quarta-feira, novembro 19, 2008
Deus absconditus
em memória de Karl Barth



Quando pensamos que sabemos, de Deus nos afastamos; quando calamos o que pensamos saber, não clamamos por Deus.

A religião é isto.

O que nos distancia de Deus (mais até do que a agnóstica despreocupação, seja ela autenticamente possível ou não) e o lugar onde se clama por Ele.
A ideia de que o acesso directo (ou até, nos casos mais graves de idolatria, o próprio Deus) se dá nos conteúdos objectivados de textos bíblicos, da tradição ou conciliares, da prática religiosa e suas regras - está a milhas da fé.

E está certo assim: a temporalidade - e a religiosidade, à morte pertence - assim condiciona; mas não esqueçamos que não é de Deus, mas nossa.

Os únicos dons directos de Deus são o ser, a fé e o amor - que pertencem à vida, e nesse sentido são ilimite doado.
A maioria dos enunciados doutrinais não respondem a nada quando tentam definitivamente responder. A esfinge boceja, pois ninguém a ela se apresenta, pretendendo ainda por cima tê-la superado, já passado por ela. Mas o crivo do enigma acabará sempre por constituir a interrogação final, depois de todas as afirmações – excepto uma, que aí, sim, contenha todas as outras.

O que não significa que incautamente nos passemos de doutrinas e dizeres: aquele que ama sabe que tem de organizar-se no pensamento e na acção para temporalizar o amor, buscá-lo e por ele ser descoberto; mas se se mantiver no amor, saberá também que toda a fixação em fechamento doutrinal corresponde ao assassínio do amor e à desvitalização do espírito.

Dito de outro modo: quando a verdade se retém no alfa, torna-se falsidade soçobrada no ômega.

Ou ainda, sobre tudo: sangue forte, eucarístico.


Vítor Mácula
posted by @ 3:02 da tarde  
4 Comments:
  • At 19 de novembro de 2008 às 22:52, Blogger cbs said…

    ehehe...
    o filósofo do re-verso foi muito bem aplicado.
    a tua prosa em verso é bonita Vitor. Mas tenho que te ler 3 vezzzes pra começar a perceber. Até o discordar de ti não é fácil.

    ;) abençoado filósofo

     
  • At 20 de novembro de 2008 às 09:35, Blogger Pedro Leal said…

    Vitor

    “Quando a verdade se retém no alfa, torna-se falsidade soçobrada no ómega”.

    Mas a liberdade de não estar retido no alfa não significa que se contradiga o próprio alfa. Ou seja, o facto de não conhecermos tudo, de estarmos abertos para conhecer mais, não implica que se ponha em causa aquilo que já conhecemos. Falo das Escrituras, por exemplo.

     
  • At 20 de novembro de 2008 às 14:23, Blogger Vítor Mácula said…

    deus me guarde da filosofia, cbs LOL ou então: não se deve dar valor de perna à muleta, sabendo no entanto que esta é indispensável para certos coxeares. abraço

     
  • At 20 de novembro de 2008 às 14:33, Blogger Vítor Mácula said…

    Olá, Pedro.

    Bem, eu penso até que, para além de não contradizer o alfa deve completá-lo, aperfeiçoá-lo, esclarecê-lo etc. Passa-se é que a resposta transborda o enigma dando-lhe um novo sentido: também a rosa não deixa de ser o que é na mão dum amado ou na voz dum poeta. O Ômega ou a Parusia é algo de absolutamente outro (isto é, o próprio Deus em invasão total)que renova(rá) de fio a pavio e fundamento, todas as coisas; ninguém viu nem ninguém sabe, como diz S. Paulo.

    Quanto às escrituras, claro. Mas para mim:

    - elas não são um dom directo de Deus;

    - devem ser postas sob interrogação no crivo do ser, da fé e do amor (chamo a isto leitura religiosa ;)

    abraço

     
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