domingo, junho 14, 2009 |
Da Imaculada Conceição |
Em conformidade com a teologia de São Paulo exposta na Carta aos Colossenses sobre o primado absoluto de Cristo “por meio do qual e para o qual tudo foi feito” (Col 1,16) e em virtude do principio da vontade divina, soberanamente racional e ordenada, Duns Escoto argumenta deste modo: se Cristo, o filho de Deus feito homem, ocupa o primeiro lugar na hierarquia dos seres criados antes de toda a criatura, portanto, antes de Adão e Eva, por cuja desobediência o pecado entrou no mundo, certamente Maria a sua Mãe, lhe está intimamente unida e subordinada, pois sem ela não poderia ter assumido a natureza humana. Escoto infere daqui que a predestinação absoluta de Cristo, exaltada por São Paulo, depõe, por si só, a favor da exclusão de Maria da herança do pecado original. Isto na linha de direito ou de principio.
De facto, foi predestinada desde toda a eternidade para ser mãe de Cristo, ou seja, para dar forma corporal ou física a Jesus, por obra do Espírito Santo, sem intervenção de homem algum. Nesta perspectiva, a sua existência precede intencionalmente a existência de Adão e de Eva. Na ordem concreta, biológica e histórica, por ter sido escolhida previamente para ser Mãe do Filho de Deus, Maria foi por ele preservada, como que imunizada contra o pecado original, por uma forma de redenção de carácter único e excepcional, que Escoto e os teólogos franciscanos designam de preservativa. A redenção de Cristo aplicada a Maria funciona como factor inibitório, tornando-a imune a qualquer pecado. É evidente que a redenção preservativa assim entendida é mais perfeita do que a redenção que liberta do pecado anteriormente contraído. É também esta a forma mais perfeita do ponto de vista do Mediador que a concede e a mais digna da pessoa que a recebe, pois é mais perfeito ser preservado de cair em pecado do que ser libertado depois de nele ter incorrido. A redenção de Maria, operada por Jesus em vista dos seus méritos, é uma redenção preservativa, operada de modo singular e único por um Mediador perfeitíssimo, porque o Filho de Deus redime sempre de modo perfeito na medida em que a criatura o permite. Escolhendo o modo mais adequado à dignidade de Maria, por sua vez escolhida de antemão para ser Mãe de Cristo, Filho de Deus, esta redenção é também adequada à omnipotência de Deus, preservando sua Mãe de toda a mácula desde o momento da concepção. A doutrina da santificação ou redenção de Maria posterior à concepção, admitida pela generalidade dos teólogos antes de Duns Escoto não convence, na medida em que repugna à razão supor que a Mãe de Jesus Cristo, vencedor do pecado e da morte, possa ter estado, ainda que por alguns instantes apenas, sob o poder de Satanás. A Virgem Maria como Mãe de Jesus Cristo, Filho de Deus, porque lhe anda intimamente associada, partilha de algum modo do primado absoluto de Cristo, que torna os dois simultaneamente queridos e predestinados antes, isto é, independentemente da queda de Adão. É esta também uma das razoes pela qual Duns Escoto considera incompatível com a Sagrada Escritura a atribuição da Encarmnação do Verbo ao pecado de Adão. Não há proporção entre a causa (ocasional = pecado de Adão) e o efeito (= a superabundncia da redenção) na opinião do Doutor Subtil, por isso Cristo encarnaria mesmo que Adão não pecasse, para revelar aos homens o imenso Amor que Deus nos tem e para a Ele regressarmos, em conhecimento e amor, com tudo quanto nos foi dado: quem quer ordenadamente, primeiro quer o fim e imediatamente as coisas mais próximas do fim… Portanto antes de qualquer mérito ou demérito Deus previu que Cristo lhe havia de estar unido em unidade de pessoa. O rigor lógico da argumentação produzida por Duns Escoto merece a sua reprodução integral: Se a queda de Adão fosse a razão da predestinação de Cristo, seguir-se-ia que a obra prima de Deus – o summum opus Dei – seria totalmente ocasional porque a gloria de todos os demais seres não é tão grande, intencionalmente falando, como a de Cristo; e parece muito pouco racional (irracional) que Deus tivesse omitido uma obra tão importante (tantum opus) por uma boa acção de Adão, se ele por acaso não tivesse pecado. E Duns Escoto continua: Deus ama-se, em primeiro lugar, a Si mesmo; em segundo lugar, ama-se a Si mesmo, amando os outros seres, e este é um amor casto; em terceiro lugar, quer ser amado por Aquele que pode amá-Lo em grau sumo, referindo-se a um amor que está fora de si mesmo; e em quarto lugar, prevê a união dessa natureza que deve amá-Lo em sumo grau mesmo que ninguém tenha caído. (Reportatio Parisiensis III).
O pensamento de Duns Escoto sobre o problema da Imaculada Conceição impressiona pela extraordinária coerência de todas as verdades reveladas nele contidas, designadamente os mistérios da Encarnação e da Salvação. Escrevendo em 1302 contra a maior parte dos doutores e místicos, num tempo em que a Igreja ainda não tinha definido a sua posição, lembrado certamente da regra de pensamento de Guilherme de Ware, seu mestre em Oxford, que se impusera – quando se trata do poder de Deus e da gloria da Virgem Maria, se tiver que me enganar, que seja por excesso e não por defeito (Com. In Sent., L. III q. 25) – apresenta a sua opinião como uma forte probabilidade, sujeita no entanto, ao veredicto final da Igreja e da Escritura – si autoritati Ecclesiae vel autoritati Scripturae non repugnet, videtur probabile quod excelentius est tribuere Mariae (Ox. III d. 3 q. 1)
Manuel Barbosa da Costa Freitas por cbs |
posted by @ 4:07 da tarde |
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10 Comments: |
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Tás-te a esticar nas ilustraçõs fotográficas, tás.
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a heresia do Godard. coloca questões interessantes. se não viste devias ver. gostava de saber a tua opinião :)
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aliás... deviamos pedir ao Tiago, passar o filme, numa sessão daquelas ao sabado ;)
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Ora se o salário do pecado é a morte e a mãe de Yeohushua (Cristo) morreu (até Cristo morreu) significa que tinha no seu corpo mortal o estigma da morte devido ao pecado (chamado de original).
Até Yaohushua foi ( 2 Cor 5, 21) «Aquele que não havia conhecido o pecado, Deus o fez pecado por nós, para que nos tornássemos, nele, justiça de Deus.»
Enfim há quem diga que o copo está meio-cheio e há quem diga que está meio vazio. Está claro que há interesses em jogo e esses interesses podem ser de origem económica. Vejamos o caso de Fátima e outros lugares similares de culto dito «mariano». Ninguém pode servir a 2 senhores (Mateus 6,24 e Lucas 16,13)
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olha, ó Manel, essa de servir a Deus e a Mammon é uma que podes guardar paras as conferências neocons dos cristões evangélicos.
É mesmo aí que tem toda a pertinência a citação.
Mas eles passam a vida com a passagem dos perfumes entornados que foi um desperdício capitalista.
É mesmo a única passagem do Novo Testamento que me lembro de os ver citar. De resto é só a brincadeira do Abraão e mais as cenas macacas dos genocídios dos povos eleitos.
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Duns Escoto vs. Paulo. Paulo, na carta aos Romanos, no capítulo 3, afirma que "não há um justo sequer" e que "todos pecaram". A eventual, por poder não ser incluído no grupo, excepção é Jesus Cristo. Eu, como já deves estar à espera, vou por Paulo.
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Caro Pedro No primeiro paragrafo: "Escoto infere daqui - o primado absoluto de Cristo “por meio do qual e para o qual tudo foi feito” (Col 1,16) - que a predestinação absoluta de Cristo exaltada por São Paulo, depõe, por si só, a favor da exclusão de Maria da herança do pecado original.
Eu estou só a transcrever, se bem que adiro à doutrina da Imaculada Conceição, como sabes (acho ridículo ir buscar Fátima para o assunto) mas apetece-me dizer, com todo o respeito, que S. Paulo era só um gajo porreiro, não mais que isso… foi exactamente o que um de vós me disse sobre Maria. Quero com isto dizer que, apesar do Catolicismo se prostrar ante a Verdade revelada plo Verbo de Deus, existem, parece-me, uma ou duas questões de fundo entre nós.
A primeira é na hermenêutica do texto bíblico; parece que vocês de vez em quando se afunilam no texto, com tal rigidez que não permite discussões. Em particular no que toca a S. Paulo… há contradiçoes formais nos textos, se são ou não aparentes é outra conversa. A segunda é de ordem teológica; não parece que aceitem de bom grado as inferências lógicas, que a longa tradição católica escolastica assume com boa. Para vós, se não tá no texto, não vale nada. Eu pelo contrário, vejo nos teólogos católicos, o brilho do tal casamento entre a Fé e a Razão que o resto da Filosofia moderna quis separar. O que surge em Escoto é uma visão ampla e mais compreensiva dos dogmas, com a qual ele ultrapassa as objecções que se lhe interpõem. Assumindo as objecções, como no dogma da universalidade da Redenção, ou como no da excelência de Cristo Mediador (esta tão cara aos evangélicos) ele não diminue os dogmas, mas eleva o raciocínio mais alto, não se fica pelo texto, infere algo que já estava lá, mas nós ainda não víamos claro.
Admito que a minha simpatia por ele, seja o fruto de puxar a brasa de Maria, mas ao menos ele, Escoto, fundamenta-se bem.
toma lá abraço escotista, lol
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Escreveste "preservativa" num texto sobre a concepção. Em que ficamos, afinal? :)
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Ó Manel, afinal é "Yeohushua" ou "Yaohushua"? (partindo do pressuposto que tem dificuldade em escrever "Jesus")
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deu-me gozo escrever "preservativa", como deves imaginar. Mas é assim mesmo que se diz. Pois nem tudo é látex nesta vida :)
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Tás-te a esticar nas ilustraçõs fotográficas, tás.