sexta-feira, fevereiro 15, 2008
coisas simples e pequenas
Caro Tiago, à laia protestante, comento em forma de poste. Ou seja, "agora que já me mostraste onde posso ler o catecismo da minha própria igreja" (na sua versão inglesa e, na verdade, apenas o seu compêndio), respondo de forma muito incompleta à tua "pergunta de base":

Não, não é verdade. Ou será parcialmente verdade, mas apenas tal como acontece nas outras igrejas, congregações, movimentos, partidos políticos, associações, o que seja. Parece ser um problema bizarro para quem apenas responde directamente a Deus (ou o que entende ser Deus num determinado momento) e tem uma fé individualizada sem outro ancoradouro que não uma leitura acrítica de um livro onde julga estar aprisionada toda a palavra de Deus quando não o Próprio.

Mas a vida tem mais cores. Muitos casais católicos (a maioria, admite-se) não cumprem os conselhos normativos (quase técnicos) da Igreja quanto aos métodos de contracepção mas não o fazem porque, de acordo com a sua consciência, iluminada pelo Espírito Santo, e muitas vezes depois de aconselhamento espiritual, decidem não o fazer. Contrariam as disposições técnicas do Catecismo (versão compêndio)? Talvez. Mas, ainda assim, não nos precipitemos: leia-se com cuidado o que diz o mesmo:
«2368 Peculiaris huius responsabilitatis ratio ad procreationem regulandam refertur. Coniuges, iustis de causis, possunt suorum filiorum procreationes intervallis separare velle. Ad eos pertinet comprobare eorum optatum ex caeco sui amore (ex «egoismo») non promanare, sed illud iustae generositati paternitatis responsabilis esse conformem. Praeterea suum agendi modum secundum criteria moralitatis regulabunt obiectiva: “Moralis [...] indoles rationis agendi, ubi de componendo amore coniugali cum responsabili vitae transmissione agitur, non a sola sincera intentione et aestimatione motivorum pendet, sed obiectivis criteriis, ex personae eiusdemque actuum natura desumptis, determinari debet, quae integrum sensum mutuae donationis ac humanae procreationis in contextu veri amoris observant; quod fieri nequit nisi virtus castitatis coniugalis sincero animo colatur”.»

Vês, Tiago?
É claro que o ponto 2370, na sequência da nefasta encíclica Humanae vitæ, e reafirmada pela exortação apostólica Familiaris consortio, vem dizer que «Continentia periodica, methodi ad procreationem regulandam fundatae super auto-observationem et recursum ad periodos infecundas, sunt criteriis obiectivis moralitatis conformes. Hae methodi corpus verentur coniugum, teneritudinem promovent inter eos et educationi favent authenticae libertatis. E contra, est intrinsece malus quivis «actus qui, cum coniugale commercium vel praevidetur vel efficitur vel ad suos naturales exitus ducit, id tamquam finem obtinendum aut viam adhibendam intendat, ut procreatio impediatur: Naturali verbo, quod reciprocam plenamque coniugum donationem declarat, conceptuum impeditio verbum opponit obiectivae contradictionis, videlicet nullius plenae sui donationis alteri factae: hinc procedit non sola recusatio certa ac definita mentis ad vitam apertae, verum simulatio etiam interioris veritatis ipsius amoris coniugalis, qui secundum totam personam dirigitur ad sese donandum. [...] Discrimen anthropologicum simulque morale, quod inter conceptuum impeditionem et observationem intervallorum temporis intercedit [...], implicat duas personae ac sexualitatis species, quae inter se nequeunt conciliari».
Mas o essencial aqui, como em qualquer situação de natureza moral, são os ditâmes das consciências dos esposos, iluminadas pelo Espírito, no seio de uma vivência conjugal que se crê ser um reflexo do amor divino.

É claro que é mais fácil apontar o dedo. Tanto mais fácil quando nem se coloca a hipótese de se viver a sexualidade sob a forma de uma relação matrimonial católica.
E nada disto tem a ver com uma "vivência intelectualizada" do catolicismo, seja lá o que isso for. É precisamente o contrário. Trata-se de uma vivência completa, do intelecto, do coração e da carne. É o intelectualismo que faz discorrer grave e definitivamente sobre a condição alheia, ao ponto de diferenciar, para efeitos de regulamentação da moral sexual na constância do matrimónio, a legitimidade do uso do termómetro ou da análise dos mucos vaginais em detrimento da utilização do látex.

Mas, summo rigore, nem posso falar com propriedade sobre o assunto: não sou casado.

Carlos Cunha
posted by @ 4:22 da tarde  
16 Comments:
  • At 15 de fevereiro de 2008 às 18:37, Blogger Luís Sá said…

    Essa agora, então é preciso ser casado para falar sobre o assunto? Não têm os celibatários iguais desafios?

    Desculpa lá Carlos sempre que se vem com essa da "consciência do indivíduo" é porque se quer contornar o problema. O nosso Papa tem aliás um excelente ensaio publicado sobre a consciência usado numa workshop do "national catholic bioethics center" sobre o que realmente é a consciência individual. E isto é muito simples (digo eu agora, não o Papa), das duas uma, ou a Igreja anda a colocar pesados fardos na vida das pessoas sem os tocar com um dedo e então somos todos uma cambada de fariseus e temos que remediar a situação ou então é possível viver segunto as normas da Igreja e falta-nos é a coragem de o fazer.

    Já está a fazer falta o nosso blog católico :P

     
  • At 15 de fevereiro de 2008 às 18:42, Blogger Tiago Oliveira said…

    Caro CC,
    tenho pena (e não estou a ser cínico) que depois de teres postos os pés pelas mãos tentes desculpar-te. No entanto, mais uma vez, "atiras para canto".

    Vamos por partes:
    1- Onde é que comentei em forma de post? Em nenhum lado. Até agora só falei do assunto em comentários.

    2- As citações que colocas (lá fiz o favor de ir buscá-las na lingua de Camões) não anulam o resto do ensino da santa madre. Mais uma vez cito o compêndio de que falas (agora em português):

    "497. Quando é que a regulação dos nascimentos é moral?

    A regulação dos nascimentos, que é uma componente da paternidade e maternidade responsáveis, é objectivamente conforme à moralidade quando é realizada pelos esposos sem imposições externas, nem por egoísmo, mas com base em motivos sérios e o recurso a métodos conformes aos critérios objectivos da moralidade, isto é, com a continência periódica e o recurso aos períodos infecundos.

    498. Quais os meios imorais na regulação dos nascimentos?

    É intrinsecamente imoral toda a acção – como, por exemplo, a esterilização directa ou a contracepção – que, na previsão do acto conjugal ou na sua realização ou no desenvolvimento das suas consequências naturais, se proponha, como objectivo ou como meio, impedir a procriação."

    Basicamente o que a santa madre diz é que, obviamente, vivemos em novos tempos e que as famílias se organizam de forma diferente do que antigamente. Logo que é legítimo fazer um planeamento familiar de forma a regular a concepção.

    No entanto, caro amigo, não sou eu que o digo, é a tua igreja: regular a natalidade através de métodos "artificiais" é pecado.

    Por isso, quando dizes que "é o intelectualismo que faz discorrer grave e definitivamente sobre a condição alheia, ao ponto de diferenciar, para efeitos de regulamentação da moral sexual na constância do matrimónio, a legitimidade do uso do termómetro ou da análise dos mucos vaginais em detrimento da utilização do látex.", estás a dizer que é a tua igreja que o faz nos seus ensinamentos, dos quais tu discordas abertamente e sem vergonha.

    3- E é neste ponto que está a discussão. Aqui sim o que realmente interessa.

    Voltando à Sra Flannery e para não poder ser impreciso na citação aqui vai de novo:
    "When the Protestant hears what he supposes to be the voice of the Lord, he follows it regardless of whether it runs counter to his church's teachings. The Catholic believes any voice he may hear comes from the Devil unless it is in accordance with the teachings of the Church."

    O curioso nesta citação feita pelo José é que, na prática (e não no discurso teórico), o "anárquico" do protestante dá muito mais importância e respeita muito mais a sua igreja do que o católico.

    E tu acabaste, mais uma vez, por ser a prova disso mesmo. A igreja ensina uma coisa e tu dás-te ao pleno direito de discordar abertamente, quando, na teoria dos caólicos, os ensinos da igreja são os ensinos do próprio Deus.

    Por outro lado, o protestante que não considera a igreja como perfeita e como tal tem a responsabilidade individual de não seguir cegamente seja qual homem for, proclama muito mais as doutrinas da sua igreja do que vocês.

    Mais uma vez, reconheço as excepções, mas são isso mesmo. E não é a mesma coisa do que "acontece nas outras igrejas, congregações, movimentos, partidos políticos, associações, o que seja", porque as outras não defendem que as palavras do partido, associação ou movimento são palavras divinas.

    Aquilo que no fundo quero dizer é que, sinceramente, tomara os católicos do nosso país seguissem os ensinamentos da sua igreja. No entanto, isso é teoria.

    Na vida dia dia-a-dia e em termos gerais, vocês dão-se ao luxo de comer ou não comer o que a igreja ensina, quando ela ensina que têm de comer tudo. Nós dizemos que comemos o que considerarmos que é bom, mas na prática acabamos por comer muito mais que vocês.

    De uma forma simples e clara: eu, ou qualquer outro protestante deste blogue (salvo excepção), percebo e defendo muito mais as doutrinas da minha igreja do que a grande maioria de vocês.

    No entanto, vocês é que acham que os ensinamentos da igreja são os divinos. Roma está sempre na vossa boca, mas quando chega ao momento certo fazem ou pensam o que muito bem entendem.

    Percebes o que quero dizer?

     
  • At 15 de fevereiro de 2008 às 18:48, Blogger Luís Sá said…

    O que o Tiago acaba de escrever é inteiramente verdade, volto a dizer. Com muita pena minha mas é. E fazíamos bem se começássemos por o reconhecer.

     
  • At 15 de fevereiro de 2008 às 18:53, Blogger Luís Sá said…

    Bom excepto a história das "palavras divinas" assim de forma tão directa. Muita coisa na Igreja católica são disciplinas e não doutrina Tiago. As disciplinas têm mudado muito ao longo do tempo e continuarão a mudar e portanto são questionáveis ou debatíveis, o que não quer dizer (e portanto volto a dar-te razão) que não estejamos vinculados a obedecer enquanto estas se encontrarem em vigor.

     
  • At 15 de fevereiro de 2008 às 18:58, Blogger Luís Sá said…

    Há uma compreensão fraca do que significa a infabilidade papal por parte dos nossos amigos protestantes, e do papel da Tradição e do Magistério. O Papa é infalível em matérias doutrinais, e a Tradição é essencialmente um repositório doutrinal (ou seja, coisas como a Trindade ou a Comunhão dos Santos e não "o que eu devo vestir amanhã"). Outras práticas existem que são fundamentalmente disciplinas já antigas como o celibato dos padres no rito latino, o jejum quaresmal (que foi por exemplo substancialmente aligeirado quando do Vaticano II) e outras ainda são normas ainda frescas interagindo com novas realidades (como a da contracepção). Isto não é tudo a mesma coisa Tiago, aí estou com o Carlos, o que não quer dizer que demos o salto fabulástico de curto-circuitar o que vem da Cúria Romana sobre estas matérias e remetermos directamente para a nossa "consciência individual".

     
  • At 15 de fevereiro de 2008 às 19:03, Anonymous Anónimo said…

    Decidir o uso do preservativo por intermédio do Espírito Santo. E uns bons Pai Nosso para preliminares, já agora.

     
  • At 15 de fevereiro de 2008 às 19:03, Blogger CC said…

    Caríssimo Luís, se eu entendesse que aos solteiros não fosse legítimo opinar com propriedade sobre a vida conjugal, eu não o teria feito.

    Mas repara que quem vem com "essa da consciência" é o Catecismo da nossa Santa Madre, quando afirma que compete aos cônjuges, a partir da sua «sincera intenção e da apreciação dos motivos», a par dos tais «critérios objectivos», «conciliar o amor conjugal com a transmisão responsável da vida» (peço desculpa aos leitores por estas citações não estarem em inglês).

    Mas a questão que colocas é muito pertinente. A moral sexual, tal como se encontra expressa na literatura catecumenal (mas não na vida pastoral - e isto é que difícil de explicar aos irmãos protestantes) para casais católicos, é, de facto, um fardo pesado e - parece-me - incoerente.

    Por exemplo, que elaboração teológica permite defender que uma relação sexual entre nubente na véspera do seu casamento seja intrinsecamente pecado e depois da realização do matrimónio passe a ser condição de validade do mesmo? Não aqui falha alguma?

    E a que faz com que seja menos próprio o uso de um preservativo do que o sexo anal, por exemplo?

    E porque razão o método da temperatura é permitido e mesmo aconselhado, mas colocar um pedaço de borracha na pila tem de ser objecto de prévio exame de consciência?
    Não é o primeiro também um modo de evitar a concepção?

     
  • At 15 de fevereiro de 2008 às 19:06, Blogger CC said…

    Caro Tiago,
    a piada de os protestantes comentarem sob a forma de poste não era para ti. Há mais protestantes, mais Tiagos diria, a escrever aqui. Até acho graça a isso.

     
  • At 15 de fevereiro de 2008 às 19:15, Blogger Luís Sá said…

    Questões caríssimo Carlos, questões que teremos que esperar que Roma se pronuncie em formato digital, porque quando Roma locuta causa finita :P

     
  • At 15 de fevereiro de 2008 às 19:23, Blogger CC said…

    Caríssimo Tiago, creio que não ouvirás da boca de nenhum católico que todos "os ensinos da Igreja são os ensinos do próprio Deus".

    E qualquer católico te explicará que não considera a Igreja uma entidade perfeita e que, portanto, cada cristão, seu filho, tem também a "responsabilidade individual de não seguir cegamente" o que ela defende num certo momento - aliás, vejo agora que o Luís já o fez, com a distinção entre doutrina e disciplina.

    Daí que não concorde contigo quando insinuas que a maioria dos católicos deste blogue não percebe nem defende as doutrinas da Igreja. O que acontece é que a maioria destes católicos não percebe nem defende o que tu achas ser a doutrina da Igreja.

     
  • At 15 de fevereiro de 2008 às 19:41, Blogger Luís Sá said…

    CC eu julgo que o Tiago se referia aos católicos em geral mas se calhar estou enganado!

     
  • At 15 de fevereiro de 2008 às 20:09, Blogger Luís Sá said…

    E espera lá que há aqui algumas pequenas (grandes) nuances:

    - Em caso de dúvida em matérias como esta eu obedeço às directivas de Roma ponto final parágrafo. Ninguém me impede de reflectir nelas o quanto quiser, nem de mobilizar gente para o efeito, mas no final de contas se a obediência não for feita disto mesmo, de entregarmos as nossas dúvidas ao Magistério da Igreja, então nada nos destingue dos protestantes e o Tiago tem toda a razão. E isto não pode ser só feito nas coisas bonitas, intelectuais e doutrinais, mas na própria prática e comportamento diário. A obediência é Cristíca porque é uma cruz. Ninguém disse que era fácil, não é suposto ser fácil.

    - Eu considero que os ensinamentos da Igreja católica são os ensinamentos de Jesus Cristo quando falamos de tudo o que é essencial no cristianismo (e definido dogmaticamente).

     
  • At 15 de fevereiro de 2008 às 20:10, Blogger Luís Sá said…

    É que a ideia habitual é "epá este assunto é complicado e nem percebo bem a posição da Igreja portanto deixa-me lá fazer o que muito bem entendo". É isto que o Tiago crítica e repito, com 100% de razão.

     
  • At 16 de fevereiro de 2008 às 00:31, Blogger cbs said…

    Concordo com o que dizes Luis. Eu sou um bom exemplo desse "catolicismo enganador" de que fala o Tiago... infelizmente e por falha minha; como aqueles maridos que dizendo amar a esposa, a vão enganando :(
    Mas ao que me é dado ver, a divergencia entre a doutrina e o comportamento real é o nosso "calcanhar de Aquiles", por ignorancia oupor alheamento cómodo; entre os protestantes parece acontecer o contrário, a assunção da doutrina vivida, parece ser o ponto forte.

    Devo no entanto referir dois ou três pontos, sobre isto:
    a) sociológicamente, uma minoria, que até se sentiu discriminada, naturalmente torna-se mais empenhada, como forma de sobrevivencia.
    b) o comportamento dos fiéis não é um bom testemunho, não atrai e descredibiliza, mas no fundo não põe em causa a essencia doutrinal; põe sim em causa a integridade de quem diz uma coisa e faz outra... a doutrina não sai beliscadapor esse lado.
    c) é preciso ter em conta que há muitos católicos, eventualmente mais em número absoluto (percentualmente é que poderá ser diferente), do que os evangélicos, que são também fiéis ao Evangelho.
    E suscita-se-me aqui a lembrança do que escreveste da América: lá não é diferente o empenho e a vivencia dos católicos?

    Também sigo essa tua ideia de nos reduzirmos aos numeros reais. Dizia há tempos o José, qualquer coisa como: desde sempre, a Igreja ´so cresce e revivifica quando em minoria, quando perseguida, nunca nos tempos em que está instalada.

     
  • At 19 de fevereiro de 2008 às 22:54, Blogger zazie said…

    AHAHAHAHAHAHAHAHAH

    Não resisto, vs. são tão engraçados. Este bacano do CC pespega-lhe com um texto todo em latim e ainda tem o sadismo de acrescentar: Vês, Tiago?
    É claro que o ponto 2370

    ":O)))))))


    ahahahahaha

    E continuou com mais latim a que toda a malta comentou nas calmas

    ":O)))))))

     
  • At 20 de fevereiro de 2008 às 01:40, Blogger zazie said…

    peço desculpa aos leitores por estas citações não estarem em inglês


    ahahahahahahaha

    ainda tive de vir cá rir mais um bocado

    ":O))))))

    Este CC é louco

     
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