sábado, dezembro 27, 2008
Uma apologia do Natal bíblico.
É interessante observar como o desenraizamento do homem pós-moderno - em relação às matrizes culturais, às instituições societais que o formam, e às cosmovisões que o identificam - resulta (além da irracionalidade, relativismo moral, alienação, etc) também na procura infrene por uma identidade pura, pristina, imaculada.

No meio cristão, deparamo-nos com cenário semelhante. Um exemplo chega-nos desta preocupação ingénua de desmitificar o Natal, e a querer expôr o festejo perante a cristandade como um logro litúrgico; como um paganismo velado que deve ser excomungado do cristianismo histórico - o qual nunca o deveria ter incorporado de todo, segundo estes.

Absorvidos nas mesmas deambulações desconcertadas de teóricos da conspiração que insistem que Armstrong nunca deu o pequeno passo lunar e que Bush arquitectou o desarquitectamento do World Trade Center, tais homens podem incluir os hereges suspeitos do costume (testemunhas de Jeová, mórmones, neopentecostais, etc), assim como católicos e evangélicos peculiares, como é tendência mais recente. A ele digo-lhes isto: vocês não compreendem o cristianismo; especificamente, a natureza da obra redentora de Jesus Cristo para o restauro da Criação à soberania absoluta de Deus.

Vejamos um exemplo, retirado dum blogue nacional:

'Já não posso mais ignorar a convicção que tem vindo a crescer em mim de que
o Natal não é, nem nunca foi, uma festa cristã. A cada ano que passa os
indicadores intensificam-se e mostram-me que Deus não pode estar presente no
meio do neo-paganismo folclórico que nos rodeia e que se exprime por palavras,
comportamentos e, principalmente, símbolos. Qualquer cristão minimamente
consciente da verdade bíblica deveria sentir repulsa pela realidade presente.
Como é possível participar de uma celebração que, supostamente, deveria ser por
Ele, para Ele e por causa Dele, mas onde Ele não está presente? Uma palavra de
esclarecimento, porém. Não se pode confundir Natal com o nascimento de JESUS
CRISTO. Esse é real e de significado profundo para os seus seguidores. Jesus é
EMANUEL, O Deus que veio viver entre nós, tomar a primazia e destruir as trevas,
derrotando o maligno. De forma muito "blunt" e ao estilo da regra de "três
simples" concluímos que: se o paganismo é do maligno, logo Jesus não tem
qualquer tipo de ligação com ele. Talvez seja essa a razão pela qual, nem Jesus
(nos Evangelhos) nem os Apóstolos (nas Epístolas) se tenham alguma vez referido
a algo remotamente parecido com "Natal". Se eles não ligaram a isso, porque
ligaremos nós?'

O discurso é bem intencionado e o desejo do autor deste parecer é o de ser ortodoxo, fiel à Palavra de Deus. Ele tenciona poupar os seus irmãos de fé à promiscuidade espiritual dum festejo que ele vê como pagão. Mas espero que ele compreenda as falácias aqui representadas, e as implicações que o seu raciocínio cria, quando aplicado a outras realidades.

Começo por responder assim: o Natal não é pagão, mas as Saturnálias e o Dia da Natalidade do Sol Invicto, sim; isto da mesma forma que eu, Nuno Fonseca, o cristão, pertenço a Cristo, enquanto que Nuno Fonseca, o ateu irregenerado, pecador imperdoável que fui, não era de Deus. Tal como as tradições que o autor deste texto enumera mais adiante (retirando-os da 'infalível' wikipédia), e que faziam parte dos rituais gentios do feriado de 25 de Dezembro para que o sol renascesse após o solistício, também eu sofri de todas as prostituições heréticas imagináveis antes de ser remido por Jesus. No entanto, sou aceite com alegria na comunhão dos santos do Senhor, quando partilho do mesmo Espírito Santo que se move na Igreja de Deus. E o que fez a diferença entre o Nuno Fonseca descrente e o salvo; entre a festa do equinócio e o festival das tabernas? A diferença é a Cruz.

O autor daquele post não compreende talvez que Jeová de Israel justificou festejos pagãos e transformou-os em celebrações devotas apenas e só ao Deus vivo e verdadeiro, para mostrar o Seu poder e ofender os inimigos do Seu povo - tal como fez comigo, em justificação da minha alma pelo sangue de Cristo, para ser Ele mesmo glorificado como Salvador misericordioso dum homem tão ímpio como o que fui.

Quer o Dia de Pentecostes, quer o Festival das Luzes (heb. hanukkah) também coincidiam em data e em algumas tradições com as dos não-judeus monoteístas. Mas deixaram de ser. As gerações seguintes não mais se lembrariam da origem desortodoxa daqueles festejos, estando mais ocupados a louvar o Senhor que os libertou da terra do Egipto. Foi esta lógica bem bíblica que os Pais da Igreja aplicaram ao redimir o 25 de Dezembro.

Nunca houve pretensão em fazer crer que Jesus nascera nessa data, o que é óbvio pelo nome dado ao festejo: Dies Natalis - o dia da natalidade; do nascimento. Não se trata dum aniversário. Em vez, e derivado da impossibilidade de se achar uma data precisa para o dia e o mês específicos do Advento, se optou por votar aquele dia nefasto tão querido aos pagãos para o esquecimento, fazendo nascer no seu lugar o dia em que lembramos, com júbilo, o cumprimento da promessa de Deus, conforme o eterno concelho do Seu decreto:

'Nasceu hoje o Salvador, que é Cristo, o Senhor' (Lucas 2:11).

Que hoje o mundo lute para destruir o Natal cristão e torná-lo num tributo ao altar do materialismo e da ganância capitalista, não é motivo para derrotismos, mas antes um incentivo para a reforma do Natal. Porque o Reino de Deus conquistará a terra, e remirá tudo quanto lhe aprouver na Sua Criação. Não devemos recuar asceticamente do mundo como um monge budista, porquanto estamos nele como Cristo esteve, pois que, também, nos é pedido que o vençamos, conforme o exemplo de Jesus (João 16:33).

Obedeçamos.

Nuno Fonseca

posted by @ 9:07 da tarde  
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