segunda-feira, janeiro 19, 2009
'Todas as coisas concorrem para o bem dos que amam a Deus'. Até o mal.
Para ser franco, sempre me turvou a problemática do mal. Não tanto o porquê da existência dele entre nós e da relação que o Criador de tudo tem com o maligno, mas a polémica que tanto no teólogo competente como no laico humilde desponta:

'Eu sou o Senhor, e não há outro. Eu formo a luz, e crio as trevas; eu faço a paz, e crio o mal; eu sou o Senhor, que faço todas estas coisas. Destilai vós, céus, dessas alturas a justiça, e chovam-na as nuvens; abra-se a terra, e produza a Salvação e ao mesmo tempo faça nascer a Justiça; eu, o Senhor, as criei: Ai daquele que contende com o seu Criador! o caco entre outros cacos de barro! Porventura dirá o barro ao que o formou: Que fazes?' (Isaías 45:6-9).

Imagino que a confusão jaz no erro de se pensar que mal sinonima o pecado, mas tal não se verifica. Ou melhor; não quando é o Senhor que o autora: Ele nada e ninguém deseja, por não ter carências, logo não cobiça; nem furta Ele coisa alguma, se tudo Lhe pertence, incluindo a vida humana - logo, e pela mesma razão, nunca se pode julgar como assassino o Senhor que genocidou os inimigos de Israel. Contudo, e partindo do mesmo equívoco, normalmente se insurgem as falácias ateias, basiladas no seguinte silogismo:

a) O Criador é omnibenevolente;
b) Existe, entre a criação, o mal;
c) Logo, não existe Deus.

Para a qual, erroneamente, se faz a seguinte apologia teísta:

a) O Criador é omnibenevolente;
b) Existe, entre a criação, o mal;
c) Logo, Deus não criou o mal.

Ambos partem de pressuposições abíblicas, não ponderando o seguinte:

a) O Criador é omnibenevolente;
b) Existe, entre a criação, o mal;
c) Logo, Deus tem um propósito no mal.

Qual o propósito? Um dos textos que dialoga com o anterior é o de Romanos 9, em que o apóstolo Paulo lembra o porquê de Deus, por vezes, fazer bem ao homem íniquio aos Seus olhos, e o mal a todo o homem santo até, que é feito bom segundo a Sua graça. No entanto, é para o bem dos Seus vasos da misericórdia que tudo o que acontece, acontece; e é para o mal dos vasos da ira que tudo quanto passa, passa:

'Diz a Escritura a Faraó: "Para isto mesmo te levantei: para em ti mostrar o Meu poder, e para que seja anunciado o Meu nome em toda a terra". Portanto, tem misericórdia de quem quer, e a quem quer endurece. Dir-me-ás então. Por que se queixa Ele ainda? Pois, quem resiste à Sua vontade? Mas, ó homem, quem és tu, que a Deus replicas? Porventura a coisa formada dirá ao que a formou: Por que me fizeste assim? Ou não tem o oleiro poder sobre o barro, para da mesma massa fazer um vaso para uso honroso e outro para uso desonroso? E que direis, se Deus, querendo mostrar a Sua ira, e dar a conhecer o Seu poder, suportou com muita paciência os vasos da ira, preparados para a perdição; para que também desse a conhecer as riquezas da Sua glória nos vasos de misericórdia, que de antemão preparou para a glória, os quais somos nós, a quem também chamou, não só dentre os judeus, mas também dentre os gentios?' (Romanos 9:17-24)

O Senhor, meu irmãos, tem uma agenda eterna: será glorificado por todos os homens - por uns, como Salvador misericordioso; por outros, como Condenador justo. A Cruz, apenas, decide quem.

A benignidade e/ou a malignidade do presidente Bush concorre para o bem dos filhos de Deus, e servem a glória de Quem criou a Lei que os define, não sendo assenhorado nem por ela, mas sendo o Soberano sobre tudo, pois de tudo é o Senhor o autor.

Nuno Fonseca
posted by @ 9:14 da tarde  
3 Comments:
  • At 20 de janeiro de 2009 às 12:39, Blogger Vítor Mácula said…

    Olá, Nuno

    Uma nota de rodapé, por ventura não para ti nem para trentistas ou (…), mas para algum incauto que por aqui passe. O acrescento do mano Aurélio “até o pecado” não é dado nem como equivalência pecado-mal, nem muito menos como aceitação crística do pecado. No fundo, trata-se dum raciocínio prático eivado duma consciência da sabedoria real e concreta com que Deus conduz os seus filhos a si: o pecado é um desvio ou separação do sujeito com Deus, não é uma categoria ética (embora, evidentemente, tenha profundas relações com as distinções éticas) nem ontológica (o tempo, a doença, a morte, embora evidentemente etc “introduziu a morte”). O que o mano Aurélio aponta, descreve e narra com muita força, é que o salto da conversão não se dá a partir de nada: dá-se a partir dos nossos afastamentos; assim Deus conduziu-o, sem que ele tivesse consciência clara de tal, através do maniqueísmo, de Cícero, da sua mãe Mónica, etc ao reconhecimento e entrega a Cristo. É o próprio amor obscuro por Deus que constitui também o cadinho da acção do próprio Deus em nós.

    salud

     
  • At 20 de janeiro de 2009 às 13:04, Blogger Nuno Fonseca said…

    Caro Vítor,

    A chamada de atenção para a distinção entre o pecado e o mal não foi em relação ao teu comentário, e muito menos à citação de Sto Agostinho - mas sim porque se trata dum erro recorrente. Apenas veio na sequência desse post anterior, que me recordou não só da instrumentalidade do pecado, mas a do mal.

    O Aurélio - como lhe chamas - é o meu católico reformado/calvinista preferido.

    §

    SOLI DEO GLORIA

     
  • At 20 de janeiro de 2009 às 13:29, Blogger Vítor Mácula said…

    sim, eu presumi isso, daí ter começado por dizer que a nota era de rodapé ;)

    Aurélio é uma forma humorada de afecto, respeito e proximidade, análogo à amizade (é o nome próprio do homem, caramba :) os seus textos são escritos com a alma e corpo, vida e pensamento, alegria e terror, etc exprimindo a integralidade existencial que está em jogo no cristianismo, e mantêm também sempre um diálogo com Deus, subjacente ou directamente enunciado, o que faz deles um símile raríssimo de “estar a falar com alguém”. não há muitos assim (exceptuando a Bíblia, evidentemente ;) há um enorme eco do Agostinho no Lutero, claro, não apenas nas temáticas mas também no estilo.

    e pois, terei um dia de ler Calvino com atenção.

     
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