sábado, dezembro 02, 2006 |
Dona nobis pacem |
Em tempos fui ateu. Talvez isso explique a simpatia inconsciente que tenho por eles (nunca fui protestante). No fim da adolescência li alguns livros que contribuíram para o progressivo abandono do ateísmo. Curiosamente, foi um escritor ateu (ou pelo menos dizem que o era) que muito contribuiu para esse afastamento : John Steinbeck. Ainda agora o considero como o maior escritor que alguma vez existiu. Outro foi o escritor católico Graham Greene.
Num ensaio de 2002, «Consciousness and the Novel», David Lodge (outro escritor católico) escreve a propósito de Green:
"Os romances mais poderosos de Green são aqueles em que o autor implícitamente se identifica com os personagens que transgrediram os limites da sociedade civilizada e que são torturados por uma angústia moral e metafísica. Ele conduz-nos ao interior do seu espírito no estilo indirecto livre mas confere-lhes um pouco da sua própria eloquência utilizando assim os privilégios do narrador omnisciente tradicional. Por exemplo, eis uma passagem que diz respeito a um adolescente católico e fora da lei, Pinkie Brown, em 'Brighton Rock' (traduzido em português como 'A inocência e o pecado'). Ele conduz a inocente e muito crente Rosa a concluir o que ela pensa ser um pacto suicidário, mas que ele conta na realidade transformar em assassínio para cobrir os traços de um crime anterior:
- 'O carro avançou para a estrada principal na direcção de Brighton. Uma imensa emoção pesava sobre ele. Era como qualquer coisa que tentasse entrar no seu intímo, como a pressão de asas gigantescas contra o pára-brisas. «Dona nobis pacem». Ele resistiu com toda a força desesperada do banco de escola, do pátio de cimento, da sala de espera de St. Pancras, da luxúria secreta de Dallow e Judy e daquele momento de adversidade no frio cruel do molhe. Se o vidro se quebrasse, se o animal desconhecido entrasse, sabe Deus o que ele não faria! Pinkie tinha uma impressão de um imenso massacre — a confissão, a penitência e o sacramento — um momento de afastamento fúnebre, e guiava às cegas debaixo da chuva'"
timshel |
posted by @ 8:10 da manhã |
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15 Comments: |
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ops
vou já corrigir :)
timshel
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ehehe que engraçado. Nunca imaginei que se pudesse nascer ateu. Estava convencida que se nasceria agnóstico e só depois é que se tinha fé para um lado ou para a sua negação.
Mas ainda achei mais curiosa a possibilidade de se chegar à crença pela literatura.Há mais quem fique ateu por ela.
Não estou a brincar. Estou a falar a sério. Ainda que isso me ultrapasse.
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Digo o mesmo que a Zazie...normalmente sucede ao contrário. É curioso...
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É mesmo muito curiosa esta possibilidade. Porque o Tim dá o exemplo da literatura e dos problemas de consciência e nem diz que foi pela leitura das Sagradas Escrituras.
É curioso, porque a sensibilidade e a estética aproximam-se do sagrado mas geralmente pensa-se no que os olhos vêem e não no que lêem.
E o Tim tem uma grande desconfiança em relação ao efeito das imagens. Tal como o S. Bernardo ehehehe
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mas está claro que não nasceu ateu- aí estava-me a meter com ele ";O)
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aqui fica uma ilustração da ideia:
O Guardador de Rebanhos V Há metafísica bastante em não pensar em nada.
O que penso eu do mundo? Sei lá o que penso do mundo! Se eu adoecesse pensaria nisso.
Que ideia tenho eu das coisas? Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos? Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma E sobre a criação do Mundo? Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos E não pensar. É correr as cortinas Da minha janela (mas ela não tem cortinas).
O mistério das coisas? Sei lá o que é mistério! O único mistério é haver quem pense no mistério. Quem está ao sol e fecha os olhos, Começa a não saber o que é o sol E a pensar muitas coisas cheias de calor. Mas abre os olhos e vê o sol, E já não pode pensar em nada, Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do sol não sabe o que faz E por isso não erra e é comum e boa.
Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores? A de serem verdes e copadas e de terem ramos E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar, A nós, que não sabemos dar por elas. Mas que melhor metafísica que a delas, Que é a de não saber para que vivem Nem saber que o não sabem?
Constituição íntima das coisas "... "Sentido íntimo do Universo" ... Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada. É incrível que se possa pensar em coisas dessas. É como pensar em razões e fins Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.
Pensar no sentido íntimo das coisas É acrescentado, como pensar na saúde Ou levar um copo à água das fontes. O único sentido íntimo das coisas É elas não terem sentido íntimo nenhum.
Não acredito em Deus porque nunca o vi. Se ele quisesse que eu acreditasse nele, Sem dúvida que viria falar comigo E entraria pela minha porta dentro Dizendo-me, Aqui estou!
(Isto é talvez ridículo aos ouvidos De quem, por não saber o que é olhar para as coisas, Não compreende quem fala delas Com o modo de falar que reparar para elas ensina).
Mas se Deus é as flores e as árvores E os montes e sol e o luar, Então acredito nele, Então acredito nele a toda a hora, E a minha vida é toda uma oração e uma missa, E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.
Mas se Deus é as árvores e as flores E os montes e o luar e o sol, Para que lhe chamo eu Deus? Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar; Porque, se ele se fez, para eu o ver, Sol e luar e flores e árvores e montes, Se ele me aparece como sendo árvores e montes E luar e sol e flores, É que ele quer que eu o conheça Como árvores e montes e flores e luar e sol.
E por isso eu obedeço-lhe, (Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?), Obedeço-lhe a viver, espontaneamente, Como quem abre os olhos e vê, E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes, E amo-o sem pensar nele, E penso-o vendo e ouvindo, E ando com ele a toda a hora.
Fernando Pessoa
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zazie
estou com muito pouco tempo
ainda por cima a tua ideia do bébé ateu talvez mereça um post e não uma simples resposta num comentário :)
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ahahaha o bébé ateu. Digo cada disparate sem dar por isso
":O))))
O bébé ateu é um endemoninhado que dá más noites
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zazie said... " Mas ainda achei mais curiosa a possibilidade de se chegar à crença pela literatura.Há mais quem fique ateu por ela. "
Bem, eu não vejo onde esteja o espanto, o escritor e " BEN-HUR " converteu-se atrave´s das leituras
Iden para o C. S. Lewis
MAs o q é assa curiosos é q alguem se converta sem ser pelo testemunho da biblia, lida ouvida exemplificada na vida de alguem proximo...
Quer dizer é possivel haver um cristão sem a BIBLIA ?
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Não é sem a Bíblia, David Cameira. É para além da Bíblia.
CC
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Bem... para isso era preciso saber-se o que se entende por conversão.
Sentir o sagrado, ter a noção dele e até de Deus (mas de forma muito intermitente e leve) tenho eu. E não foi por qualquer formação religiosa, ainda que tenha lido a Bíblia, por curiosidade, em miúda.
Agora a fé de que v.s falam não sei. Não sei mesmo se falam do mesmo que eu, com mais entusiasmo e credulidade (por maior tendência espiritual) se falam de outra coisa que desconheço.
E acredito que isto depende da tal formação em muito jovem. Ou então de casos de passagem da negação para a crença. Mas para isso foi preciso ter "um problema religioso". E, nesse aspecto, desconheço. Porque, para mim, a ideia de sagrado está mais próxima da do Alberto Carneiro. Não está apenas nesse "panteísmo natural", é claro. Se estivesse era budista e isso não me agrada nada.
Está também na lei moral. Mas se ficasse por aí, podia ser protestante. E não sou.
Porque, depois, há a história da Igreja e toda a tradição cultural e as igrejinhas e a arte que só por si devem ter uma resposabilidade de uns 70 a 80% no meu catolicismo ";O) Por isso é que não tenho a menor simpatia pelo ateísmo militante.
Se o ligar ao jacobinismo então, até sou capaz de acreditar no demo
":O)))
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Mas tenho ideia que nenhum religioso (padre ou algo idêntico) aceita esta possibilidade de ligação à religião Católica (e um pastor protestante também não) hão-de querer que se vá mais longe e se passe ao tal estado de fé, porque acham que isto é fantasia estética.
Pior, dá-me ideia que alguns até pensam que é a posibilidade de se estar para além da fé e em Deus, ao mesmo tempo.
Mas há lei moral, o sentido de pecado, o sentido de sagrado e o respeito. O que é capaz de não existir é a tal veneração ou adoração, ainda que se possa rezar. Uma vez falei destas coisas com o David Lynch e cheguei à conclusão que o caso dele ainda é mais exótico que o meu
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