segunda-feira, fevereiro 16, 2009
Humanautas

Apartado de todo o sentido, encontra o seu anseio no eco dos acontecimentos. De resto vai andando, representando-se como compreendendo mais ou menos a vida e tendo domínio relativo sobre si. Mas um mero estremecer o depõe no vazio de sentido, a pessoa amada deixa-o, ou o seu amor por ela abandona-o. Ou dá por si olhando o seu trajecto e não se reconhecendo nele. Ou simplesmente perde o prazer dos seus interesses, ou apenas o emprego. Já não se percebe. O que se passa afinal, o que é isto e onde estou – é o que o acomete.

Olhando a sua própria ausência, evita o suicídio com uma pequena narração. Uma explicação do amor perdido, uma análise sociológica do trabalho, uma reordenação do seu próprio trajecto, e mergulha na fremente ilusão: a partir de agora é que é, a partir de agora o acto e a lucidez.

Até à próxima.

Pois é precisamente a cisão entre o viver-se e o doar sentido – que o aparta de si, fundamentalmente alienado.

Alguém viesse, que unificasse o acto e a narração, afinal esse é o secreto eco dos acontecimentos.

Alguém cujo viver fosse o seu próprio significado, afinal essa é a secreta esperança das palavras.

Alguém que simplesmente – seja.
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vítor mácula
posted by @ 11:21 da manhã  
7 Comments:
  • At 16 de fevereiro de 2009 às 21:39, Blogger cbs said…

    é isso sim. confirmo-o com o meu próprio testemunho. tirando a parte da pessoa amada, que não deixo no vazio completo, e tirando a parte do agora é que é, que não é nada, não senhor(a). o resto (não)sou eu... confirmo-o, é isso mesmo.

     
  • At 18 de fevereiro de 2009 às 14:48, Blogger zazie said…

    Tu escreves incrivelmente bem. Pareces o Bresson a filmar

    ";O)

     
  • At 18 de fevereiro de 2009 às 15:54, Blogger Vítor Mácula said…

    'tás louca, zazie LOL os filmes do Bresson são obras-primas do olhar e da narração.

    há um eco, sim, nessa coisa do ser: não filmar actores mas "figurantes": pessoas que mostram o seu ser. (as aspas têm evidentemente que ver com o termo no sentido em que Bresson o usa não ter nada que ver com os espantalhos pagos a metro para se passearem em ruas telenovelísticas LOL)

     
  • At 18 de fevereiro de 2009 às 15:55, Blogger Vítor Mácula said…

    confirma, infirma, afirma ;) abraço, cbs

     
  • At 18 de fevereiro de 2009 às 16:02, Blogger Vítor Mácula said…

    PS: poder-se-ia até dizer que o Bresson filma como se o rosto de Deus "figurasse" em todo o rosto e momento quando captados com certo ritmo, tensão, silêncio, dizer, acção.

     
  • At 19 de fevereiro de 2009 às 11:36, Blogger Vítor Mácula said…

    PS 2: bolas e berlindes, ando mesmo tonto de afazeres ;) o termo que Bresson usa é “modelos”, o que até acutila a disrupção: Bresson filma como se o rosto de Deus "modelasse" todo o rosto e momento quando etc; aquele que modela tudo sem se acrescentar a elas, criando-as e poisando-as no seu próprio ser, luz, vida e verdade.

    e: nada que ver com os espantalhos pagos a metro para se passearem em publicidades e passerelles ilusórias LOL

     
  • At 20 de fevereiro de 2009 às 14:33, Blogger zazie said…

    ehehe mais um fã do Bresson- tinha de ser.
    O Paul Schrader diz isso mesmo e compara-o aos ícones bizantinos.

    Mas tu tens um dom que é raro encontrar-se; para além de apanhares o profundo com a leveza e beleza da superfície- tens o dom da narrativa.

    Há pouca gente que consiga narrativa em pequenos textos. Tu consegues. Nunca pões demasiado bom no mesmo- sabes retirar e elidir e conseguir ritmo e clímax em poucas palavras.

    Beijinhos
    (está visto que não devo estar a dar nenhuma novidade)
    ":O))

     
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