O solo e o clima portugueses não são os mais indicados para cultivar stand-up comedy. Se já vi essa infertilidade como uma questão de língua, tenho-a agora mais como uma questão de linguagem. E não é que um país tradicionalmente católico careça de sentido de humor, carece sim de pungência performativa. Digo-o com a autoridade de quem sabe distinguir a tradicional homilia romana de um tradicional sermão protestante - a placidez de um e a brutalidade de outro. Portugal foi país alimentado com a sólida e doce perenidade monolítica do latim que hoje, já transmutado para português, não perdeu a musicalidade sacra de outrora. Do outro lado do Atlântico há paragens mais jovens que se fundamentaram na epilepsia gospel, no espasmo linguístico, no Hard-Rock (of Ages). Assim se separam as águas: quando o ouvir faz sorrir e meditar vs quando o ouvir faz rir às gargalhadas e chorar baba e ranho. Ora aí está. Haverá excepções, mas raramente vi padres que em palavras me quisessem bater ou pregadores que me quisessem fazer festinhas. Quem não sabe throw a good punch não sabe throw a good punch-line. E o facto de haver entre os judeus alguns dos melhores stand-up comedians estraga-me esta estereotipada argumentação? Nada disso: toda a gente sabe que esses narigudos conseguem intrometer-se bem nos meios quando farejam um bom negócio.
Samuel Úria
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