sábado, dezembro 30, 2006
Árduas tarefas
O desempregado até prova em contrário é um chulo. Não faz nenhum, encosta-se no remanso da televisão ou no balcão da taberna, a beberricar o dinheirinho dos contribuintes que todos os dias se levantam e vão para o emprego, das nove às nove que o patrão exige muita produtividade.

O suspeito com termo de identidade e residência até prova em contrário é criminoso, foi ele e mais ninguém que assaltou a loja, de certeza, é preto o gajo! ó sô polícia leve esse gatuno, não há mais nada a dizer.

Eu até prova em contrário sou a ovelha tresmalhada. Afinal, a árdua tarefa que me cabe é inexplicável. Ou então não. Julgava eu que andava aqui a explicar factos, argumentos, e não meras adjectivações sobre as posições dos outros, questionamentos sobre a minha fidelidade (ou sobre a minha fé, já agora: no fundo, no fundo, serei um perigoso ateu travestido de católico progressista que está do lado errado da Segunda Circular, numa insidiosa piada futebolística).

Passe a caricatura, Tiago. Mas achei que, ao exagero do título do teu post e do tom quase inquisidor do texto, merecia caricaturar antes de dizer de mim, antes da minha árdua tarefa. É isto mesmo: aceitar a alteridade e viver o diálogo correspondem, para mim, em termos absolutos à experiência cristã, de encontro com os outros, com os publicanos e pecadores, com os fariseus e samaritanos. Nos comentários a afirmações da Zazie, nos posts da polémica, escrevi e mantenho, sem grandes formulações: "não há hierarquia moral ou autoral para ditar «uma directiva». Os dogmas são poucos e importantes e de outra ordem, de outra grandeza, não me atrapalho com estas «directivas» menores, acerca do aborto ou de outras. Agora dizer que «uma directiva da hierarquia católica acerca do aborto não é trabalho de campo dos leigos» é negar o ser-se cristão (para mim, para muitos, não quero ofender outros aqui da casa). O cristão mete as mãos na massa, trabalha-a, cresce com ela, vive nela. Não há galhos quando se é. [...] A minha condição de leigo (laico, como lhe chamam) é a de alguém que prefere o "alto contraste" no que merece o contraste: por que carga de água procurar o entendimento com os outros é entrar nas "águas lamacentas"?! Isto separa-me radicalmente das visões separatistas de muitos cristãos: eu estou no mundo, sou do mundo, não vivo fora dele, enclausurado numa redoma a que chamo Igreja, e onde tudo o que seja possibilidade de entendimento com o que está de fora é infecção. As minhas águas fundem-se como as do rio e do mar, sem lamas, sem vómitos."

Talvez falte aqui grande argumentação teológica, ou citação versicular, mas para mim a minha fidelidade é deste tempo.

Miguel Marujo
posted by @ 2:28 da tarde  
1 Comments:
  • At 30 de dezembro de 2006 às 17:19, Blogger zazie said…

    Pois eu estou de acordo contigo: também sou pelo diálogo entre "publicanos e pecadores, com os fariseus e samaritanos.

    Em prova disso, tenho a dizer-te que, para além dos chocolates, também acabo de trazer para casa uma das pedras que os sacanas dos brasileiros me atiraram à janela.

    Assim, para a próxima, o "diálogo" sempre pode ficar um pouco mais equilibrado.

    Se for preciso até atiro um chocolate primeiro e só depois vai o pedregulho.

     
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