A humildade da incarnação, que se mostra de imediato no nascimento no estábulo – é pura verdade vital. Não se trata de nascer no desfalecimento da vida. Esta pequenez, é a força real da vida. É por essência, e não por condicionamento e frustração, que Deus é humilde. Trata-se duma das dinâmicas do amor divino: dar-se até ao fim. Assim é a relação interna da trindade divina, e daí o transbordo para a criação. Deus não se retém: é doação pura, até ao aniquilamento. E esse aniquilamento é vida em abundância, é fundamento e fonte, é o minúsculo indício que em tudo o que há o faz precisamente – haver.
A verdade da existência mostra-se no despojamento e nudez, e não nos aparatos de grandeza. É nesse sentido que o seu reino não é deste mundo, e como poderia sê-lo? As potências do mundo são separação, máscara e ilusão – quando tomadas como verdade fundamental. É no útero da vida e no leito da morte que se configura a existência. A doação irrestrita não faz contas, e assim o amor cobre a multitude dos pecados, liberta de imediato qualquer um, seja qual for o tamanho da sua desorientação. Só conta até um – total e absolutamente um. Duma vez e de imediato. Sempre e em toda a parte. A trindade divina não é Zeus irado na sua grandeza, à espera que as dores e as lágrimas lhe satisfaçam uma justiça quantitativa, distributiva. Faz suas as dores e lágrimas, e os risos e as esperanças, numa unidade que os extremos reúne. E nunca desespera, porque nada espera e tudo entrega. Não se trata mesmo de pagar a conta na mercearia divina. Deus não é um cobrador de impostos, e a sua aliança não é um contrato de interesses próprios e fechados. Um criador de talião, eis a inversão natural do amor sobrenatural, que sendo pura e absoluta dádiva, exige na sua comunhão – que sejamos também pura dádiva. Ou se preferirmos, a demonização contratualista e contabilística – é a resistência espontânea à inversão de valores que o cristianismo veio deflagrar. Este é o sacrifício – de si próprio, em dádiva e doação. Só a pura dádiva faz sagrado. Porque só a pura dádiva tudo recebe – precisamente no mesmo movimento em que tudo dá. Todo de mim a ti te entrego, e em ti te recebo. De outro modo, está-se na fantasmagoria, na fantasia de ti que se constitui na distância de mim. Ou doutro modo: na idolatria, na representação contemplada que não se vive e mata. A amada na torre, é a morte do amado, e o dragão - é o rosto dessa morte. E todo o resto, por muito barulho e resplendor, por muito fulgor e adoração, por muita palavra e convicção, na verdade – não passa de medo e solidão.
vítor mácula
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A Palavra não ensina a abébia, mas o perdão.
Se nos ficarmos por uma dádiva cega, sem a cobração de justiça que julgo aqui pores de lado, ficas com um cristianismo sem cruz, um Jesus sem ser Cristo.
Ficas com um islamismo.
Como disse o profeta Isaías, 'Ao Senhor agradou moê-lO'. E quando o Filho bebeu do cálice da santa ira, estava a resolver a seguinte busílis:
'Se Deus é santo e amoroso, como pode justificar o homem injusto e criminoso e continuar logicamente justo na Sua misericórdia? E que amor haveria no esquecimento do mal genocida, do flagelo pedófilo, no holocausto da corrupção? Que juíz perdoa todo este pecador e o iliba com total desdém pela dor dos vitimados?'
E ainda a maior vítima, Vítor, é Deus. E apenas por não nos ser conveniência antropocêntrica admitir que a ofensa do pecado contra o Senhor é mais grave que todo o sofrimento humano, não devemos excomungá-la da perfeição do eterno conselho da Trindade, que lemos na Escritura Sagrada. Ai do homem que nega a Páscoa; que a agonia do Inferno é justa; e o terror da Cruz, justificante!
Quem não reconhecer a ira de Deus por justiça satisfeita em Cristo crucificado, irá reconhecê-la como aplacada em si, lá onde haverá pranto e ranger de dentes.
Seria prazeroso à minha carne pregar algo menos ofensivo e digno de martírio romano, mas é este o Evangelho, em que não me envergonho, como os apóstolos, que no-lo delegaram assinado no sangue das suas mortes.
Nada faz Cristo mais sagrado que conhecer o Seu calvário, onde Ele se tornou a maldição que eu sou a Deus, que o teve por mim para ser justo em condenar-me, e misericordioso em perdoar-me. Assim é para o povo escolhido de Jesus, por quem deu a Sua vida.
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SOLI DEO GLORIA