segunda-feira, junho 21, 2010
Por capricho irónico do enigmático destino
Em todo o caso não seria justo esquecer as dificuldades dos vivos. É mais do que certo e sabido que a morte, quer por incompetência de origem quer por má-fé adquirida na experiência, não escolhe as suas vítimas consoante a duração das vidas que viveram, procedimento este, aliás, entre parêntesis se diga, que, a dar crédito à palavra das inúmeras autoridades filosóficas e religiosas que sobre o tema se pronunciaram, acabou por produzir no ser humano, reflexamente, por diferentes e às vezes contraditórios caminhos, o efeito paradoxal duma sublimação intelectual do temor natural de morrer. Mas, indo ao que nos interessa, aquilo de que a morte nunca poderá ser acusada é de ter deixado ficar indefinidamente no mundo algum esquecido velho, apenas para se ir tornando cada vez mais velho, sem merecimento ou outro motivo visível. Já se sabe que por muito que os velhos durem, a hora deles acabará sempre por chegar.
(...) Acontece, no entanto, haver processos que, não se sabe por que razão, se aguentam na borda extrema do vazio, insensíveis à última vertigem, durante anos e anos além do que está convencionado ser a duração aconselhável duma existência humana.
in SARAMAGO, J.- Todos os nomes 1998, citado ontem por Claudio Toscani no L'Osservatore Romano
cbs

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posted by @ 12:07 da manhã  
3 Comments:
  • At 21 de junho de 2010 às 14:11, Blogger zazie said…

    Foi um homem e um intelectual de nenhuma admissão metafísica, ancorado até ao final numa confiança arbitrária no materialismo histórico, aliás marxismo", lê-se no artigo.
    "Colocado lucidamente entre o joio no evangélico campo de trigo, declara-se sem sono pelo pensamento das cruzadas ou da Inquisição, esquecendo a memória do 'gulag', das purgas, dos genocídios, dos 'samizdat' culturais e religiosos", acrescenta.
    O texto passa em revista a produção literária do escritor português, qualificando o romance "O Evangelho Segundo Jesus Cristo
    (…)
    Relativamente à religião, atada como esteve sempre a sua mente por uma destabilizadora intenção de tornar banal o sagrado e por um materialismo libertário que quanto mais avançava nos anos mais se radicalizava, Saramago não se deixou nunca abandonar por uma incómoda simplicidade teológica"
    (…)
    Um populista extremista como ele, que tomou a seu cargo o porquê do mal do mundo, deveria ter abordado em primeiro lugar o problema das erróneas estruturas humanas, das histórico-políticas às sócio-económicas, em vez de saltar para o plano metafísico

    (…)
    não devia ter "culpado, sobretudo demasiado comodamente e longe de qualquer outra consideração, um Deus no qual nunca acreditou, através da sua omnipotência, da sua omnisciência, da sua omniclarividência”
    Claudio Toscani, "L'Osservatore Romano

     
  • At 21 de junho de 2010 às 21:37, Blogger cbs said…

    olha. boa. agora tiras-me o pão da boca... só aí dava 3 ou 4 postas

     
  • At 21 de junho de 2010 às 21:46, Blogger cbs said…

    não devia ter "culpado, sobretudo demasiado comodamente e longe de qualquer outra consideração, um Deus no qual nunca acreditou"

    há realmente um ponto, comum a outros ateus amadurecidos, que nem é tanto uma contradição, mas mais uma confissão: não acredito que existas, mas gostava que existisses, para te poder culpar do mal.
    Por outras palavras, não me és indiferente, e dói-me reconhecer-te.

     
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