sexta-feira, dezembro 29, 2006
[Para espevitar] A interrupção voluntária do diálogo
[Nota prévia: o Público trouxe no dia 21 de Dezembro um texto assinado por Ana Berta Sousa, José Manuel Pureza, Marta Parada, Paula Abreu e eu próprio, sobre o referendo sobre a despenalização do aborto. Apesar de extenso, reproduzo-o na íntegra, por os artigos de opinião do jornal não estarem acessíveis sem assinatura e por entender este texto como ponto de partida para um debate sério e franco sobre o tema. Os autores têm diferentes idades e profissões, mas no seu percurso passaram pela JEC/JUC e MCE, movimentos estudantis de Acção Católica.]


Somos católicos e assistimos, inquietos e perplexos, à reiteração de uma lógica de confronto crispado por parte de sectores da Igreja Católica – incluindo os nossos bispos – no debate suscitado pelo referendo sobre a despenalização do aborto. Frustrando as melhores expectativas criadas pelas declarações equilibradas de D. José Policarpo, a interrupção voluntária do diálogo volta a ser a linha oficial. E o radicalismo vai ao ponto de interrogar a legitimidade ao Estado democrático para legislar nesta matéria. É um mau serviço que se presta à causa de uma Igreja aberta ao mundo.

A verdade é que a despenalização do aborto não opõe crentes a não crentes. Nem adeptos da vida a adeptos da morte. Não é contraditório afirmarmo-nos convictamente «pela vida» e sermos simultaneamente favoráveis à despenalização do aborto. Porque sendo um mal, não desejável por ninguém, o recurso ao aborto não pode também ser encarado como algo simplesmente leviano e fácil. As situações em que essa alternativa se coloca são sempre dilemáticas, com um confronto intensíssimo entre valores, direitos, impossibilidades e constrangimentos, vários e poderosos, especialmente para as mulheres. Ora, mesmo quando, para quem é crente, a resposta concreta a um tal dilema possa ser tida como um pecado, manda a estima pelo pluralismo que se repudie por inteiro qualquer tutela criminal sobre juízos morais particulares, por ser contrária ao que há de mais essencial numa sociedade democrática.

Por isso, não nos revemos no carácter categórico e absoluto com que alguns defendem a vida nesta questão, dela desdenhando em situações concretas de todos os dias: a pobreza extrema é tolerada como “inevitável”, a pena de morte “eventualmente aceitável”, o racismo e a xenofobia é discurso vertido até nos altares. A Igreja Católica insiste em dar razões para ser vista como bem mais afirmativa “nesta” defesa da vida do que nos combates por outras políticas da vida como as do emprego, do ambiente, da habitação ou da segurança social. Além de que, no caso do aborto, a defesa da vida deve sempre ser formulada no plural. Estão em questão as vidas de pelo menos três pessoas e não apenas a de uma. Por isso, quando procuramos – como recomenda um raciocínio moral coerente mas simultaneamente atento à vida concreta das pessoas – estabelecer uma hierarquia de valores e de princípios, ela nem sempre é fácil ou mesmo clara e não será, seguramente, única e universal. Nem o argumento de que a vida do feto é a mais vulnerável e indefesa das que se jogam na possibilidade de uma interrupção voluntária da gravidez pode ser invocado de forma categórica e sem quaisquer dúvidas.

É de mulheres e de homens que se trata neste debate. E também aqui, o esvaziamento do discursos de muitos católicos e sectores da Igreja relativamente aos sujeitos envolvidos nos dilemas de uma gravidez omite a recorrente posição de isolamento, fragilidade ou subalternização das mulheres, para quem o problema poderá ser absoluto e incontornável, e reproduz a distância que sustenta a sobranceria e condescendência moral de muitos homens (mesmo que pais). A invocação do direito da mulher a decidir sobre o seu corpo é um argumento que, bramido isoladamente, corre o risco de reproduzir de uma outra forma a tradicional atitude de desresponsabilização de grande parte dos homens perante as dificuldades com que se confrontam as mulheres na maternidade e no cuidado de uma nova vida. A defesa da autonomia da mulher, da sua plena liberdade e adultez é indiscutível e será sempre tanto mais legítima e forte quanto reconhecer e atribuir ao homem os deveres e os direitos que ele tem na paternidade. Ignorá-lo é mais uma vez descarregar apenas sobre os ombros das mulheres a dramática responsabilidade de decidir sobre o que é verdadeiramente difícil. A Igreja tem, neste aspecto particular, uma responsabilidade maior. A suas preocupações fundamentais com a família exigem uma reflexão igualmente apurada sobre as responsabilidades conjuntas de mulheres e homens na concepção e cuidado da vida.

Infelizmente, pelas piores razões, o discurso oficial da Igreja está muito fragilizado para a defesa de abordagens à vida sexual e familiar que acautelem o recurso ao aborto. A moral sexual oficial da Igreja – e, em concreto, em matéria de contracepção – fecha todas as alternativas salvo a da castidade sacrificial. É um discurso que não contribui, de modo algum, para a defesa de uma intervenção prioritariamente preventiva, em que ao Estado fosse exigível um sistemático e eficaz serviço de aconselhamento e assistência no domínio do planeamento familiar e da vida sexual. Pelo contrário, o fechamento dos mais altos responsáveis da Igreja a uma discussão mais séria e aberta sobre a vivência concreta da sexualidade denuncia um persistente autismo, que ignora a sensibilidade, a experiência, o pensamento e a vida das mulheres e dos homens de hoje.


Em síntese, o recurso ao aborto é sempre, em última análise, motivo de um grave dilema moral. E é nessas circunstâncias de extrema dificuldade que achamos ter mais sentido a confiança dos cristãos na capacidade de discernimento de todos os seres humanos, em consciência, sobre os caminhos da vida em abundância querida por Deus para todos e para todas. Optar por uma reiteração de princípios universais, como o do respeito fundamental pela vida, confundindo-os com normas e regras de ordenação concreta das vidas é, além do mais, optar por uma posição paternalista, de imposição e vigilância normativas, e suspeitar de uma postura fraternal, de confiança e solidariedade, com os que, de forma autónoma, procuram discernir as opções mais justas. Partir para este debate com a certeza de que a despenalização do aborto é porta aberta para a sua banalização é abdicar de acreditar nas pessoas, em todas as pessoas, e na sua capacidade de fazer juízos morais difíceis. Não é essa abdicação que se espera de homens e mulheres de fé.


Miguel Marujo
posted by @ 1:35 da manhã  
25 Comments:
  • At 29 de dezembro de 2006 às 10:28, Blogger Pedro Leal said…

    Miguel,
    parece-me que este artigo saiu com quase dez anos de atraso. Em 1998 talvez tivessem razão de ser muitas das afirmações aqui proferidas contra a posição da Igreja portuguesa. Hoje nem por isso. A Igreja não mudou de posição (nem era desejável que o fizesse), mas mudou o modo do discurso. E agora, quem parece que não ouviu foram os «do sim».

    Mais. O texto está cheio de sentenças tão peremptórias quanto desfazadas da realidade portuguesa de 2006. Dou-te alguns exemplos: «Porque sendo um mal, não desejável por ninguém, o aborto (...)»; «As situações em que essa alternativa se coloca são sempre dilemáticas, com um confronto intensíssimo entre valores»; «Estão em questão as vidas de pelo menos três pessoas e não apenas a de uma»; «o recurso ao aborto é sempre, em última análise, motivo de um grave dilema moral»; «A defesa da autonomia da mulher, da sua plena liberdade e adultez é indiscutível». São frases com arestas que impossibilitam o tal "diálogo". É que, não só são discutíveis (é isso o "diálogo"), como para muitas das situações referidas já existe lei que as prevê como excepção - e que é sempre esquecida neste debate.
    Com o devido respeito, faz-me lembrar muitas das críticas feitas ao discurso da Igreja (sobre sexualidade, por exemplo): com clichés, desfazado da realidade, como se escrito para gerações anteriores. Parece-se demasiado com o discurso dos abortos no "vão de escada". E escrito num tempo pré-contraceptivos.

    Por outro lado, não compreendo a avocação de temas (nada consensuais na Igreja, como sabes) como a pena de morte, o combate à pobreza ou mesmo as «políticas da vida como as do emprego, do ambiente, da habitação ou da segurança social» neste contexto. Esqueceste-te da Inquisição e das Cruzadas.
    E hás-de dizer-me que paróquias frequentas, as tais onde «o racismo e a xenofobia é discurso vertido até nos altares».

    Mas se isto é uma porta aberta para o "diálogo", cá estamos. Nós, os católicos de discurso esvaziado, como nos chamas.

    Carlos Cunha

     
  • At 29 de dezembro de 2006 às 11:18, Blogger zazie said…

    Sabes que não percebi este texto. Não estou a par nem sei a que se referem quando falam na "posição oficial da Igreja".

    O que é isso? Por um lado o Policarpo é posição oficial, depois referem o que outros padres dizem na missa. E então? são mais oficiais? Ou são apenas isso mesmo: a visão plural em que se reflecte a própria sociedade?

    Mas ainda percebi menos o que significa essa ideia do problema do aborto estar no fechamento da "Igreja" (suponho que o Vaticano) aos assuntos sexuais.

    Que raio de diredctiva devia ter o Vaticano para alterar uma ideia tão simples: ou bem que se acredita que a Vida humana é sagrada- e se condena o aborto; ou bem que não se acredita nessa sacralidade e aí podem aparecer as variantes abortistas em nº de semanas.
    Mais nada. Não absolutamente mais nada a dizer sobre a questão.

    Porque o aborto; a decisão de não querer ter um filho, é isso mesmo, e quando acontece não se volta atrás; não se pode deixar de ficar grávida para se evitar a decisão (seja ela pelos motivos que for, e com as pressões que tiver, ou abondonos fecundadores que houver).

    Por isso mesmo- por ser uma questão que não se reduz a prevenções, dado o carácter aleatório a que está sujeita, é que é tema demasiado difícil de se julgar, fora de um imperativo religioso.

     
  • At 29 de dezembro de 2006 às 11:19, Blogger zazie said…

    Já agora: a posição que mais gostei foi a do D. José Policarpo.

    Perfeitamente iconoclasta e exclusivamente moral.

     
  • At 29 de dezembro de 2006 às 11:31, Blogger zazie said…

    E creio que este texto reflecte precisamente o grande problema da generalização da lei, que o Policarpo tão inteligentemente contornou.

    É que tu encontras tudo isso: a sobrecarga dramática da responsabilidade atirada para as mulheres, assim como os casos de abondono e pobreza- e esses são dramas sociais- mas também podes ter o mero capricho; o resultado da escapadela; o desleixo; o estar-se nas tintas; o "este agora não dá jeito, depois temos outro", etc, etc, etc,

    E a lei é feita para todos de forma igual.
    E é por isso que a única posição correcta (do ponto de vista religioso) é a condenação geral do acto e o "tratamento" pessoal, a cada caso, quando é confessado pelos crentes.
    A Igreja só pode fazer isto- continuar o trabalho moral na socieade e manter as directivas do dogma.
    Questões que nunca poderiam ser legisladas- pois a condenação religiosa dirige-se à consciência e essa não entra de folga no dia seguinte ao do referendo.

    E aqui- nesta idiota posição do tribalismo do voto é que se devia jogar todo o papel moral da Igreja. Em vez de se contarem espingardas como noutro tipo de "eleições" político-partidárias.

     
  • At 29 de dezembro de 2006 às 11:38, Anonymous Anónimo said…

    Não saiu com atraso, caro Carlos. Se a "Igreja" (os bispos, muitos padres e movimentos de leigos "pela vida") mudou o modo do discurso, não distingo onde. Mas também não percebo onde são tão fechadas ou desfasadas da realidade aquelas sentenças como lhe chamas. Não é um "mal, não desejável por ninguém, o aborto"? Não são "dilemáticas, com um confronto intensíssimo entre valores" as situações em que o aborto se coloca? Não é "o recurso ao aborto é sempre, em última análise, motivo de um grave dilema moral"? Não percebo, todos os dias ouço de bispos, muitos padres e de movimentos de leigos "pela vida" estas afirmações, sentenças, com a resposta sentenciosa pronta na ponta da língua.
    As arestas do diálogo quem as aponta, com o dedo afiado "assassinos"? E gostava de uma vez por todas perceber em que é que a lei actual afinal já prevê estas situações? Que situações concretas?

    Eu não esqueço a actual lei, mas perante o argumento definitivo da vida desde a concepção não percebo como pode ser defendida então a actual lei, mesmo com as suas excepções.

    E gostava de perceber as críticas feitas ao discurso da sexualidade, cheia de clichés? Onde? Acaso o preservativo é aceite, não como "mal menor", mas como acto responsável do casal que quer ter prazer, sem engravidar?! Por acaso, a pílula é aceite, sem dúvidas? Não é dito que pílula do dia seguinte é uma pílula abortiva? Onde se valoriza o prazer, por uma vez, sem se pensar na procriação?! Diz-me onde estão os clichés?!

    [À Zazie: o problema do aborto não está no fechamento da "Igreja" (suponho que o Vaticano) aos assuntos sexuais; está a jusante: muitos dos que participam nos movimentos "pela vida" (ou os bispos e muitos padres) têm uma concepção punitiva e restritiva sobre a contracepção, o que coloca um problema a jusante, não à questão do aborto.]

    E este texto não está desactualizado 10 anos. Quando ouço o Paulo Teixeira Pinto a defender com tanta veemência "a vida" não me esqueço que é o mesmo homem que não tem pejo em dizer que a vida de 3000 trabalhadores é descartável. A vida tem sempre um carácter categórico nesta questão. Nunca dizemos que os outros católicos têm um discurso esvaziado, mas pelos vistos fica mal a um católico dizer-se pela vida e a favor da despenalização do aborto. Entendamo-nos: não há liberalização, não haverá uma corrida aos abortos; o que está em jogo é criminalizar ou não um acto; o que se defende é que nem todos os pecados são crime.

     
  • At 29 de dezembro de 2006 às 12:08, Blogger Pedro Leal said…

    Só uma correcção ao meu comentário: eu queria dizer que posso criticar o teu texto com as mesmas críticas que se fazem (tu fazes, e bem!) aos discursos da Igreja sobre sexualidade.
    Nesse ponto estamos de acordo.

    Carlos Cunha

     
  • At 29 de dezembro de 2006 às 12:14, Blogger zazie said…

    "muitos dos que participam nos movimentos "pela vida" (ou os bispos e muitos padres) têm uma concepção punitiva e restritiva sobre a contracepção, o que coloca um problema a jusante, não à questão do aborto"

    Exacto Miguel, está a jusante. E foi isso que eu disse. Se é posição de muita gente, não é doutrina oficial do Vaticano nem mais oficial que a posição oficiosa do Policarpo.

    E também são questões que não alteram minimamente a questão da sacralidade da vida e da condenação do aborto. Porque, como eu acentuei, não se engravida apenas por não usar preservativo ou métidos contraceptivos. E, muito menos, não se usam estes métodos por medo de que o senho padre da paróquia venha a saber.

    E nada disto altera um único ponto da questão: sim ou não à mudança da legislação.

    Quanto ao "diáloogo" com os do "Sim" ou outras tretas no género, dá-me sempre ideia a paleio perdido em folclore.
    Que se dane o diálogo ehehehe

    E eu até me abstenho nesta treta, precismamente por não conseguir encontrar um posição correcta a ser legislada.

    Fico-me pela consciência de cada um, que pode ser um artifício mas é mais verdade daquilo que penso

     
  • At 29 de dezembro de 2006 às 12:14, Blogger zazie said…

    quer-se dizer, abstenho-me no voto.

     
  • At 29 de dezembro de 2006 às 12:15, Blogger zazie said…

    métodos contracepticos e outras gralhas

     
  • At 29 de dezembro de 2006 às 12:18, Blogger zazie said…

    Se tivesse tempo elegia 2 textos como os melhores deste velho debate.


    Um é da autoria do Macguffin e até já tem uns anitos e o outro é do Timshel- que nesta questão tem sempre argumentos muito racionais.

    Mas o mais humano é do Macguffinho e até já o postei em comentários no Blasfémias.

     
  • At 29 de dezembro de 2006 às 13:15, Blogger zazie said…

    Mas a ideia mais original que se pode retirar deste texto conjunto- é que algum crente ainda podia cometer o pecado de abortar por culpa do medo que a Igreja lhe incutiu de não usar contraceptivos

    ";O)))

     
  • At 29 de dezembro de 2006 às 19:01, Anonymous Anónimo said…

    Em lado algum se pode retirar como a ideia mais original deste texto que algum crente ainda pode cometer o pecado de abortar por culpa do medo que a Igreja lhe incutiu de não usar contraceptivos. Nada disso está lá. Mas há coisas que acabam por estar associadas, ou todo o trabalho pós-gravidez invocado pelos movimentos "pela vida" não tem a ver exactamente com a concepção?! Ou o aborto não tem a ver com a concepção?! Escapam-me estes argumentos da Zazie, de que estando a jusante nada tem a ver uma coisa com a outra. Mas, pelos vistos o que se espera, de facto, dos católicos é que sigam o rebanho episcopal, com Policarpo (que veio entretanto mudar o tom da sua intervenção inicial, como também se indica no texto) que isto da consciência individual é panaceia para nada resolver.

     
  • At 29 de dezembro de 2006 às 19:28, Blogger zazie said…

    Miguel:

    Claro que a ideia está lá. Não está explícita porque o texto também não é muito claro (está bastante embrulahdo em palavras) mas está:

    " A moral sexual oficial da Igreja – e, em concreto, em matéria de contracepção – fecha todas as alternativas salvo a da castidade sacrificial. É um discurso que não contribui, de modo algum, para a defesa de uma intervenção prioritariamente preventiva"

    O que é isto senão a ideia que as "alternativas" da Igreja ao planeamento familiar podiam contribuir para evitar a decisão de se abortar?

    Claro que se há gravidezes indesejadas (não importa os motivos) elas também podem derivar de falta de cuidados no tal planeamento (ainda que eu já tenha falado de um caso conhecido de uma senhora que engravidou julgando que já tinha passado a menopausa) mas a questão moral de se abortar ou não abortar não deriva daí!

    Este é que é o verdadeiro fulcro da questão.

    Depois da coisa acontecer- o que fazer- ter ou abortar?

    Apenas isto. E esta decisão não é retroactiva. Nunca o poderia ser. É uma decisão individual e, de certo modo, dramática porque não é paritária- um homem- seja ele o que não deseja o filho, ou o que nem quer saber- não a vai tomar, porque, pura e simplesmente quem engravida são apenas as mulheres.

    Do ponto de vista humano, entendo esse tal trabalho de prevenção (ainda que ja´tenha lido que há para aí uns tarados que aproveitam a cena para incutir traumas e problemas de consciência em miúdas demasiado jovens para se defenderem emocionalmente).

    Mas este trabalho- que nos melhores casos poderá ser apoio a quem deseja ter um filho contra vontade do progenitor e da própria família, não altera em nada o que vai estar a voto- alterar ou não alterar a lei.

    Condenar a prisão quem o faz ou não condenar. E é aqui que considero muito inteligente a posição do Policarpo. Colocou-se à margem da lei civil- porque a própria lei civil já ultrapassou a condenação moral da Igreja (um filho de uma violação não tem, de per si, qualquer deficiência na sua humanidade que o transforme num monstro sem direito à vida).
    Por isso o Policarpo centrou a questão na "lei de Deus" e essa não vai a voto. E apenas se dirige à consciência de cada um. E também não termina no dia seguinte à votação.

    ou seja- a Igreja, do ponto de vista dele- não precisa de andar a reboque das alterações legislativas do Estado.

    Acho bem. E a única pessoa que arguemtou de forma inteligente contra esta ideia foi o danado do Tim que acha que a moral também deve fazer parte da "sinalização da lei laica".

    O único detalhe em que o Tim não se aguenta é na contradição de contar com a frouxidão da lei- que não prende ninguém- para desejar que ela se mantenha como se prendesse e inclusive com esse poder aleatório de poder prender, por acaso, alguém.

    Eu não consigo resolver o dilema porque, por um lado- não me agrada uma lei que pode mandar para a cadeia (até 3 anos de pena) uma miudita que abortou às 6 ou 10 semanas. Mas também não posso aceitar que a despenalização seja total e possa chegar ao ponto de ser permitido "eliminar" um ser vivo que até podia estar em condições de nascer (de forma artificial- como hoje em dia já é possível) e ser adoptado.

    Mas, ainda assim, considero que a "política" do Policarpo foi a mais avançada.

    À parte isso, o texto também confunde coisas que não se devem confundir. Que raio de culpa ou responsabilidade tem o Vaticano que haja uns melros que nem são seus servidores que dizem não sei que tretas, em não sei que agrupamentos do Não. Nada! e a igreja nem deve ser vista como uma bloco totalitário a falar toda igual à mesma voz.
    Por isso é que considero inapropriadas essas questões "ao lado" como as xenofobias e racismos"nas pregações.
    Sei lá eu o que é isso. Por acaso até sei que o tosco do padre do meu bairro também aproveitava o sermão para dizer que a Sida até se podia contagiar pelo ar...

    So what? é assim o mundo, é assim a socieade e ainda bem que não temos polícia a uniformizar todos os discursos.

     
  • At 29 de dezembro de 2006 às 19:30, Blogger zazie said…

    E agora um bom Ano para ti e para todos os trentinos

    (O mal da Igreja até veio dessa treta desse concílio com que tanto embirro)
    ehehehe

    ainda assim, e já que ele aconteceu: Viva a Contra-Reforma!

    ":O)))

     
  • At 29 de dezembro de 2006 às 19:36, Blogger zazie said…

    Já agora: ainda que, por acaso, precise de continuar a ter cuidados, eu cá nem sou muito católica, nem nunca precisei de seguir ninguém nas minhas decisões morais- Sempre me bastou o código das "zundapps gamadas" e se falhar, azar: pequei.

    A propósito disso: o melhor texto pelo Sim foi o do danado do JPP.

     
  • At 30 de dezembro de 2006 às 03:18, Anonymous Anónimo said…

    A Zazie não gostou do texto, acha que está mal escrito e embrulhado, mas também diz que não o percebeu. Ideia dela, eu cá discordo e muitos católicos (destrambelhados ou "razoáveis") fizeram-nos chegar o seu apoio, por ler assim isto. E há um aspecto dilacerante, que Zazie chuta para o lado: o da dita defesa da vida, que acha que outros temas de defesa da vida nem deviam ser falados. Devem, devem, para que a defesa da vida seja então completa, vista num todo. A mim, importa-me muito que o padre seja racista. A uniformidade aqui não é de discurso, é da prática de Jesus (escuso de nomear o acolhimento ao estrangeiro feito nas pessoas de samaritanos, por exemplo).

    A ideia de que o discurso da "moral sexual oficial da Igreja" não contribui, de modo algum, para a defesa de uma intervenção prioritariamente preventiva entronca naquilo que está a jusante do aborto: a relação sexual, claro está. O dilema do aborto não se colocaria numa situação extrema de gravidezes não desejadas, como por exemplo, da transmissão de doenças porque o preservativo é proibido. Falemos de homens e mulheres concretos, que é isto que todos os dias se coloca na vida dos hospitais. Daquela mulher que na sua 21ª gravidez apenas tinha o seu sétimo parto. Os outros 14 ficaram num vão de escada. Qual a resposta da Igreja a jusante? Não é preferível acabar com o pecado do aborto se a resposta da Igreja for menos restritiva no campo da sexualidade responsável, se a moral sexual entender o prazer como central, se, se,... Peço desculpa, Zazie, e as questões morais que derivam daqui.

    A posição do D. Policarpo já o disse e já o dissemos no texto é saudável numa fase inicial, mas depressa resvalou por pressão dos seus pares para a negação das suas próprias afirmações e isto lamenta-se. Afinal, qual é a sua posição agora? Alguém sabe?

    E o que vai estar ou não a votos, então? É a liberalização? Não é. É a despenalização de um pecado, usando linguagem crente, se se quiser, porque nem todos os pecados se traduzem em crimes, como entendo que seja o caso deste.

    A Igreja não tem de andar a reboque da lei, mas também não deve querer impor(-se) à lei, como argumentou mesmo o arcebispo de Braga (e que também criticamos no texto). Dizermos que a despenalização tem lugar não tem nada a ver com a liberalização do aborto, com a corrida desenfreada de todas às clínicas. E dizermo-nos pela despenalização significa também dizermo-nos pelas vidas.

     
  • At 30 de dezembro de 2006 às 10:45, Blogger zazie said…

    ó Miguel: não sejas "vidrinhos".

    Eu não disse nada disso.
    Para começar não disse que o texto estava mal escrito. Quando me referi a demasiado embrulhado em palavras significava isso mesmo: uma série de palavras absolutas que não dizem nem exprimem nenhuma ideia em concreto. E que estão fora do cerne da questão.

    Dei o exemplo dos sermões racistas e xenófobos que não sei a que te referes. Pode ser tudo e pode não ser nada. São palavras. Vazias. Epítetos, etiquetas, arrumações em lugares do mal, facilidades.

    E não vêm ao caso quando estamos a falar de uma Igreja que possui hierarquias e textos oficiais.

    2- "que acha que outros temas de defesa da vida nem deviam ser falados."

    Eu não acho nada. Já expliquei no post acima. O que penso é que não se tem de confundir os campos: uma directiva da hierarquia católica acerca do aborto não é trabalho de campo dos leigos.

    E ainda bem que existem todos e cada um no seu galho. (e não abordei esta questão por me parecer tangencial e independente do sentido do referendo, do ponto de vista cristão ou católico- para isso existem as assistente sociais e todas essas organizações leigas).

    3- Quanto ao Policarpo apenas li o texto inicial e referi-o de forma simbólica. Na prática, até me estou um bocado nas tintas para o que diz o Policarpo, lá por ser o Policarpo. Mas gostei daquele texto por ser extremamente inteligente.

    4- "A Igreja não tem de andar a reboque da lei, mas também não deve querer impor(-se) à lei

    Este é que é o verdadeiro dilema da questão. E este ponto é que valia a pena debater. O Tim já o foi fazendo. A posição dele é das mais inteligentes.

    Pela minha parte não tenho certezas. Por uma razão compreensível- não vivo a religião como v.s. Estou sempre com um pezinho de fora. Só sou capaz de formular as questões em termos teóricos e abstractos. E, nesse caso, já apontei as vantagens e desvantangens do texto inicial do Policarpo (o único que importa, para o caso. O único que conheço).

    Mas admito que, como cidadãos, todas as pessoas se possam sentir divididas nesta matéria. Por isso, acho que vou abusar da v.a casa e postar aqui o tal texto verdadeiramente humano do Macguffinho.
    Vou ver se encontro.

     
  • At 30 de dezembro de 2006 às 10:49, Blogger zazie said…

    Só uma nota: o dilema da Igreja andar a reboque do Estado, ficar de fora, ou continuar a fazer as suas "pressões" é um dos aspectos mais importantes dos nossos tempos. E não diz apenas respeito à Igreja. Por mim, assim à primeira, estou pela terceira opção.
    E até vou chatear com mais uma boca reaccionária: é a posição, bem inteligente, do Sarkozy (que poderá ser um tosco, que isso não sei,nem tenho complexos; mas sei o que escreveu no último livro, e aí estão ideias muito respeitáveis)

     
  • At 30 de dezembro de 2006 às 10:59, Blogger zazie said…

    Já agora, para responder às tuas perplexidades sintetisadas nesta frase: "se a moral sexual entender o prazer como central, se, se,...

    Mas essa foi a Igreja que me diz alguma coisa, ainda que em termos de ficção- a Igreja medieval. E era precisamente por compreender todo o pecado que se modo mais absoluto ditava as condenações.

    Foi isso que o Samuel Úria disse, no tal poste do "vómito". Eu também prefiro esse tom de alto contraste às "águas lamacentas" da concórdia a dar para o laico.

    Por isso é que sou uma pré-trentina
    ":O))))

     
  • At 30 de dezembro de 2006 às 11:11, Blogger zazie said…

    aqui fica o texto do Macguffinho:
    ........
    O ABORTO. ÚLTIMAS CONSIDERAÇÕES
    (actualizado)
    Criou grande celeuma (ok, estou a exagerar) a minha afirmação de que era favorável à descriminalização do aborto, embora contrário à sua despenalização. O assunto foi comentado aqui e aqui, por exemplo. À conta dessa afirmação recebi, também, algumas missivas algo inflamadas (a inflamação é reacção recorrente), no meio de outras bem mais interessantes. Em suma: levei porrada de ambos os lados da barricada – se é que podemos colocar a questão recorrendo a esta terminologia marcial. Seja como for, cumpre-me colocar os pontos nos is. Pela última vez.

    Para que conste, condeno a prática do aborto. Por princípio, sou contra a sua legalização. Não posso aceitar que o aborto venha a ser banalizado, tornando-se a saída mais fácil para a desresponsabilização de uns e o facilitismo de outros. Assusta-me a leviandade dos jovens nesta matéria, olhando o aborto como um mero método contraceptivo de último recurso. Ou seja, como tábua de salvação face à desatenção, ao facilitismo e à falta de responsabilidade. Contudo, pior ainda é a irresponsabilidade dos adultos na educação dos seus filhos e na sua própria conduta. Irrita-me a forma como em Portugal se tenta mascarar a questão essencial – a da gravidez não desejada - optando-se por uma solução de recurso a jusante. Ninguém parece interessado em, primeiro que tudo, minimizar o problema por via das únicas soluções duradouras e inócuas do ponto de vista moral (planeamento familiar, diálogo e educação). Poder-me-ão dizer: uma coisa não invalida a outra. E eu respondo: viveremos nós na Suécia? Não viveremos nós num país onde se usa e abusa do recurso a soluções de remendo, relegando as verdadeiras soluções - que passam pela prevenção - para as calendas gregas?

    Sei que a prática do aborto nunca será erradicada. Sei que será minimizada sobretudo por via da educação sexual, do planeamento familiar, da pregação moral e da manutenção de um canal aberto de comunicação entre pais e filhos. E entre adultos. Mas também sou dos que acreditam que a lei tem um poder dissuasor que não pode ser menosprezado. Ou seja, a existência de uma lei que proíba o aborto desencoraja a sua prática. Ao colocar sobre essa questão um estigma de infracção/punição, está-se a enviar um sinal inequívoco para a sociedade: é errado abortar. Neste contexto, há quem consiga separar a questão legal da questão moral. Há quem afirme, e com razão, que “moral e lei são planos diferentes”. Mas eu não posso esquecer que são planos que se entrecruzam. Não são dimensões estanques. A lei (latu sensu) reflecte invariavelmente preceitos de ordem moral. Poderá a lei ser boa e útil menosprezando qualquer tipo de aspiração moral correcta?

    Mas para quê, então, uma lei que ninguém respeita? Para quê proibir uma prática que, nalguns casos, é levada a cabo por razões moralmente válidas? Está assim justificada a sua legalização, descriminalização e/ou despenalização? A meu ver não. Recorro a um exemplo retórico: há quem roube por razões moralmente aceitáveis – de subsistência, por exemplo; há quem infrinja o código da estrada por motivos justificados – o limite de velocidade em caso de emergência médica; há, ainda, quem fuja ao fisco – por exemplo para não despedir pessoal ou para poder pagar ordenados. Mas as regras proibitivas subsistem. O plano moral cruza-se com o legal, obrigando a que a lei perdure no tempo e reflicta a ordem moral vigente. Esta conclusão desmonta um dos argumentos dos que são favoráveis à despenalização do aborto. Porque mesmo que se identifiquem razões válidas para justificar o crime ou a infracção, isso não implica que se tenha de aligeirar a lei ou simplesmente suprimi-la. Do ponto de vista do «confronto» legalidade vs moralidade, a grande questão que se deve colocar é esta: a sociedade portuguesa deve, ou pode, continuar a categorizar a prática do aborto (sendo certo que, à partida, ela é condenável) como um crime? Dito de outra forma: será o aborto moralmente tão condenável que se deve tipificar legalmente como crime? O sinal a ser enviado à sociedade, no que respeita à condenação da prática do aborto, deve ser assistido por uma norma legal que puna com pena de prisão quem o pratique?

    Nesta matéria, não alinho em fundamentalismos. Da mesma forma que detesto o fundamentalismo “na-minha-barriguinha-mando-eu”, detesto o fundamentalismo “mulher-que-aborta-deve-ser-presa” ou “mulher-que-engravide-mesmo-por-violação-não-pode-abortar”. Entendo que há casos em que se justifica o aborto - já, aliás, contemplados na lei. Por outro lado, como já afirmei noutras ocasiões, sou solidário com algumas mulheres e não posso estar ao lado dos "idiotas da objectividade" (perdoar-me-ão a expressão) que as pretendem sumariamente ver presas. Assim como não posso concordar com o aborto numa fase avançada. Existe, para mim, um point of no return nos casos ditos «normais». Mas a questão fundamental que sustenta a minha posição parte de um exercício de suposição.

    Tenho uma filha com 7 anos. No seguimento do que tenho sido como pai (com todos os defeitos e qualidades), pretendo continuar a educá-la convenientemente (ou o melhor que sei). Com o avançar da idade dos porquês, pretendo informá-la de tudo. Pretendo prepará-la para a vida, tal qual ela é. Mas coloco, muitas vezes, esta questão: quem me garante que, mesmo com toda a informação, formação, compreensão, etc.; mesmo com todo o tipo de avisos que lhe possam ser enviados e por ela assimilados; quem me garante, dizia, que um dia ela não seja alvo de uma gravidez indesejada? Então, coloco as seguintes hipóteses: imagina que a tua filha aparece grávida aos quinze ou aos dezasseis anos; imagina que ela não quer ter esse bebé; imagina que o namorado também não quer assumir a paternidade; ou seja, imagina que a tua filha, aos quinze ou dezasseis anos, se vê na circunstância de ter de decidir – pela sua cabeça e com a ajuda dos pais - o destino de uma gravidez para a qual ela não está minimamente preparada e que porá em risco projectos legítimos de uma jovem de quinze anos. Estarei assim tão seguro e convicto ao ponto de permitir que a sua juventude seja «ceifada» por culpa de uma gravidez indesejada? Serei capaz de a «obrigar», mesmo contra a sua vontade, a ter esse filho? Serei capaz de permitir o recurso ao aborto? A todas estas questões, respondo: não sei. A verdade é que, hoje, não sei se permitiria o aborto, não sei se uma gravidez indesejada na juventude “ceifaria” alguma coisa, não sei se esse filho seria uma tragédia ou, pelo contrário, uma dádiva. Sinceramente, não sei. Mas, se permitisse o aborto (e eu coloco essa hipótese), a minha filha deveria ir presa? Aceitaria e consideraria essa punição como razoável, apropriada, proporcional?
    Perceberão agora porque é que, na questão do aborto, não consigo deixar de me contradizer? Perceberão agora porque é que, ainda que inconsistentemente, sou contrário à despenalização e, ao mesmo tempo, não consigo apoiar a criminalização?
    ..............

     
  • At 30 de dezembro de 2006 às 14:05, Blogger zazie said…

    Mas quanto a "racismos" e dogmas de "acolhimento samaritano" por acaso até tive ontém à noite um bom exemplo.

    Uns sacanas de uns brasileiros que desataram à pedrada à minha janela e que queriam arrombar a porta. E bem que podia ficar à espera da polícia- só para atenderem o telefone foi perto de 1/4 de hora.

    E perguntaram logo se, por acaso, eles ainda aí estavam para saberem se valia a pena mandarem o carro.

    Está-se mesmo a ver que eu ia abrir a janela para apanhar um pedrada e confirmar pelo telefone que ainda cá estavam.

    Isto não é racismo nem falta de samaritanismo: isto é pura e simplesmente o resultado prático de tanto preconceito esquerdalho que não entende que escancarar as portas é que abrir todos os pretextos para o racismo.

    Eu disse "os sacanas dos brasileiros". Nunca me lembro de ter proferido em toda a minha vida frase idêntica. Sempre foram os "brasucas". Mas se tens uns vândalos desalmados que estão a mais em terra alheia; se tens problemas sociais e um brasileiro, ou negro, ou um ucraniano, o raio que o parta, te ameaça a liberdade, meu caro, então as palavras não são nada, são um mero escape, porque a grande vítima és tu.

    E a culpa disto, meu caro Miguel, não é de padres, nem de preconceitos, nem de xenofobias: é de um cambada de irresponsáveis que vivem de palavras.
    E que as usam como novilíngua na última reminiscência da trampa do totalitarismo esquerdalho.

     
  • At 30 de dezembro de 2006 às 14:07, Blogger zazie said…

    Já agora, se algum de v,s souber onde se podem comprar soqueiras e "fura-rabos" fico agradecida.

    A chatice é que agora nem na feira-da-ladra se consegue encontrar um simples uténsílio de defesa pessoal. Porque agora é tudo politicamente correcto e os chuis deram em delegados de "relações públicas".

     
  • At 30 de dezembro de 2006 às 14:26, Anonymous Anónimo said…

    Não há cá vidrinhos, ironizava com os tons de "ataque" ao texto. E discordo, mais uma vez, cada uma daquelas palavras tem um significado preciso, concreto, defeito nosso de nos atermos às palavras para explicar as ideias.

    Duas notas, apenas.
    1. «E não vêm ao caso quando estamos a falar de uma Igreja que possui hierarquias e textos oficiais». Pois é, cara Zazie, a eclesiologia definida pelo Vaticano II define que não há hierarquias, mas (simplifiquemos) todos iguais. Se quiseres: não há hierarquia moral ou autoral para ditar «uma directiva». Os dogmas são poucos e importantes e de outra ordem, de outra grandeza, não me atrapalho com estas «directivas» menores, acerca do aborto ou de outras. Agora dizer que «uma directiva da hierarquia católica acerca do aborto não é trabalho de campo dos leigos» é negar o ser-se cristão (para mim, para muitos, não quero ofender outros aqui da casa). O cristão mete as mãos na massa, trabalha-a, cresce com ela, vive nela. Não há galhos quando se é.

    2. «Eu também prefiro esse tom de alto contraste às "águas lamacentas" da concórdia a dar para o laico.» Outra confusão dos dias de hoje: a laicidade é a condição própria do leigo, do que não é ordenado (sacerdote, pastor, religioso). Logo: a minha condição de leigo (laico, como lhe chamam) é a de alguém que prefere o "alto contraste" no que merece o contraste: por que carga de água procurar o entendimento com os outros é entrar nas "águas lamacentas"?! Isto separa-me radicalmente das visões separatistas de muitos cristãos: eu estou no mundo, sou do mundo, não vivo fora dele, enclausurado numa redoma a que chamo Igreja, e onde tudo o que seja possibilidade de entendimento com o que está de fora é infecção. As minhas águas fundem-se como as do rio e do mar, sem lamas, sem vómitos.

    3. «sermões racistas e xenófobos que não sei a que te referes. Pode ser tudo e pode não ser nada. São palavras. Vazias. Epítetos, etiquetas, arrumações em lugares do mal, facilidades.» Não é vazio, nem é nada: um padre não deve lançar o estigma sobre os ciganos ou atacar os sacanas dos brasileiros ou lançar ataques xenófobos contra chineses. Já ouvi todas estas afirmações, nos altares. Mas deve ser da minha condição de lamacento ou razoavelmente mais ou menos: a migração deve ser possível, sem fronteiras, como foi sempre. Não é trauma ou totalitarismo esquerdalho, é perceber que a criação é única e de todos, não apenas de uns quantos que tiveram a sorte de nascer na Europa ocidental e não no corno de África. Mas isto é outra matéria, mesmo. Mas também é matéria de defesa da vida, de alto contraste, em que recuso as águas lamacentas do vão para a vossa terra!

     
  • At 30 de dezembro de 2006 às 17:47, Blogger zazie said…

    Miguel, Miguel, voltaste a não perceber grande parte do que eu escrevi.

    Estou sem tempo (tenho ali os chocolates a olharem para mim) mas aqui vai.

    1- Eu não disse que não é trabalho para leigos. Disse o contrário- que é trabalho para leigos. Quero dizer que as coisas não se misturam. A Igreja tem um série de agregações paralelas onde se pode fazer todo esse trabalho de campo. E fazê-lo não obriga a alterar os dogmas.

    O que está errado é entender-se um interdito da Igreja como se fosse um interdito da lei. Com consequências idênticas. E não é. Tal como não somos governados por uma Igreja que tivesse de substituir o estado nas campanhas de preservativo e educação sexual que deveria competir a este.

    O teu problema é juntares tudo num e atribuires responsabilidade de condenação de consciência a quem tem, por natureza, a obrigação de condenar os pecados de consciência. E só afecta quem os leva à letra. Só afecta os crentes e mesmo assim com possibilidade de pecado e arrependimento.

    2- As águas lamacentas referem-se a uma corrente de católicos que mais deviam ser evangélicos. Sorry mas é isso que penso.

    Querem ter as duas coisas na mão: o Vaticano e o Mundo. E não é possível. E eu, prefiro a Instituição a resistir ao Mundo. E ao tempo, e à condenação natural a que os novos tempos tendem a empurrar toda a falta de valores e sentidos.

    3- Eu também acho que um padre não deveria ser anormalzinho a aproveitar o sermão para fazer política. Mas esse é um problema da Igreja moderna. E eu sou pela Igreja Medieval antes do sermão. E, de preferência em latim
    ehehehe

    Mas a Igreja é o mundo e a sociedade e o pecado, a burrice, a falta de tacto, são apanágios da condição humana. Um padre é humano. Se for burro é humano burro, mas continua a ser humano, antes de ser padre. E a burrice não faz parte dos códigos da Instituição. Não existe uma única Encíclica em que se defenda a xenofobia.

    E, as pessoas, se não entendem isto, e precisam de desculpas para tudo, então até estão bem para o padre burro.

    Quanto ao resto de "vão para a vossa terra" é mesmo assim que penso, em termos políticos. Porque o negócio do "carvão do porão" dos tempos modernos é coisa bem mais asquerosa a que os complexos das políticas de esquerda dão o aval.

    E eu sou pela prevenção. Também gosto muito de dançar com toda a malta no Carnaval de Notting Hill. Ou por cá, nos Santos Populares e na passagem de Ano no Terreiro do Paço. Mas, se for preciso, lá fora, também chamamos a Scotland Yard quando andam Yobs à porta, daqueles da trampa dos grafitti, que em 3 tempos despacham um cidadão pacato com uma naifada.

     
  • At 6 de junho de 2018 às 02:07, Blogger jeje said…

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