão nem precisaríamos “chegar a”; e a maior separação é o orgulho de santidade, como se sabe; bem maior do que a alegria terrestre dum pai desesperado com a finitude humana que se lhe rasga na filha morta; ao contrário do que me pareces pretender, neste “pão” indiciam-se questões essenciais da cristologia.
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Olá Vitor,
estou a trabalhar e sem grande tempo e nem tenho o texto aqui à mão. Mas ia jurar que até está online.
Logo vejo isso.
........ Rapidamente, e apenas em relação à resposta do Pedro Leal.
Já me matei a rir.
Com que então Cristo fez milagres em vão- aquela cena dos pães foi um desperdício
aahhahaha
Eles bem que acreditam e lêem à letra até o Livro dos Provérbios do Antigo Testamento- aí, até é certo que do pau nas crianças ao genocídio contra os povos vizinhos- é tudo palavra de Deus
Chegam ao Novo Testamento e vem-lhes o espírito crítico- não senhora- protestam- esse cristo era um frouxo, se os gajos berravam que tinham fominha ele que os mandasse beber águinha que fome também ele tinha e bem que se aguentava
ahahahahah
O milagre dos pães foi um erro divino- não serviu para nada- ainda deseducou a populaça- era ter-lhes dado com um raio em cima
":O))))))
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CC,
Aquele pascácio do Jaquim cortou-se e acordou a meio da noite e vá de despachar 3 livros do Gray de uma vez, para evitar o debate sério do Falso Amanhecer.
Vai lá ver a trafulhice no Portugal Comntemporâneo.
Estava prometido um debate e o Helder do Insurgente até disse que alinhava.
O Jaquim, ontem disse que para a semana se ia fazer.
Hoje- ás 6 da amtina já tinha lido os 3 livros para escrever as enedotas que lá estão.
Não dá.
A blogosfera é isto- uma barraquinha de feira que apenas serve para se atirar com umas bolas aos trombone destes funambolos.
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Mas reparo agora que o Pedro Leal apagou a resposta que ainda li.
Estava com sono e nem respondi.
É estranho ele ter apagado uma resposta gira onde explicava o famoso evangelho da riqueza da Igreja Maná e da Igreja Universal.
Eu li, e achei piada, por me ter soado a justificação de separação de seitas, como costuma acontecer entre os maçónicos.
Sempre que alguém caracteriza uma cena da maçonaria e é verdade, aparecem uns melros a dizerem que isso é com os da Loja rival.
O Pedro fez o mesmo- e vá de dizer que sim, senhora, eu até estava certa e o Weber e não sei quantos mas estava a misturá-los a eles com os tais que falam mais claro e até dizem que um crstão tem de ser rico.
Pois--- o problema é que historicamente esses da maná ou da Igreja Universal que falam mais claro, apenas levam às últimas consequências ou que já era notório nas consequências da reforma do século XVI
E eles, a Maná e a Universal, não são variantes de seitas católicas.
É engraçado porque ele censurou isto que tinha escrito.
O Pedro é um bacano bem inteligente- é sintético e directamente para a veia.
Sabe perfeitamente do que fala e topa perfeitamente o que eu topo.
Curto-o por isso- por saber que não estou a falar com um naive.
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Só um detalhe para o Vitor.
Há duas formas de se entender estas coisas :uma delas é seguir estritamente a doutrina- seja a católica, seja a protestante; outra é ir às fontes históricas e ver, na prática, o que resultou.
E aí, há um abismo gigantesco entre teoria e prática.
Digo-te que este aspecto até costuma ser o responsável pela impossibilidade de diálogo com quem vem de Filosofia.
Com o Dragão já me aconteceu isso- ele fala de religião por teoria- falta-lhe a prática histórica, e aí não há nada a fazer- porque a prática histórica é factual e irredutível a uma súmula.
Dos factos podemos tirar estatísticas e enunciar tendências. Pouco mais- valem o que valem.
Mas valem mais do que a teoria absolutamente impoluta de meia dúzia de teóricos.
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Faltou outra coisa que ele também censurou e que ainda era mais pertinente.
Ele, às tantas, para se separar das tais seitas rivais da maná e da Igreja Universal do Reino de Deus, ainda disse que, proporcionalmente, os evangélicos até fazem mais trabalho de caridade social que os católicos.
Eu achei curioso e estava para lhe pedir fontes para entender se esse trabalho era apenas entre eles ou abrangia qualquer pessoa, independentemente do credo.
Mas a questão é pertinente porque uma das maiores contradições do espírito capitalista e da mortandade e internamento em manicómios dos pobres que ficaram sem o apoio dos conventos, foi a contrapartida do sentido de commitment que desenvolveu nos países nórdicos.
Eu própria precisava de estudar melhor a Reforma. Como não é sequer área que trabalhe, falta-me muita informação.
E continuo a achar que era bem pertinente. Até porque é curiosa com a ligação que se pode fazer à história da loucura e encarceramento de vagabundos.
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Ainda tenho uns minutinhos para deixar uma confissão- já devia ter feito a pergunta de forma directa aos bacanos aqui da casa.
Este blogue é do conhecimento da Convenção Baptista Portuguesa ou do tal lobby americano?
Há algum compromisso pelo que escrevem aqui na blogosfera?
A pergunta é directa e é apenas por isto.
É que eu não ando aqui a embicar com estes bacanos do Trento- eles não são magnatas nem poder político.
Mas, sempre me soou mal a cena dos posts que pareciam pagamento de tributo.
E, em podendo ser e em podendo esses clandestinos vir aqui cheirar, só tinha que fazer um manguito.
Sou portuguesa, não gosto de patas políticas em cima do meu país ou vigilâncias por tributos a americanos.
A questão é básica e digo-o agora claramente, apenas pelo facto do Pedro se ter cortado e apagado o que tinha escrito e que era directa para a Igreja Maná e Igreja Universal do Reino de Deus.
Como é óbvio, se a cena se passasse com católicos vendidos a estrangeiros, a minha reacção era a memsa -tenho estes ataques à capitão Haddock.
Deve ser o sangue do antepassado de Alcácer Quibir a pedir vingança
":O))))))
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Bem, Zazie, é um detalhe tão problemático como a separação dos pães LOL Isto é, do mesmo ou similar modo há aqui complementaridades e remissões: separar a teologia do Bonhoeffer da sua vinda dos Estados Unidos para se meter na boca do lobo germânico, não me parece trazer mais lucidez ao assunto. De resto, a História não é evidentemente o neutro registo sucessório dos acontecimentos, o que se mostra de imediato na sua actividade constituinte: o critério de escolha de que acontecimentos registar, e de que modos e relações, assim como a análise dos mesmos, constitui um sentido, uma orientação, uma forma de reflexão. E estes exprimem indirectamente o sujeito que reflecte as séries de acontecimentos, seja este sujeito entendido individualmente (o historiador) ou colectivo (os métodos históricos, a investigação entre pares, a tradição épocal e geográfica, etc). A História não é estrito registo de percepções, de estados de coisas, mas um trabalho representacional que busca o sentido do humano no seu devir, isto é, o sentido do próprio tempo ou do tempo próprio, como se preferir. Esta tua frase, por exemplo, “Dos factos podemos tirar estatísticas e enunciar tendências”, é uma posição histórica não factual, que se funda numa filosofia da História e metodologias decorrentes. “A História que regista factos é um simulacro de razão morta.” (Antonin Artaud, e esta é só para chatear a molécula JAJAJAJAJAJAJA!) De Heródoto aos historiadores contemporâneos, passando por Paulo Orósio ou Edward Gibbon, trata-se sempre de dar um sentido aos acontecimentos, de os re-produzir num contexto de entendimento. Nada disto significa que a actividade do historiador não seja evidente e radicalmente distinta da do filósofo, do cientista, do artista, do físico ou da conversa de café; significa sim que elas mutuamente se podem alimentar a partir dos seus sentidos próprios; quanto ao que vale mais ou menos, enfim… eu, por exemplo, estou em fase de me começar a dedicar um pouco ao estudo histórico, pois está-me a fazer falta. Isto é, onde tu vês “impossibilidade de diálogo” eu vejo “necessidade de diálogo”. Mas pronto, isso sou eu que sou “complementarista” (leia-se “católico” LOL) Quanto à teoria impoluta e sem envolvimento histórico, nenhum dos que nomeei corresponde a tal. Bjocas! PS: eu não venho da filosofia, fui a ela a partir dum conflito vivido entre arte e existência, mas isso é outra história, precisamente ;)
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Não me fiz explicar bem porque nem estou em casa e teclo mais ou menos às escondidas.
O que eu queria dizer é que há 2 maneiras distintas de se entender o "clima" de uma época.
Uma delas pode pegar nos grandes teóricos e retirar o sentido para o aplicar à realidade.
A outra, pode partir da realidade concreta- a que diz respeito à actuação das pessoas- e essas não são súmulas filosóficas e ver se existe correspondência entre teoria e prática.
Eu sei que depois, para se fazer o tal apanhado de tese, é mais complicado- mas, pela minha parte, no pouco que faço e que até e mais iconografia, sempre parti do factual- tenho até um ligeiro pendor "positivista"- à Heers.
E isto significa que depois as coisas teóricas tendem a ser inferidas na prática.
Os debates com o Dragão tinham a ver com isso- eu peguei nos Concílios da Alta Antiguidade- ele pegou numa súmula teórica- e depois o que ele quer aplicar à realidade não acontece -porque os factos mostram é que nunca existe sintonia e uniformidade a marchar a compasso entre o que um filósofo ou um padre importante escreveu e o que se vivia em infinitos lugares do planeta onde essa espiritualidade ou realidade poderia ser observada.
E isto é válido para tudo- chamamos cartesiana e racionalista à França como se toda a França tivesse imitado o que Descartes escreveu, e por aí fora.
Neste caso, estava dizer-te que o motivo pelo qual para mim se torna tão fácil e previsível saber o que o Pedro Leal ou outro, vai escrever- hoje, no ano de 2009 em Portugal ou no Brasil, ou na América, se deve ao facto de ter lido esses mesmos apanhados já a servirem de base a uma popularização e divulgação de um "ethos" protestante.
É claro que isto depois tem enormes variantes- e, mais uma vez, essas variantes entendem-se na acção prática das sociedades, e não na obra de um grande teórico.
Se o teórico vai sempre mais longe que a prática das massas ou a adaptação política e do poder, isso apenas deriva de um teórico ser isso mesmo- alguém que sai da mediania e não usa a teoria para nada de utilitário.
Por isso, quanto à História, não vou mais longe que isto- prefiro dizer menos que fazer súmulas com orientação baseada numa grelha teórica pré-concebida.
E acredita que é à conta desta mania que até já descobri umas coisas.
Porque em História, nada se descobre se não se deixarem os aprioris em suspenso, olhando para os factos com os olhos mais limpos.
Depois, deixa-se a coisa para ser continuada. Sem pressas de grandes súmulas e leituras, porque esta é que é a grande mania hegeliana e foi do esquematismo hegeliano que mais espartilhos se propagaram para todos as ditas "cièncias socais".
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Olha, dou-te já um exemplo prático deste resultado.
No caso do liberalismo- eu estava a leste do que isso podia ser. Não tenho a menor formação teórica em economia e nunca li aquela malta toda dos Hayeks e coisas no género.
Mas, como este meu vício do pragmatismo e da curiosidade, pensei que nem valia a pena-.
Pelo seguinte- os políticos, o que haviam de aproveitar desses teóricos todos, também havia de ser uma mera súmula prática de grelha utilitária que a História e os tempos obrigam.
Então achei que podia ficar com umas luses, apenas à conta de aulinhas à borla no Blasfémias- sempre com o mero interesse de poder ver como politicamente aquelas coisas podiam ser traduzidas em práticas económicas, políticas e sociais.
E foi assim que um dia, à custa de uma dicas do Dragão e depois de eu própria já ter tido enúmeros debates com malta da bolsa da city londrina,m dei com o John Gray a dizer o que sozinha, sem ter lido nada daquilo, tinha conseguido formular.
ehehehe
E o que formulei, é básico- é a tal realidade dos factos que não é nunca prevista pelos teóricos e não se arruma nos livros.
Obviamente que é sempre preciso ter uma visão geral do pensamento- mas eu não vou mais longe que isso- gosto de tomar o pulso às configurações que se vão enunciando no mundo e que, muitas vezes, só ´seculos depois conseguem ser entendidas.
Mas, em directo, e com bom faro, tanto se entende a globalização como os dogmas evangélicos.
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luzes, com z, é uma vergonha como dou tantos erros e sei como se escrevem as palavras.
Outra coisa que não tem explicação, é dislexia como a do maradona.
":O)))
Beijocas
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Mas a História regista factos. E regista-os para além das metodologias e selecção dos historiadores.
E é por isso que o problema do avanço do conhecimento não pode ser um mero segurar de estandartes das capelinhas.
No meu caso, não fiz trabalho de especial mas posso ter a consciência tranquila que foi à custa de muita teimosia e de me recusar a retirar um capítulo inteiro da tese, que passados 10 anos, isso que eu escrevi, apenas com base em faro e em fontes factuais, ter sido reconhecido como novidade em Espanha e absoluta por cá.
E agora, citam-me o capítulo que devia ter ido para o lixo e que até na defesa de tese ainda deu tiroteio e troça.
E este é apenas um facto- há mais- todos eles bastando olhar para o que estava à frente e não ter a preocupação por aquilo sair das tais grelhas e sentidos já feitos e dados como verdade absoluta.
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E, o mais engraçado é que estas coisas factuais, não são tão secundárias como isso.
Por outro motivo- porque a própria leitura teórica já vem influenciada pelo que historicamente teve relevância-
E a relevância é sempre escolha à posteriori.
Tem piada, que detestando todo o positivismo filosófico e cientóino, no trabalho histórico ainda acho que é o mais humilde e mais válido.
Só que demora mais- não basta uma vida- é coisa para ser passada a outros e continuada de mão em mão.
Mas, ao contrário dessa visão da História como lenda, eu acho que as lendas, são história, precisamente por derivarem de fontes-.
As fontes é que são muita coisa- mas nem o factual é imprescindível se queremos dizer que isto foi assim ou assado- não há filosofia que substitua os factos.
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Zazie
Apenas tirei o comentário porque não me pareceu bem elaborado. Como ninguém tinha comentado até ao momento, achei que não trazia nada de novo para o assunto em discussão. Eventualmente voltaremos àquelas questões, sim. Quanto a organizações supervisoras, tanto quanto sei não há.
Vitor
A ideia aqui não é fazer uma contabilidade, um deve e haver (e porquê por logo em causa o relato bíblico?). Não julgo que seja difícil concluir, mesmo sem números, que houve muitos que beneficiaram com os milagres (sim, acredito nos milagres de Cristo) e com as Suas palavras, mas nos momentos difíceis (morte e início da Igreja) eram poucos. Aliás, o melhor exemplo é o episódio os dez leprosos (Lucas 17: 12 a 19). Quanto à intenção, mais ou menos pura, da pessoa que procura Deus, não acho que ela conte muito. O que conta é o que se descobre depois. E isso está para além da intenção da pessoa.
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Certíssimo, Zazie. Mas já me estou a perder um pouco na conversa LOL O meu ponto era mais do género: o facto de a faca não dar geito para comer sopa, não invalida a sua eficácia a cortar pão, e muito menos a profunda e profusa relação entre o pão e a sopa LOL Digamos que quase tudo é válido… até um certo ponto. O problema da separação histórica entre acontecimentos e ideias é ser mais analítico do que real; uma série factual (a 2ª Guerra, por exemplo Bonhoefferiano) é uma síntese complexa entre ambos, se quiseres. E claro que a História regista, e vive de registos outros. PS: googlando chega-se a uma entrevista do Schrader ao Bresson em filme no youtube, que eu ainda não vi e não fixei o link.
Pedro: “e porquê por logo em causa o relato bíblico?” Não percebi. A questão da factualidade do relato evangélico é posta de imediato pelas divergências nos próprios evangelhos, mesmo que nos fiquemos pelos sinópticos; dizer que os evangelhos não são crónica histórica nem relato jornalístico não é pô-los em causa, mas sim distingui-los na sua especificidade religiosa: tratam-se evidentemente de textos teológicos e catequéticos, e é sob esse prisma que se configuram os factos relatados. O resto do que dizes, assino por baixo; põem-me outras questões, que deixo para depois, senão ainda fico perdido também nesta conversa ;) A minha questão era os milagres significarem e agirem essencialidades cristãs (e por isso são sinais, mesmo ou sobretudo no seu conteúdo, isto é, não se limitam a confirmar poderes sobrenaturais, até porque isso também pode ser do demónio, como aliás é expresso nos textos bíblicos). Os milagres jesuânicos não são cenouras para burros: são sinais de si do próprio Deus, e são eminentemente significativos, tal como o é o "Sempre que deres um copo de água, visitares na prisão etc"
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Obrigada pela resposta, Pedro. Estou informada. Gosto assim, de pergunta directa e resposta directa, sem paranóias. ..........
Apenas para voltar ao Vitor que não entendeu o que eu queria dizer.
Eu também gosto muito de filosofia e até foi por aí que comecei. E nem conseguiria largar esse gosto por uma coisa que me parece até muito "secante" a mera História.
E acho bem pertinente a complementaridade.
Mas atenção- não subscrevo aquela boca do Artaud e, cada vez, me dou conta da tendência para a literatura histórico-filosófica, à conta de puras invenções.
Ou seja, quanto mais uma pessoa sabe de um assunto mais desbasta no acessório.
E há demasiado acessório em muitas leituras artísticas feitas por Filosofia da linguagem, por exemplo- inventam o que nunca existiu- são capazes de escrever livros sobre quadros com coisas inexistentes. E esta é uma velha tradição francesa.
Mas gosto muito do Georges Didi-Huberman, só para falar num recente, ainda que os grandes mestres continuem a ser os mesmos- Gombrich, Warburg; Wittkower, para os aspectos que mais me interessam.
Nesta questão do Bonhoeffer, a laucuna é minha- e apenas interpretei o que foi postado e intenção que achei que lhe estava subjacente.
E tu confirmas que a intenção e leitura nem tem nada a ver com o autor e depois tentas que eu perceba que a vida dele e os escritos dele estão ligados.
Mas eu nem falei disso- por o não conhecer e nunca poria isso em causa- o que eu disse é que o apanhado do Pedro já tinha séculos e o facto de tresler o Bonhoeffer deriva disso- da tal utilização prática que ultrapassa sempre os grandes teóricos.
E é óbvio que não pela vida dele e ligação à obra que tu chegas ao que foi o protestantismo na américa nem a nada que se aproxime destas apropriações que tendem a ser mais simples, esquemáticas e sempre mais próximas da tal dualidade religião/política (ideologia).
E nem precisa de o ser conscientemente- são as tais coisas que passam de geração em geração e vão ganhando "aclimatações" locais.
É a isto que chamo "verdade dos factos"- frase inventada e acho que baseada num filme inglês que gostei muito
":O)))))
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Gostei da explicação que a Zazie deu dos processos da História. Parece-me bem feita: “Há 2 maneiras distintas de se entender o "clima" de uma época. Uma delas pode pegar nos grandes teóricos e retirar o sentido para o aplicar à realidade. A outra, pode partir da realidade concreta a que diz respeito à actuação das pessoas e essas não são súmulas filosóficas e ver se existe correspondência entre teoria e prática.”
O Historicismo de raiz hegeliana tornou-se a base de todas as ciências humanas modernas, com uma visão linear e progressista da Historia – é curioso que o Cristianismo, já antes possuía uma visão linear, só que incluindo o transcendente. O determinismo materialista presume que, qualquer momento histórico é o resultado ritmos e padrões culturais e sociais, que uma vez identificados permitiriam descobrir leis evolutivas – o processo histórico, com se diz – e no fundo, prever o futuro. Daí os optimismos, depois defraudados, do século passado.
Pela escrita do Pulido Valente, tenho vindo a descobrir uma outra História, que se concentra nas pequenas historias de cada dia, na vivencia das pessoas, anónimas ou não, que em cada época reflectem um mundo cultural muito diverso. É o revisionismo de Richard Cobb, reinventor da narrativa histórica que influenciou VPV e outros como Simon Schama (referido por este no Poder e o Povo) que em 1991 publicou Dead Certainties, pondo em questão a factualidade histórica precisamente através dos diferentes relatos de um mesmo facto (a morte de um general inglês em 1759 no Quebec) e da ligação ficcional entre factos afastados no tempo (essa morte e um assassínio em 1849). A precisão da narrativa histórica fica de rastos, obriga-nos a dar muita atenção às perspectivas diferentes que a constroem e a reconhecer a incapacidade de chegar à verdade histórica completa. Não considero, mesmo assim, que toda a herança hegeliana seja lixo, se compreendida e relativizada.
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Olá Zazie, cbs
Sim, senhora, admite-se isso QUASE tudo; penso no entanto que a questão dos “factos” é um pouco mais complexa do que isso, como o CBS indica no seu comentário; e é até por isso que essas tuas intuições ideológicas e históricas são reais ;) e é verdade verdadinha que eu estou a milhas de tal dom: quando houve o primeiro Big Brother, eu, do alto da minha pequena lua, profetizei numa conversa, que muito pouca gente iria aderir a tal entretenimento; como se sabe, o que se seguiu, não tem deixado de confirmar esta minha brilhante profecia LOL
Quanto ao Artaud, não é filósofo nem historiador, e nunca pretendeu sê-lo; aqueles que confundem tais coisas, estragam-nas todas; complementaridade não é indiferenciação. Não sei de que tradição francesa falas, e também não conheço o Georges Didi-Huberman, o Gombrich nem o Warburg Wittkower; os únicos historiadores que tenho lido com atenção têm sido o Peter Brown e o Jean Delumeau, et pour cause; mas estou na 4ª classe da História ;) Tendo a pensar o que o CBS diz no último parágrafo do seu comentário, simplesmente porque o passado só nos é acessível através de sinais presentes: ruínas e consequências.
O Bonhoeffer, pois, é por aí; eu não sou ateu, mas não se põe Nietzsche e Dawkins no mesmo saco sem uma nota de rodapé maior que o saco.
bjocas, abraço
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Vitor Também ando numa de história, com o trabalho da av. de Berna. Dos gajos de que a Zazie fala só li o Gombrich que é um dos clássicos da História da Arte. Levei com ele na passagem pela arquitectura.
Mas se te posso sugerir algo, começava pelo Pulido Valente. Vejo-o como um historiador de valia universal, em que o azar dele é escrever sobre e neste cantinho do mundo. Fosse ele inglês e outro galo cantaria… o que mais me impressionou foi o seu único romance histórico, Gloria, que por acaso anda agora a dar celeuma com as editoras:
Depois, acho muito bem ler (eu nao os li, lol, mas tenciono) os revisionismos da revolução francesa de Richard Cobb e François Furet (este foi marxista antes) que julgo terem influenciado o VPV. Depois ainda, e sobretudo, Simon Schama, cujo clássico é Citizens que nao li, mas insisto em Dead Certainties (Unwarranted Speculations), brilhante. Não te posso emprestar que não é meu, mas é fácil de obter pela Amazon. Este gajo fez “A History of England” para a BBC, e não deixou que o titulo ficasse “A”, obrigou a que fosse “Uma” Historia da Inglaterra.
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eh pá muchas gracias, cbs, o Cobb e o Furet interessam-me pela temática e o Schama pela consciência histórica; o Pulido, eu já estava nessa ;)
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O cbs deixou aí um comentário muitíssimo bom.
Tem piada, porque ele apanhou o essencial do problema da historiografia que se ancorou nos grandes paradigmas deterministas.
Não se trata de Hegel, enquanto filósofo- trata-se de uma herança que passou a ser decalcada nas ditas ciências sociais. Há décadas que já o Gombrich apontava como o maior espartilho da historigrafia.
É é. No nosso caso até o é de modo duplamente pernicioso- ainda andamos a vender esse "estruturalismo" de correntes e ideias que nem precisam de datas ou factos. Toda a pedagogia do ministério (e note-se que eu nada tenho a ver com isso, apenas estou a par) obriga aos tais esquematismos onde se vão arrumando épocas, estilos, correntes, leis, tudo com um fim e uma explicação já dada.
É claro que isto pode servir para a História que já está feita. Mas, para a que está por fazer, o caso muda de figura.
E, como eu te disse, sem factos não existe nada. Pegar-se em belíssimas estruturas já feitas e encaixar nelas uma qualquer realidade pode original até boa literatura- não o nego- mas não produz História.
Por isso te digo que prefiro esse pequeno trabalho- desde monografias a outras coisas que acabaram, porque hoje em dia tudo quer ser vedeta em meia dúzia de anos. Prefiro aquele trabalho paciente e de estudos de formas, de comparações e catalogações, de pesquisas em arquivos, de fontes e mais fontes, antes de se inventar a grande teoria.
E, se não há tese para lhes dar um sentido, eu penso que não tem importância- um dia poderá haver.
Ainda tenho aquela ideia romântica de se trabalhar para uma disciplina- para um saber, e não para fulano ou sicrano. Servir a História ,servir o património e não haver preocupação em nos apagarmos a nós próprios.
Depois podem acontecer grandes satisfações, como já me sucedeu, ao pegar em estudos esquecidos desses pequenos nadas- de gente que já morreu- e encontrar lá uma indicação que me faltava para juntar a outro puzzle que entretanto se tinha formado. .......
Quanto ao tal diálogo com a Filosofia expliquei-me mal.
O que eu queria dizer é que a Filosofia e a História partem de metodologas absolutamente antagónicas- e, o seu valor depende mesmo dessa oposição.
Não existe Filosofia dos factos- a Filosofia implica mesmo a capacidade oposto- ver os factos do alto- e apanhar os sentidos e as ideias.
Já a História não pode partir de aplicação de ideias ou teorias, fugindo ao factual- pelo contrário, se o fizer está a "ilustrar" teorias, em rodapé- nem História está a fazer.
Daí que não me pareça fácil reversibilidades nestas práticas.
È como tudo- um bom encenador de teatro não tem que dar um bom cineasta e ou fotógrafo ainda menos.
Há linguagens que se completam melhor umas que as outras.
O erro é julgar o contrário- e pegar nessa boutade do Artaud (e noutras) acabando por fazer ainda pior- puro estruturalismo literário.
Beijocas
(atenção que eu estou sempre a pensar em áreas iconográficas e bem do passado. Não faço a menor ideia do que seja fazer História de Arte Contemporânea- e isso apenas quer dizer que é outro mundo que apenas sei viver estica e artisticamente. Mais nada.
Fazer falar as pedras e as tretas bem velhas é outra coisa e fazer falar o que nem existe- como objecto (porque já desapareceu) é o estado máximo que ninguém quer porque nem permite aqueles livros muito bonitos que toda as pessoas gostam de ter nas estantes. Mas, sem reconstituições históricas, os belos objectos acabam mortos nos museus e os que nem são belos, nos aterros do esquecimento.
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estética e outras gralhas- phónix, ist ode escrever com 10 dedos é o fim quando se muda de teclado.
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Citaste o trabalho do Delumeau. Ia jurar que foi à conta dele que tive a tal velha polémica com o Dragão.
O Delumeau é excelente e o seu estudo do medo também.
Mas há coisas que implicam grande fôlego e toda a gente se escapa a elas. Uma delas é precisamente essa- grandes balanços de longos períodos temporais com escassez de fontes.
Esses estudos têm de estar em aberto. Não podem ser entendidos como "a explicação".
Claro que, se em vez de um balanço histórico, tivermos um balanço filosófico- das tais ideias dos grandes filósofos, a sua aplicação à realidade é que geralmente é bluff.
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“Há linguagens que se completam melhor umas que as outras.” percebo, Zazie. Mas repara que complementar, não significa misturar, confundir ou sintetizar; significa que o que chamamos “realidade”, a totalidade das coisas, que ainda por cima nos engloba, constitui-se em inúmeras formas, algumas a-históricas; penso que um dos problemas do “hegelianismo” é a pretensão a uma síntese absoluta da “realidade”. ou seja, há complementações que nem sequer conseguimos ligar directamente, como a tese atómica da matéria e o meu uso espontâneo desta na realidade quotidiana. complementar por vezes não conduz a uma síntese; mas conduz certamente a uma consciência de que a “realidade” é mais ampla do que qualquer perspectiva em que nos ocorremos.
certa filosofia enfrenta conceptualmente o devir, a temporalidade; isto é, não trata apenas das categorias primeiras etc; por isso me parece problemático o termo “factos” excluir uma abordagem filosófica, que não será histórica claro.
“Fazer falar as pedras e as tretas bem velhas é outra coisa e fazer falar o que nem existe- como objecto (porque já desapareceu) é o estado máximo que ninguém quer porque nem permite aqueles livros muito bonitos que toda as pessoas gostam de ter nas estantes.” isto é tarefa de certos poetas; mas não tem nada que ver com boniteza, e muito menos com estantes LOL o Artaud foi uma disrupção, mas aproveito para dizer que é um destes, e dos maiores.
esse trabalho monográfico e concretista é historicamente espantoso; mesmo um pobre diabo que vai na 4ª classe consegue ver isso ;) parece-me que historicamente é mais relevante a descrição e conexões factuais do que uma tese geral sobre o sentido da História, claro; mas tal não anula esta enquanto tentativa filosófica, mesmo com ressacas hegelianas; e aqui parece-me que o diálogo História/Filosofia será sempre fecundo, quanto mais não seja na mútua limitação.
"Esses estudos têm de estar em aberto. Não podem ser entendidos como "a explicação"." Claro.
"Claro que, se em vez de um balanço histórico, tivermos um balanço filosófico- das tais ideias dos grandes filósofos, a sua aplicação à realidade é que geralmente é bluff." Não percebi bem esta. Eu penso que até o Hegel, desde que se aplique a certos aspectos da História, é válido; o perigo é similar ao de "a explicação": não se pode aplicar à "totalidade do real"; manter-se aqui a abertura também...
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Vítor, Já nem estava no Artaud- ia mais no estruturalismo pós hegeliano.
Quanto aos objectos inexistentes é um dos maiores problemas.
Competirá à História da Arte fazer levantamentos e reconstituições do que já nem existe?
A verdade, é que os historiadores também o não fazem- daí esses terrenos vagos que tanta falta fazem para se entender muita coisa.
E até outra- evitar mais restauros catastróficos ou entenderem-se mentalidades que passam ao lado.
Tu estás a falar noutra coisa e nisso concordo em absoluto- que a vida, a História, as sociedades,a cultura e tudo o resto só se entende se deitarmos mão aos mais variados saberes.
Obviamente. Mas isto não é fazer história-filosófica, por exemplo.
E aí é que me dou conta de um vício tremendo.
Por exemplo percebe-se melhor. Quem vem da área de filosofia é capaz de traçar encandeados filosóficos com grande facilidade. O Nietzsche até o fez, e de forma bem pertinente.
Mas há que ter atenção com a aplicação prática desses encadeados das grandes tendências filosóficas ou até das grandes correntes religiosas.
Porque, se o não tens, acaba-se a explicar os tempos bizantinos pelo S. Paulo; ou a Idade Média pela Cidade de Deus, ou a herança cartesiana da França, ou coisas ainda mais malucas.
Religiosamente até costuma ser dos vícios mais propagados- temos a Europa dos místicos, a ser substituída pela Europa escolástica e depois a Europa experimentalista da Renascença e mais não sei o quê- tudo a marchar a compasso, tudo feito síntese retirada de duas ou 3 obras célebres. .........
A boca do Artaud conheço-a com muitas variantes- uma delas até costuma ser a da impossibilidade da História ter alguma objectividade, já que acaba por se tornar mais uma narrativa.
Daí a ser ficção e pura literatura, vai um passo.
E, o que tem piada, é que o pressuposto até tinha outro sentido- precisamente por existir sempre leitura e contexto histórico ou metodologia de trabalho é que esse trabalho ainda deve dar mais importância às fontes e não as meter debaixo do tapete.
História não é jornalismo e muito menos devia ser fabricação de opinião para estar ao serviço do que quer que seja.
Prefiro os velhos catálogos com fontes da razão morta, a demasiada fulanização e relevância da personalidade do historiador.
A personalidade existe mas o rigor é dogma que nunca deve ser transposto por muito que se tenha uma "boa história". Ou então- apresentá-la como isso mesmo- uma possibilidade- mais nada. Com todas as outras variantes que também poderia ter.
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Quanto ao Hegel, vou ser clara- é a maior praga que se podia ter herdado.
Ainda se anda com o determinismo hegeliano a arrumar o "espírito do tempo" nos cacifos.
O Gombrich dizia isto há séculos. O Didi Hubermann até vai mais longe- já fala na necessidade de estilhaçar tudo.
O problema é sempre outro- apenas com factos não tens entendimento civilizacional.
Olha, há um pequeno texto do Gombrich que fala disto de forma magistral: "Para uma História Cultural". É uma velha palestra que depois foi passada a escrito e até foi publicada pela Gradiva em 94.
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o da 4ª classe agradece as últimas indicações bibliográficas :) PS: porventura; mas a investigação da negatividade na dialéctica hegeliana é preciosa quando se enfrentam certos problemas da vida, do devir, da existência, mesmo que seja para mandar às malvas; acompanhar uma tentativa honesta e apurada, mesmo que repleta de problemas e fracassos, é sempre enriquecedor; quem se pensa e toma como "resolutivo acabado", é que meu deus...; como acontece geralmente nestas coisas, e para dizê-lo de modo curto-circuito: o problema não são os textos de Hegel, mas a maioria dos "hegelianos"; raramente o morto é responsável pela herança ;) PS 2: não se deve confundir a consciência de que a História é um registo sequencial a partir de ruínas e consequências, e com os seus diversos modos especulativos e hipotéticos, com o trabalho ficcional e poético; mas também não se deve confundir tal relato com um acesso total e completo ao passado; e muito menos com um acesso neutro; os prefácios do Delumeau são nesse sentido muito esclarecedores; o facto de ser sempre “uma história” não significa aleatoriedade selectiva, especulativa ou imaginativa, caramba PS 3: não conheço o estruturalismo histórico, mas o antropológico e linguístico tem pretensões de totalidade epistemológica assustadoras; mas claro que se aplica ao Lévi-Strauss o que acima se aplicou ao Hegel ;) PS 4: o Jean Tardieu, conheces? Comprei uma cena dele acerca da Igreja e escravatura no Peru, séc. XVI/XVII que me atraiu bastante, assim muito monográfico e com montes de documentos da época. PS 5: bom fim-de-semana!
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"o problema não são os textos de Hegel, mas a maioria dos "hegelianos"; raramente o morto é responsável pela herança" pois também vou por aí. embora reconhecendo as consequencias negativas (tudo, incluindo o cristianismo é assim) também não consigo deixar de admirar o Hegel. Ele ainda falava de um Espirito Universal. E por outro lado, não posso deixar de dar importancia aquilo que ele vê como uma "estrutura" do real, e aceitar que a gestão desses recursos estruturais tem relevancia e consequencia historica. E mesmo achando um erro o determinismo, compreendo o paralelismo com o principio da causalidade nas ciencias fisicas (hoje tambem com alguns abalos, teoria do caos, etc.); o homem não podia imaginar o que iam fazer com o seu corpo teórico. Como também se pode dizer o mesmo do que fizeram com o Nietzche (só que eu aí responsabilizo mais o filosofo... quiçá erradamente, mas é uma questão intima, que não tenho com o Hegel ;)
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Não conheço o Tardieu, não.
Também não estava a falar de estruturalismo no seu sentido correcto e muito menos de Hegel enquanto filósofo (que não gosto).
É esta mania que tenho de usar nomes que servem para explicar outros derivados (e até gosto muitíssimo do estruturalismo do Levy-Strauss).
Para resumir, e nem precisar de ir às derivações marxistas das leis da História; da infraestrutura económica e da "super-estrutura" cultural, bastava dizer-te que tens isso tudo ainda a funcionar em qualquer programa do Ministério.
São essas grelhas sem factos, sem nomes, sem datas, capazes de se identificarem a leis, que depois levam às famosas programações onde tudo é explicado como podia ser a lei da gravidade ou a eterna gravitação dos corpos celestes.
E é óbvio que o mal não se ficou pelos pedagogos- continua noutras versões mais portáteis. As derivações fatais são as que redundam nos "críticos" e nos grandes "comissários".
Esta é a maior doença das ditas ciências sociais e na historiografia causou danos de tal ordem que "modernos e refrescantes" ainda podem ser aqueles malucos pioneiros do século XIX que dedicavam uma vida a encontrar paralelos estilísticos (no caso das artes) ou a fazerem catalogações à Migne, ou à Viollet-le-Duc.
Beijocas e bom-fim-de-semana para todos.
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Dou-te um exemplo que, para mim, é o limite disso tudo.
Aqui há tempo tive conhecimento de uma tese de doutoramento que versava a obra da Helena Almeida.
Pois bem, garantiram-me que tinha leituras perfeitamente inovadoras e uma tese do mesmo teor.
Apenas tinha acontecido um pequeno "senão". A artista recusou qualquer entrevista, alegando meras questões pessoais.
(e está no seu direito; o problema é o resto). E nisto sou muito básica- assim, antes com eles mortos há séculos ou sem se saber quem foi o autor.
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Mas há que entender que eu não estava a falar de Filosofia. Estava a falar do diálogo que costuma ser surdo quando alguém de Filosofia se mete a fazer balanços históricos.
O inverso então nem vale a pena. Têm o exemplo das gigantescas calinadas do Georges Minois na primeira parte da História do Ateísmo- por pura e simplesmente nem ter a menor noção das questões básicas da formulação do "arché" na filosofia pré-socrática.
E o Nieztsche tem uma obra bem pertinente na Origem da Tragédia, mas nada daquilo é retrato da "Grécia", por exemplo.
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um dos argumentos mais usados plo Tentador, julgo ser esse; a necessidade da boca, justifica sempre tudo..