segunda-feira, janeiro 05, 2009
Subversão da família?
O último artigo de Frei Bento Domingues, no Público do dia 28 de Dezembro passado, intitulado “Subversão da família?”, cita-nos as palavras que o Novo Testamento põe na boca de Jesus sobre o papel da família.
Este artigo parece-me ser, numa primeira vista, o contraponto às últimas tomadas de posição do Papa Bento XVI sobre a homossexualidade e a família cristã.
(…)
É claro, para qualquer um, que o mundo acabaria se todos fossemos homossexuais – a tal visão ecológica de que o Papa fala – mas também é claro que Jesus propalava, como Frei Bento escreveu, que aprendêssemos a fazer família com quem não é da família, abrindo assim, o espaço a todo o género de uniões desde que baseadas no amor.
A revolução cultural e religiosa que Jesus trouxe no seu tempo não pode ser hoje posta em causa pela “própria” igreja, sob pena de esta se transformar numa seita de “iluminados”.
(…)
A abolição do celibato obrigatório dos padres e a possibilidade do sacerdócio das mulheres são apenas alguns passos que considero imprescindíveis para tal evolução.
Quanto á homossexualidade preferia que o Papa pusesse mais ênfase na necessidade de os governos ajudarem, de facto, as famílias heterossexuais na sua nobre missão de criarem novas vidas, deixando aqueles que não sentem esse chamamento em paz com a sua consciência. Porque, parafraseando Frei Bento, sagrada é a condição humana seja ela de quem for!

José Carlos Palha, na secção Cartas ao Director, Público de 3-01-2009

Parece-me interessante comentar este comentário ao artigo do frei Bento, ele próprio comentário ao Papa.
Passando sobre as questões do “celibato dos sacerdotes” e do “sacerdócio das mulheres”, que julgo menores, não essenciais e apenas fruto da moda - sobre as quais a minha opinião é simples, quem não quer que não participe – prefiro focar outras questões referidas pelo leitor do Público, que creio mais ou menos generalizadas entre católicos:

Começando pelo fim, quando se diz que “a condição humana é sagrada, seja ela de quem for”, é verdade, mas falamos em abstracto. Não é menos verdade, que é pela aceitação de Deus, e pelo comportamento quotidiano depois, que sacralizamos ou profanamos a vida humana. Não é tudo igual ao litro…

Quanto à questão de uma igreja mais fechada numa “seita de iluminados”, ou mais aberta e concordante com a revolução que Jesus trouxe, temos de concluir que a resposta está num meio-termo, aliás, difícil de afinar ao longo dos séculos. Radica aí a questão fundamental do Vaticano II, ou seja, como manter o carácter fundamental e constante da mensagem de Cristo, adaptando-o à linguagem variável de cada tempo, para que seja ouvida. Não é fácil; fácil é subvertê-la com facilitismo… ser cristão é mesmo coisa de “iluminados”!

Finalmente, a questão da homossexualidade.
Para começar, não me parece feliz a imagem ecológica dada por Bento XVI.
É para mim, ponto assente que a Natureza compõe sistemas interactivos maravilhosamente equilibrados, mas cruéis e nessa perspectiva, desumanos. É claro também, que interacção entre o Homem e a Natureza descalibra o planeta. Mas pode melhorar ou pode piorar o Bioma, como tudo o que vêm dos humanos. Aí que entram os valores éticos; é aí também que volto para Deus, como a única fonte valor verdadeiramente humanizante. O resto é andar á toa…
Portanto, os valores cristãos não são necessariamente ecológicos, são mais do que isso, ou o leão nunca conviverá com o cordeiro.

Volto pois ao mesmo, a condenação da homossexualidade é mal suportada na ecologia dos comportamentos, mesmo na procriação – um homossexual pode procriar, aliás, muita homossexualidade não é exclusiva; a condenação desse comportamento pela Igreja católica é, e apenas deve, ser ética.
O que não impede a toda a compreensão, para com os que honestamente assim se sentem. Mas por amor ao próximo. Isso é outra coisa… chamamos compaixão.
Já agora, convinha também distinguir que, quando cristãmente falamos em “abrir espaço a todo o género de uniões desde que baseadas no amor”, a todo o tipo de famílias diferentes do modelo clássico (pai, mãe, filhos), não estamos a falar em relações sexuais. Temos que distinguir, a expressão sexual é uma expressão do amor humano, mas de modo algum a única… senão, ainda acabava na cama com a minha avó.
cbs com votos de um 2009 de Amor
posted by @ 12:16 da manhã  
11 Comments:
  • At 5 de janeiro de 2009 às 13:11, Blogger Vítor Mácula said…

    Olá, cbs

    1. O celibato dos padres só é menor para quem não é padre LOL Quanto ao “quem não gosta não come” é disparatado (hábitos do orgulho romano :). A questão que se põe é: a vocação para o sacerdócio exclui a vocação procriativa? Não. Trata-se duma questão disciplinar, e aí deve ou não ser discutida por quem come e não come.

    2. Relativamente ao sacerdócio das mulheres, também me parece que o tratar-se ou não duma moda, não anula a questão: no “alter Christus” do sacerdócio ordenado, há um problema de cristologia. A justificação da exclusividade deve-se ao facto de Cristo ter sido um homem (e temos aqui um elemento de remissão para a antropologia que exclui a homossexualidade da adequada execução da natureza humana, mas não só…) Passa-se que a consagração das espécies, a absolvição, etc, não são representações teatrais, mas actos do Deus vivo. Isto é, Deus age real e efectivamente aí. Pretender que essa acção e habitação do divino no cristão é limitada pelo género sexual (ou étnico, ou outra qualquer diferenciação da humanidade jesuânica) implica que não haja uma plenitude de cristificação na mulher (para o caso...) Era aliás essa a posição coerente de alguns Padres da Igreja, que consideravam que a mulher não podia exponenciar na plenitude a “imago dei”.

    3. Não me parece que a questão ecológica da homossexualidade em Ratzinger se reduza a um utilitarismo da espécie, até porque não está em jogo na humanidade sermos todos homossexuais ou não-procriativos como tantos de nós o somos. Suspeito que se trata também e sobretudo da mui famosa natureza humana em adequação com a verdade de si: masculino para o Homem e feminino para a Mulher. Ou seja, não tem que ver com uma medição dos resultados práticos, mas com uma petição de princípio que cinde o masculino e o feminino em homem e mulher, e que a sexualidade é expressão e acto de tal encontro unitivo, em que se dá a plenitude do género humano, e em que também cabe a possibilidade esplendorosa da procriação. Ratzinger pretende que esta antropologia fundamental, ranhosamente aqui esboçada, é universal e determinante da "natureza humana", e daí o termo "ecologia": proteger-se da desumanização tal como da desflorestação LOL



    abraço

     
  • At 5 de janeiro de 2009 às 19:42, Blogger Pedro Leal said…

    Na verdade, quando se dá “espaço a todo o género de uniões desde que baseadas no amor” parece-me que se está a voltar à ideologia do pecado – seguir, como prioridade, os instintos e os desejos. O amor, estrategicamente indefinido, surge apenas como carimbo politicamente correcto. A questão é que, aos olhos de Deus, até o amor tem regras – porque seria ele a excepção, porque ficaria ele isento de regulação divina? E a primeira regra, ainda antes de “amarmos o próximo como a nós mesmos”, é “amarmos a Deus acima de todas as coisas”.

     
  • At 6 de janeiro de 2009 às 00:19, Blogger Nuno Fonseca said…

    Mais do que as inconsistências racionais e as provas empíricas que demonstram o erro da homossexualidade, a Escritura é axiomática nas suas pressuposições: 'Assim está escrito'. Só isto - e até excluindo que as consciências humanas são universalmente culpadas pelo Espírito Santo - chega para o descrente inexcusável.

    Como sabemos que Deus não faz distinção de homens na eleição, devemos evangelizar o homossexual e orar pela sua salvação - e amá-lo em mistério, esperançando que aquele pecador seja um eterno amado do Cristo, predestinado ao arrependimento e fé.

    §

    Prompte et sincere in opera Domini

     
  • At 6 de janeiro de 2009 às 21:28, Blogger maria said…

    Nos Evangelhos não encontramos Jesus atormentado com a vida sexual de ninguém. Empenhado, sim, em dignificar e curar todos os necessitados.
    Dois mil anos depois, os seus seguidores vivem obcecados pela pureza do sexo. Como se fosse a única coisa que macula o homem.

    Hoje um homem suicidou-se por causa do dinheiro. Isto não nos diz nada?

     
  • At 6 de janeiro de 2009 às 21:33, Blogger maria said…

    Vítor, mano

    Um beijo grande e os melhores votos para ti e para quem amas.

    Gostei muito de ler o teu comentário.
    E só acrescento isto: se os católicos amam os padres que os servem, nenhum tema sobre os mesmos lhes pode ser indiferente. A menos que pretendamos ser meros consumidores de religião.

     
  • At 7 de janeiro de 2009 às 18:09, Blogger Nuno Fonseca said…

    Embora seja lamentável a centralização do pecado sexual no do homossexual por certos cristãos, não deixa de ser ortodoxa a sua preocupação.

    Cristo estava, sim, preocupado em curar os leprosos, os enfermos, as prostitutas e os criminosos que todos somos, mas nunca com tolerância pelo pecado do qual veio salvar o Seu povo.

    E há poder no sangue de Cristo para justificar o mais negro dos pecados. Há esperança para o sodomita arrependido.

    §

    SOLUS CHRISTUS

     
  • At 10 de janeiro de 2009 às 15:05, Blogger cbs said…

    Olá a todos, desculpem o atraso

    Caro Vítor
    Talvez seja um completo disparate, mas nas primeiras duas, coincido de facto com o Papa.
    Na minha humilde opinião, disparatado é um gajo ir para sacerdote católico e em seguida ficar chateado por não se poder casar. Por um lado é um dado adquirido e por outro existem mais formas de se exercer a vocação, diácono, por exemplo.
    Nisto e na questão das mulheres-sacerdotes, lamento, mas entendo que sou eu que me tenho que adaptar à instituição e não a instituição que deve mudar por causa do meu ponto de vista pessoal.
    E repito, também com o Papa, que não creio que estes pormenores alterem substancialmente o essencial da missão: passar a mensagem de Cristo. Como aliás, se pode provar com os protestantes, não é por casarem que a evangelização lhes é mais fácil.

    Quanto à ecologia, admito que tenhas razão e a palavra expresse apenas uma metáfora antropológico-filosófica do termo científico. Mas talvez até por isso, parece-me desadequada, pois o que está em causa em ultima análise, não é um Bioma, mas uma Ética, assente sobre uma particular visão do Homem. E repito, os equilíbrios dos sistemas ecológicos não são propriamente humanos, nem desumanos, são só naturais.

    Caros Pedro e Nuno
    A forma como vós abordais a homossexualidade, não difere muito da forma como o fazeis com a sexualidade “tout court”; até o amor tem regras, isto é, mulher com homem, de uma só vez, e por ali fica o sexo. Se assim não for, peço que me corrijam…
    A forma como eu encaro o problema não é por esse lado. Primeiro parece-me ser indispensável distinguir o amor humano do Amor de Deus - esse é absoluto e por isso, perdoem-me, mas não lhe vejo regras; digo mais, entregar o Filho numa cruz, entre dois criminosos, cheira mais a loucura do que a “regras”…
    Depois, repito-me, seria bom distinguir união familiar de união sexual, amor de sexo, e por aí fora… o sexo é só uma, entre outras, das expressões do amor humano; talvez o supremo amor humano seja o da mãe para o filho(a) (que não é transitivo), talvez seja aí que falando de amor, o humano mais se aproxime de Deus.

    Bom, mas o que este pecador que sou, quer deixar claro é que respeito e amo qualquer irmão humano, independentemente da sua orientação sexual. E assim espero o mesmo da minha Igreja (que o faz, se lerem o ultimo catecismo…), mas não acho lícito que lá por ser homossexual espere que a Ética católica mude de tal forma que me diga sim, continua por aí meu filho. Uma coisa é aceitar o outro, outra é estar de acordo.
    Aqui entendo-te Nuno, e mesmo quando dizes ser “lamentável a centralização do pecado sexual no do homossexual por certos cristãos” concordo: quem pecará mais, o homem casado e adúltero ou o homossexual assumido?
    Como te disse, se eu fosse homossexual assumia-me como tal e não deixaria de amar a Deus. Se eu for condenado, como consequência das minhas falhas, não deixarei de amar a Deus, mesmo lá no Inferno. O que também não deixo é de me assumir em vida da forma mais íntegra que me for possível.

    Perdoem-me a pobreza de espírito, os erros e a complexidade
    Abraço a todos

     
  • At 10 de janeiro de 2009 às 21:10, Blogger Pedro Leal said…

    cbs

    "Quem pecará mais, o homem casado e adúltero ou o homossexual assumido?"

    Eu diria que os dois (a sinceridade no erro conta pouco). Mas esse é um bom exemplo de como o "amor" não é "carta branca" para tudo. Tanto o adúltero como o homossexual podem amar sinceramente. Mas esse amor não é suficiente para que estejam bem perante Deus. É nesse sentido que eu digo que até o amor (e o termo é muito abrangente, como dizes) também precisa de submeter à lei de Deus.

     
  • At 11 de janeiro de 2009 às 14:03, Blogger cbs said…

    OK Pedro
    Estamos no nó górdio do problema. Do meu problema com a Igreja e com Deus. Mais com a Igreja do que com Deus, por estranho que pareça. Deus conhece-me...

    Não se trata só de ser sincero, trata-se de ser íntegro; ser eu mesmo em todas as coisas, como dizia o Pessoa.
    Enquanto um adultero mente e engana, apresenta várias faces ao outro, um homossexual assumido 'e inteiro, o que é certamente condição de Verdade.
    Existem questões em que prefiro discordar e assumir-me (está em causa a minha integridade) mesmo aceitando que, por ser limitado, erro (caso do aborto) mesmo pedindo perdão ao Pai. Alguém falou na Consciencia como unico juízo, antes do juízo Final; não terá sido um protestante?.

    Isto tudo trás-me à memória duas questões culturais.
    A diferença entre a herança grega e o Oriente. Um mestre japonês disse-me um dia não perceber porque queria eu compreender aquilo que não podia: Isto não se explica - dizia irritado - faz o que te digo e um dia compreenderás!
    A outra questão é a famosa discussão entre Erasmo e Lutero, das obras ou da Graça, para chegar a Deus. Como sabemos, Lutero (e vocês não-papistas) insistia que é a Graça que nos ilumina, e que as obras não são mais que o sinal dessa Luz.

    Pois meu caro Pedro, para acabar digo-te que questiono a minha Fé, por um lado... mas por outro, a certeza e o amor ao Pai que sinto em toda a minha fraca "totalidade" (nunca ao longo da vida tive tanta Fé) deixa-me relativamente tranquilo nos meus pecados. Como que confiante no Amor Dele...
    É um problema que vou tentar resolver neste ano de crise que vamos atravessar.

    abraço

     
  • At 13 de janeiro de 2009 às 11:45, Blogger Vítor Mácula said…

    Olá, cbs

    “Na minha humilde opinião, disparatado é um gajo ir para sacerdote católico e em seguida ficar chateado por não se poder casar. Por um lado é um dado adquirido e por outro existem mais formas de se exercer a vocação, diácono, por exemplo.
    Nisto e na questão das mulheres-sacerdotes, lamento, mas entendo que sou eu que me tenho que adaptar à instituição e não a instituição que deve mudar por causa do meu ponto de vista pessoal.”

    Com “disparatado” quis exprimir que a questão se põe em termos teológicos, antropológicos, eclesiológicos ou disciplinares, e não em termos psicológicos e passionais de “ficar chateado” ou “ficar eufórico”, e muito menos em termos instituicionais, se com isto te referes a uma institucionalidade sócio-cultural e ideológica. Vocação é um chamamento de Deus em nós, não é um geito humano que se dá para seguir uma profissão. O que é que queres dizer com “ponto de vista pessoal”? Cristo estará sempre mais nos pontos de vista e vida pessoais do que nos funcionalismos impessoais e desencarnados duma administração pública. Quanto ao sacerdócio feminino, vires-me com “adaptação à instituição”, também não vejo a quê que responda ao problema de cristologia que apresentei, mas pronto.

    “Quanto à ecologia, admito que tenhas razão e a palavra expresse apenas uma metáfora antropológico-filosófica do termo científico.”

    Não se trata duma metáfora, mas da defesa da natureza concreta do humano, sob o ponto de vista do Ratzinger. Se consideras que a antropologia fundamental aqui em jogo é uma “particular visão do Homem” isso impossibilita as fundamentações em que Ratzinger se apoia; e o homem tem pertinência: uma ética que não se funde numa antropologia fundamental (o que é essencial ao humano) não passa de “modos e costumes”, e daí a tua consistente invocação de princípios utilitaristas que se medem por resultados (“a evangelização ser mais fácil” por exemplo). Cristologicamente, o utilitarismo é delicado: corresponde à posição de Pedro quando diz a Cristo: Não vás a Jerusalém que te limpam o sebo ;)

    Não que se lhe deva opor uma pura axiomática, mas isso seria outra conversa.

    abraço

     
  • At 15 de janeiro de 2009 às 23:32, Blogger Pedro Leal said…

    cbs

    Sim, a consciência, mas moldada pelo Espírito. Julgo que está implícito no que escreves, mas não é demais sublinhar.

    abraço

     
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